| 16 Junho 2016
Artigos - Ciência
O horror e a repressão de uma medicina que se tornou em arma estatal.
O Estado - enquanto organização de pessoas que naturalmente tende à própria perpetuação e ao aumento do seu poder e de suas funções - pode transformar-se num perigoso elemento de totalitarismo numa sociedade.
O Estado também pode instrumentalizar todas as instituições e grupos da sociedade para o propósito final de crescer cada vez mais, drenando tudo e todos.
Já a medicina, que detém grande autoridade científica e social, pode ser um eficaz instrumento de controle e manipulação da sociedade, para o bem ou para o mal. O médico tem o poder para remover alguém do trabalho, aposentá-lo, abrir seu corpo causando um dano controlado chamado cirurgia, declarar alguém morto e, talvez o mais assombroso, nomear uma doença e determinar parcialmente o futuro de um paciente. Talvez este último seja o mais sutil e poderoso elemento da profissão médica.
Quando estamos diante de uma doença claramente identificável, como um carcinoma basocelular na pele de um paciente, não há muito que duvidar. Pode chamá-lo por outro nome, pode tratá-lo de diferentes formas, mas a evolução e as repercussões físicas são bem objetivas e previsíveis. O problema começa quando estamos diante da doença psiquiátrica. Há, obviamente, um espaço muito maior para elementos subjetivos de comportamento que podem alterar radicalmente o prognóstico do paciente, e é justamente aí que um grande perigo pode surgir.
A mistura é explosiva. De um lado, um Estado ocupado por perigosos psicopatas[1], sedentos de poder e controle. Do outro, a medicina, capaz de gerar gigantesca influência na sociedade. Una tudo isso a um governo do tipo revolucionário e totalitário[2] e voilá! A máquina de moer carne humana está pronta. E qualquer um que se oponha poderá ser denominado louco ou doente. A racionalidade por trás de tudo isso é cruel: “nós temos a perfeição encarnada no sistema, qualquer um que avance contra nós é louco e perigoso.”
Nenhum regime encarnou tão bem o ideal do totalitarismo político e espiritual – no sentido de domínio sobre a mente do sujeito – do que o Comunismo em suas diversas encarnações.
Os maiores crimes contra a vida humana podem simplesmente ser cobertos pela desculpa de que pessoas precisam de tratamento psiquiátrico. Ainda hoje alguns manifestantes e oposicionistas dos regimes de esquerda (Rússia, China e tantos outros) desaparecem da sociedade quando adentram um hospital psiquiátrico para que sejam “tratados”. É uma solução muito cômoda, porque muitas explicações seriam necessárias se simplesmente matassem o indivíduo, certo?[3]
Conforme o que o próprio Nikita Khrushchev disse em 1959:
“Um
crime é um desvio dos padrões geralmente reconhecidos de comportamento,
frequentemente causado por problemas mentais. É possível que existam
doenças, problemas mentais, entre certas pessoas da sociedade comunista?
É evidente que sim. Se é assim, logo existirão ofensas características
de pessoas com mentes anormais... Para aqueles que comecem a erigir
oposição ao Comunismo de tal forma, nós podemos dizer que... claramente
seu estado mental não é normal.” [4]
Não
é surpresa o intenso trabalho vindo de terras socialistas e comunistas a
leste investido na pesquisa dos processos psicológicos e psiquiátricos,
muitos buscando a chave de como manipular o comportamento humano. O bom
e velho Pavlov, e toda uma hoste de pesquisadores da psicologia social e
da manipulação não me deixam mentir.Aliado ao uso da medicina psiquiátrica para fins totalitários, basta misturar a manipulação da cultura conforme os ditames de Antônio Gramsci e de toda a Escola de Frankfurt[5] e teremos o caminho para a escravidão perfeitamente pavimentado.
E novamente voltamos ao problema da medicina que perdeu sua identidade. Uma vez que a proteção da vida e da integridade do paciente movida por um compromisso inegociável com a beneficência for trocada por qualquer outra coisa ou qualquer outra fidelidade, está encerrada a medicina tradicional hipocrática e cristã.
