Desamparados pelo governo, ressentidos por um declínio sem fim e com um agudo sentimento de traição,“os homens brancos com raiva” fizeram a diferença na eleição
O marido dela havia sido demitido de uma indústria de automóveis e morreu pouco depois. Stack é o símbolo máximo dos cidadãos chamados pelos analistas de “angry white man”, os homens brancos com raiva. Eles, mais do que qualquer outra parcela da população, tiveram seus empregos ceifados pelo ocaso econômico das cidades industriais, pelo avanço tecnológico e por uma profunda mudança da sociedade nos últimos 20 anos.
Desamparados pelo governo, ressentidos por um declínio sem fim e com um agudo sentimento de traição, esses indivíduos se vingaram na eleição presidencial de tudo o que julgavam ser responsável por suas misérias pessoais. Mais do que qualquer coisa, puniram todo o sistema. Por isso elegeram Donald Trump.
Basta dar uma espiada no mapa dos votos para observar que Trump venceu, com folga, nos subúrbios, nas cidades rurais e no chamado “Cinturão da Ferrugem”, como passou a ser conhecida, de forma pejorativa, a região que se estende pelo nordeste dos Estados Unidos até os Grandes Lagos e que tem sua economia baseada na indústria pesada e de manufatura.
É lá, nesses amplos espaços decadentes (daí o “ferrugem”) outrora ocupados por fábricas vistosas, que os homens brancos com formação escolar média fizeram a diferença a favor do presidente Trump. “Agradeço principalmente às pessoas sem instrução, mas trabalhadoras incansáveis, que me colocaram em condições de derrotar Hillary Clinton”, disse o republicano semanas antes da eleição. “É para elas que vou governar.”
A classe operária americana vem sofrendo reveses. Há cinco décadas, a indústria respondia por 30% dos postos de trabalho nos Estados Unidos. Atualmente, o índice não chega a 10%. É pouco, mas vai ficar pior. Projeções mostram que, até 2030, o setor fabril responderá no máximo por 5% da força produtiva.
Enquanto os empregos desaparecem, a renda também despenca. Os operários não surfaram na onda da riqueza gerada pela nova era tecnológica. Sem bons níveis de educação, eles não conseguiram ocupar as vagas que surgiram.
Outro dado revelador: entre 1975 e 2014, o trabalhador branco sem diploma universitário viu sua renda média cair mais de 20%. Apenas entre 2007 e 2014, o recuo foi de 14%. Em suma: essa enorme massa ficou para trás. Como reflexo disso, se tornou mais e mais nervosa, mais e mais amargurada.
Trump captou a insatisfação e foi direto ao ponto. Nas primárias, fez um discurso na porta de uma fábrica da Ford em Michigan e urrou uma série de ameaças. Se a empresa fechasse aquela unidade para transferi-la para o México, ele imporia uma tarifa de 35% sobre qualquer carro produzido no país vizinho. O futuro presidente também ameaçou a Apple durante a campanha, dizendo que forçaria a gigante a parar de produzir iPhones na China.
A oratória agressiva sempre era acompanhada por um rosário de críticas à globalização e à “invasão estrangeira que mata nossos empregos”.
Esqueça o que Trump diz. Não são os trabalhadores estrangeiros, ou a globalização, que tomam os empregos dos cidadãos americanos. O problema é interno, está no coração do país.
A desindustrialização é um caminho sem volta, porque a sociedade quer assim. Em uma entrevista recente para a revista Piauí, Martin Wolf, principal colunista de economia e política do jornal britânico Financial Times, elucidou a questão. “Nos países ricos, o aumento de renda não é mais gasto principalmente em produtos industriais”, afirmou ele.
“Todo mundo já tem mais de um carro na garagem nos Estados Unidos, mesmo os pobres. Gasta-se o dinheiro extra indo a restaurantes, pagando por melhores creches, esse tipo de coisa. Os trabalhos industriais já eram.” A única forma de um operário se contrapor a esse cenário é buscar qualificação. Qualificar-se significa estudar mais e, assim, fisgar os bons empregos. Ao contrário do que Trump prega, a globalização não é vilã de coisa alguma. Ela, ao contrário, gera riqueza com interdependências que trazem benefícios mútuos.
Trump seduziu o operário americano que
sofre com o sumiço de empregos na indústria
e que teme a presença de estrangeiros
sofre com o sumiço de empregos na indústria
e que teme a presença de estrangeiros
Na lógica de muitos trabalhadores, o mundo real estava ferindo o seu senso de masculinidade, por mais estúpido que isso possa parecer. Trump, com a irascível arenga intolerante, deu sentido para esse temor e, sob diversos aspectos, o justificou. “Precisamos de uma América mais máscula”, chegou a falar durante a campanha, mais uma vez captando os anseios de uma parte considerável da nação.
Não à toa, uma multidão de obtusos foi aos comícios de Trump usando camisetas com inscrições como “faça a América mais branca”, “tchau, imigrantes” ou “vamos ser homens de verdade.” Em um artigo publicado na semana passada no jornal The New York Times, o escritor Thomas Friedman resumiu a questão. “Não há nada que possa deixar as pessoas mais irritadas ou desorientadas que sentir que perderam seu lar”, escreveu. “Para alguns, é porque os Estados Unidos estão se tornando um país de minorias e isso ameaça o sentido de comunidade de muitos brancos de classe média, especialmente os que vivem fora das áreas urbanas mais cosmopolitas.” Trump entendeu tudo isso melhor do que ninguém.
Fotos: Mike Segar/REUTERS; John Minchillo/AP Photo; Charles Rex Arbogast/AP Photo
Nenhum comentário:
Postar um comentário