A crise do Mercosul é a crise da integração regional - CARLOS MALAMUD
ESTADÃO - 10/08
Controvérsia no principal bloco da região é compartilhada por outras entidades e reflete fracasso de projeto bolivariano
O Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) não encontra meios de sair da crise que atravessa, referente à presidência semestral rotativa. Não apenas isso: os governos de seus países-membros continuam sem dar respostas adequadas ao profundo atoleiro em que se encontram. Há três semanas, comparávamos a crise do Mercosul à situação, muito mais esperançosa, que vive a Aliança do Pacífico.
Na verdade, a delicada conjuntura do Mercosul é compartilhada pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a Aliança Bolivariana de Nações (Alba) e reflete bem a decadência do projeto de integração bolivariano.
No caso do Mercosul, há vários problemas que incidem no atual estado de coisas, mas todos eles respondem às mesmas premissas que têm servido para contextualizar a presença da América Latina no mundo globalizado: a relação com as principais potências ocidentais, começando com Estados Unidos e União Europeia (UE); o papel do comércio internacional no crescimento dos países; a participação do Estado nas economias nacionais; e o excessivo protagonismo presidencial na definição da política exterior.
Esse último ponto tornou possível o início do trâmite de incorporação, em finais de 2005, da Venezuela no Mercosul, num processo marcado pela improvisação e voluntarismo do então presidente venezuelano, Hugo Chávez. Isso foi facilitado pelos parceiros de então: os presidentes Néstor Kirchner (da Argentina), Luiz Inácio Lula da Silva (da Brasil), Nicanor Duarte Frutos (da Paraguai) e Tabaré Vázquez (da Uruguai). O trâmite demorou bastante em consequência da oposição do Parlamento paraguaio e do Senado brasileiro, além da reiterada recusa do governo venezuelano em respeitar os consequentes compromissos de adequação de sua legislação comercial às regras do Mercosul.
Embora em 2012, aproveitando a suspensão do Paraguai da organização (causada pelas suspeitas levantadas pelos demais países-membros sobre o processo que levou à destituição do presidente esquerdista Fernando Lugo), o ingresso da Venezuela se tenha concretizado, em nenhum momento ficou clara a vontade venezuelana de mudar as leis e regulamentos do bloco, nem tampouco de o país se comportar como membro responsável do Mercosul.
O que está claro é que hoje se paga pelos erros do passado. Insistindo neles, em julho de 2015 os já cinco membros aprovaram a incorporação da Bolívia. Em nenhum dos dois casos se discutiu o projeto global do bloco, nem se as economias dos novos países eram ou não compatíveis com seu funcionamento interno.
Quando houve algumas mudanças de governo, a concepção dominante de entender a integração regional foi para o espaço.
Isso ocorreu porque em todos estes anos a ideologia e as afinidades políticas tinham prevalecido sobre os interesses nacionais.
Agora, os novos presidentes da Argentina, Brasil e Paraguai decidiram não mais se curvar ao chavismo, ou ao menos não tolerar mais seus permanentes questionamentos políticos de tudo aquilo que exceda os rígidos parâmetros bolivarianos de integração. Pretende-se reconduzir a integração segundo premissas diferentes, mesmo que os interessados ainda não tenham a força necessária. Esse estado de coisas ocorre paralelamente ao empenho venezuelano de impor a todo custo sua presidência. Com o objetivo de aparecer como vítima perante a opinião pública do país, a Venezuela começou a difundir a ideia de que é tudo um complô da direita regional, ajudada pelos EUA.
Termos grosseiros. A chancelaria venezuelana até já denunciou a criação de uma “tríplice aliança”, agora formada por Argentina, Brasil e Paraguai, com a intenção de “reeditar uma espécie de Operação Condor (a cooperação repressora entre os países do Cone Sul durante o período de ditaduras militares das décadas de 70 e 80) contra a Venezuela, fustigando e criminalizando seu modelo de desenvolvimento e democracia – agressão que não se detém nem frente à destruição da institucionalidade e legalidade do Mercosul”.
A comparação, grosseira e anti-histórica, dos atuais governos democráticos dos referidos países com as ditaduras militares dos anos 1970 se agrava com a tentativa de vincular o Paraguai à Tríplice Aliança.
Ocorre que, na guerra de 1864-1870, o Paraguai foi vítima e não agressor do bloco bélico formado pela Argentina, Brasil e Uruguai.
O governo uruguaio se empenha em manter a legalidade do Mercosul – que prevê a entrega da presidência do bloco à Venezuela, obedecendo ordem alfabética), enquanto Argentina, Brasil e Paraguai se opõem à liderança venezuelana, embora não se atrevam a aplicar a Carta Democrática da organização ou a questionar a participação da Venezuela dado seu não cumprimento das normas comunitárias. A isso se soma o temor do bloqueio que uma presidência venezuelana possa impor à negociação do Tratado de Associação e Livre-Comércio com a União Europeia. Em grande parte, a crise venezuelana está por trás da paralisia que afeta o funcionamento tanto da Unasul quanto da Celac.
Há uma situação de bloqueio que impede manter as políticas do passado e impulsionar as mudanças a que alguns aspiram.
As decisões irresponsáveis dos últimos 15 anos estão mandando a conta, sem que haja nenhum plano elaborado e coerente para reverter tão lamentável estado de coisas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
*PESQUISADOR PARA AMÉRICA LATINA E COMUNIDADE IBERO-AMERICANA DO REAL INSTITUTO ELCANO DE ESTUDOS INTERNACIONAIS E ESTRATÉGICOS.