Ao invés de direcionar-se ao paciente como objetivo concreto e imediato da prática médica, o juramento médico soviético, por exemplo, se direcionava à abstrata humanidade e à sociedade, demonstrando o predomínio do utilitarismo social contra a beneficência direta ao ser humano. Ao invés de apelar para uma lei universal, apela-se à moralidade comunista – isso é assustador para qualquer um que tenha lido o mínimo de história soviética – e à obediência ao Estado. Sem dúvida nenhuma é o juramento que todos os Estados com tendência totalitarista gostariam de impor aos seus médicos.[6]
Voltando aos dias de hoje, longe no tempo e na geografia, não estranho nem um pouco a insistente atenção dada aos médicos e à educação – ou deseducação – pelos governos da esquerda radical no Brasil. O constante desmanche da autoridade médica, substituída é claro pela autoridade ideológica radical que ocupa o vácuo deixado, e o trabalho de hegemonia cultural sempre presente nas universidades e escolas, onde temos ideólogos manipuladores aliados aos piores índices educacionais internacionais, deixam bem claro a tendência entrópica de nossa elite.
A progressiva substituição do perfil médico brasileiro, saindo de uma classe profissional altamente científica e técnica, com padrões de qualidade reconhecidos internacionalmente, porém quase que completamente destituída de formação política, para uma classe subserviente ao Estado, menos qualificada e muito mais ideologizada, claramente remete a uma intensa medida de engenharia social. Pessoalmente, considero os dois modelos errados e distantes da identidade tradicional da medicina, que deve ansiar por excelência em termos científicos, técnicos e morais, incluindo a política.
Junto com a destruição da identidade médica, atos frontalmente contrários à vida humana - e à opinião majoritária do provo brasileiro, diga-se de passagem - são cotidianamente instituídos. Prega-se o abortamento voluntário e a eutanásia, por exemplo, e a vida humana deixa de ser sagrada.
Realmente sagrado deve ser o Estado - esse Leviatã insaciável - e a vontade de nossa elite política esquerdista, certo?
Não. Certo é o compromisso mais que milenar de nossa Medicina com a vida humana e com o ser humano concreto, de carne e osso, que todos os dias senta-se à frente de seu médico e pede auxílio, socorro e compreensão. Certo é defender a vida humana, pressuposto de qualquer atividade médica. Certo é defender nossa própria identidade moral contra os enxertos desumanos que ideologias monstruosas tentam empurrar à força sobre a sociedade.
A boa medicina, de raiz cultural hipocrática e cristã, tem sua própria escala de valores a ser defendida.
Notas:
[1] LOBACEWSKI, Andrew. Ponerologia Política. Campinas: Vide Editorial, 2015.
[2]
Na concepção de Olavo de Carvalho, revolução é a concentração de poder
mediante a promessa de um futuro melhor, justificando a inversão moral,
isto é, desculpando atos imorais para se alcançar um distante fim
desejável.
[3] VAN NOREN, Robert. Ending political abuse of psychiatry: where we are at and what needs to be done. BJPsych Bulletin (2016), 40, 30-33, doi: 10.1192/pb.bp.114.049494
[4] Ibid.; KNAPP, M. Mental Health Policy and Practice Across Europe: The Future Direction of Mental Health Care. McGraw-Hill, 2007.
[5] CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a Revolução Cultural. Campinas: Vide Editorial, 2015.
[6] Association of American Physicians and Surgeons. Comparison between Oath of Hippocrates and Other Oaths. Internet, http://www.aapsonline.org/ethics/oathcomp.htm
Prof. Dr. Hélio Angotti Neto, autor do livro A Morte da Medicina, é coordenador do Curso de Medicina do UNESC, diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, visiting scholar da Global Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity em 2016, membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina, SEFAM - www.medicinaefilosofia.blogspot.com.br.
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