segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Terra de estrangeiros - DENIS LERRER ROSENFELD

ESTADÃO - 22/08

Urge mudar a legislação petista inspirada pelo MST, que custou ao País bilhões de dólares



Dentre os inúmeros anacronismos legados pela herança petista, um deles é ilustrativo por exemplificar os preconceitos que se tornaram correntes contra o capital em geral e, em particular, contra o estrangeiro. Nada aqui é ocasional, pois o peso ideológico terminou se traduzindo por limitações severas ao investimento estrangeiro na aquisição de terras no País.

Aparentemente, é como se o interesse nacional estivesse assim preservado, a partir, evidentemente, de uma posição preconcebida de que ele estaria ameaçado. Ameaçado por quem? Por empresas que investem no Brasil, gerando empregos, pagando impostos e contribuindo para o crescimento do PIB? Qual é o fantasma?

Os instrumentos utilizados pelos governos petistas foram dois pareceres, um de 2008 e outro de 2010, que revogaram, por sua vez, pareceres anteriores, de 1994 e 1997. Estamos diante de atos administrativos que abruptamente modificaram toda uma legislação anterior, produzindo enorme insegurança jurídica.

O cerne da discussão terminou se reduzindo à equiparação anterior (pareceres de 1994 e de 1997) de empresas brasileiras de capital estrangeiro a empresas brasileiras de capital nacional, tornadas essencialmente distintas pelos pareceres de 2008 e 2010. Uma posição viabilizava o investimento estrangeiro no Brasil, tornando atrativos a agropecuária e o agronegócio – aliás, o agronegócio acabou se transformando num setor que muito contribuiu para o avanço da economia nacional. A outra teve como desfecho inviabilizar o investimento estrangeiro, tornando-se um fator de mero atraso.

Para ter uma ideia, quando dos pareceres petistas, falava-se que entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões deixaram de ser investidos no País. Considerando a necessidade de alavancagem do capital estrangeiro para o crescimento da economia nacional, tem-se uma melhor noção dos prejuízos, hoje provavelmente maiores.

Os pareceres petistas são preciosidades de manipulação ideológica. Entre as “justificativas”, constam algumas que deveriam fazer parte do besteirol produzido pelos “movimentos sociais”, capitaneados pelo MST.

Chega a ser inacreditável que um grupo que se caracteriza pelo desrespeito ao Estado Democrático de Direito tenha sido alçado à posição de interlocutor privilegiado de toda uma legislação infraconstitucional. Um autointitulado movimento social que emprega sistematicamente a violência na invasão de propriedades privadas e órgãos públicos se torna artífice da elaboração de pareceres. Há algo de muito errado aí!
Dentre as pérolas, algumas merecem especial destaque. Seu objetivo consistiria em assegurar a segurança alimentar, como se o Brasil vivesse no limite da autossuficiência ou fosse importador. Isso ocorreu nos anos 1970, antes da pujança da agropecuária e do agronegócio brasileiros, que alçaram o País à posição de um dos maiores exportadores de alimentos. O Brasil contribui decisivamente para a redução da fome no mundo!

O mundo globalizado já não comporta entidades autárquicas isoladas do mundo – salvo se o objetivo for a miséria e a pobreza. As cadeias produtivas são internacionais, assim como o conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico.

Assinale-se, a respeito, que o Brasil é um país de ponta nesses setores. O que o MST e movimentos afins temem é a ciência e a tecnologia, pois, para eles, o País deveria regressar a uma etapa camponesa e pré-capitalista, identificada, sabe-se lá por quê, com uma forma de socialismo. Deveriam transferir-se para a Venezuela, Cuba ou Coreia do Norte, sem direito a retorno. Dariam uma enorme contribuição para o progresso do País.

Outra amostra ideológica consistiria em que a aquisição de terras por estrangeiros seria feita com recursos oriundos da lavagem de dinheiro, do tráfico de drogas e da prostituição, como se estrangeiros fossem criminosos potenciais ou efetivos. Tal invencionice exibe apenas o uso da mentira para fazer que o espírito anticapitalista ou anti-imperialista prevaleça.

Como não poderia deixar de ser, o corolário de tal cadeia de pseudoargumentos seria o aumento do valor dos imóveis, que prejudicaria a reforma agrária! Ora, os assentamentos da reforma agrária já são superiores a 60 milhões de hectares, sem nenhum resultado efetivo. Jamais os governos petistas fizeram uma avaliação de sua produtividade e de seus efeitos sociais. Tornaram-se, muitos deles, apenas favelas rurais.

Hoje se sabe que as fraudes nesses assentamentos se multiplicam, os assentados abandonam ou vendem ilegalmente os seus lotes e todos ficam dependentes do MST e de seus agentes, que assim os controlam. Não há titulação dos assentados, de modo a eles poderem tornar-se proprietários, que dessa forma se inseririam em todos os benefícios da agricultura familiar. Permanecem uma clientela política.
Ora, os pareces petistas sobre aquisição de terras por estrangeiros continuam vigentes e são um poderoso obstáculo à vinda de capitais estrangeiros para as mais diferentes áreas, do setor florestal e de celulose ao de energia, passando, entre outros, pelos de etanol e biocombustíveis, além da questão do financiamento rural pelas tradings.

O presidente Michel Temer já se manifestou favoravelmente a uma mudança no setor, mostrando que o País vive uma nova era, aberta ao mundo e à captação de investimentos estrangeiros. Neste período de transição, que deve agora chegar ao seu término, a Advocacia-Geral da União, consoante com essa orientação, sob a liderança do dr. Fábio Medina Osório, realiza os estudos necessários a modernização dessa legislação. O diálogo tem sido a sua pauta.

O seu aprimoramento certamente se traduzirá por uma abertura do País ao investimento estrangeiro, voltando a equalizar as empresas brasileiras de capital estrangeiro a empresas brasileiras de capital nacional. Urge que tal mudança se faça, pois só assim o País retornará ao que pode simplesmente ser considerado bom senso. Acontece que temos vivido na insensatez.

*Professor de Filosofia na UFRGS. 


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