Controvérsia no principal bloco da região é compartilhada por outras entidades e reflete fracasso de projeto bolivariano
O Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) não encontra meios de sair da crise que atravessa, referente à presidência semestral rotativa. Não apenas isso: os governos de seus países-membros continuam sem dar respostas adequadas ao profundo atoleiro em que se encontram. Há três semanas, comparávamos a crise do Mercosul à situação, muito mais esperançosa, que vive a Aliança do Pacífico.
Na verdade, a delicada conjuntura do Mercosul é compartilhada pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a Aliança Bolivariana de Nações (Alba) e reflete bem a decadência do projeto de integração bolivariano.
No caso do Mercosul, há vários problemas que incidem no atual estado de coisas, mas todos eles respondem às mesmas premissas que têm servido para contextualizar a presença da América Latina no mundo globalizado: a relação com as principais potências ocidentais, começando com Estados Unidos e União Europeia (UE); o papel do comércio internacional no crescimento dos países; a participação do Estado nas economias nacionais; e o excessivo protagonismo presidencial na definição da política exterior.
Esse último ponto tornou possível o início do trâmite de incorporação, em finais de 2005, da Venezuela no Mercosul, num processo marcado pela improvisação e voluntarismo do então presidente venezuelano, Hugo Chávez. Isso foi facilitado pelos parceiros de então: os presidentes Néstor Kirchner (da Argentina), Luiz Inácio Lula da Silva (da Brasil), Nicanor Duarte Frutos (da Paraguai) e Tabaré Vázquez (da Uruguai). O trâmite demorou bastante em consequência da oposição do Parlamento paraguaio e do Senado brasileiro, além da reiterada recusa do governo venezuelano em respeitar os consequentes compromissos de adequação de sua legislação comercial às regras do Mercosul.
Embora em 2012, aproveitando a suspensão do Paraguai da organização (causada pelas suspeitas levantadas pelos demais países-membros sobre o processo que levou à destituição do presidente esquerdista Fernando Lugo), o ingresso da Venezuela se tenha concretizado, em nenhum momento ficou clara a vontade venezuelana de mudar as leis e regulamentos do bloco, nem tampouco de o país se comportar como membro responsável do Mercosul.
O que está claro é que hoje se paga pelos erros do passado. Insistindo neles, em julho de 2015 os já cinco membros aprovaram a incorporação da Bolívia. Em nenhum dos dois casos se discutiu o projeto global do bloco, nem se as economias dos novos países eram ou não compatíveis com seu funcionamento interno.
Quando houve algumas mudanças de governo, a concepção dominante de entender a integração regional foi para o espaço.
Isso ocorreu porque em todos estes anos a ideologia e as afinidades políticas tinham prevalecido sobre os interesses nacionais.
Agora, os novos presidentes da Argentina, Brasil e Paraguai decidiram não mais se curvar ao chavismo, ou ao menos não tolerar mais seus permanentes questionamentos políticos de tudo aquilo que exceda os rígidos parâmetros bolivarianos de integração. Pretende-se reconduzir a integração segundo premissas diferentes, mesmo que os interessados ainda não tenham a força necessária. Esse estado de coisas ocorre paralelamente ao empenho venezuelano de impor a todo custo sua presidência. Com o objetivo de aparecer como vítima perante a opinião pública do país, a Venezuela começou a difundir a ideia de que é tudo um complô da direita regional, ajudada pelos EUA.
Termos grosseiros. A chancelaria venezuelana até já denunciou a criação de uma “tríplice aliança”, agora formada por Argentina, Brasil e Paraguai, com a intenção de “reeditar uma espécie de Operação Condor (a cooperação repressora entre os países do Cone Sul durante o período de ditaduras militares das décadas de 70 e 80) contra a Venezuela, fustigando e criminalizando seu modelo de desenvolvimento e democracia – agressão que não se detém nem frente à destruição da institucionalidade e legalidade do Mercosul”.
A comparação, grosseira e anti-histórica, dos atuais governos democráticos dos referidos países com as ditaduras militares dos anos 1970 se agrava com a tentativa de vincular o Paraguai à Tríplice Aliança.
Ocorre que, na guerra de 1864-1870, o Paraguai foi vítima e não agressor do bloco bélico formado pela Argentina, Brasil e Uruguai.
O governo uruguaio se empenha em manter a legalidade do Mercosul – que prevê a entrega da presidência do bloco à Venezuela, obedecendo ordem alfabética), enquanto Argentina, Brasil e Paraguai se opõem à liderança venezuelana, embora não se atrevam a aplicar a Carta Democrática da organização ou a questionar a participação da Venezuela dado seu não cumprimento das normas comunitárias. A isso se soma o temor do bloqueio que uma presidência venezuelana possa impor à negociação do Tratado de Associação e Livre-Comércio com a União Europeia. Em grande parte, a crise venezuelana está por trás da paralisia que afeta o funcionamento tanto da Unasul quanto da Celac.
Há uma situação de bloqueio que impede manter as políticas do passado e impulsionar as mudanças a que alguns aspiram.
As decisões irresponsáveis dos últimos 15 anos estão mandando a conta, sem que haja nenhum plano elaborado e coerente para reverter tão lamentável estado de coisas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
*PESQUISADOR PARA AMÉRICA LATINA E COMUNIDADE IBERO-AMERICANA DO REAL INSTITUTO ELCANO DE ESTUDOS INTERNACIONAIS E ESTRATÉGICOS.
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