sábado, 20 de agosto de 2016

Como Serra pode ajudar a destruir o PT

Como Serra pode ajudar a destruir o PT

Venezuela, Uruguai, OEA e legisladores estrangeiros são elementos de um partido essencialmente internacional


Quatro palavrinhas estão faltando de todas as análises e reportagens sobre a atual briga entre o ministro José Serra e o governo da Venezuela: Foro de São Paulo. Parece incrível, mas em pleno 2016 ainda existem jornalistas e acadêmicos ignorando a variável mais relevante da política internacional da América Latina na última década. 


Apenas o Foro de São Paulo pode explicar por que o Brasil do PT, tão carinhoso com a maior parte dos vizinhos, tratou a tapas Paraguai e Honduras quando da deposição de Fernando Lugo e Manuel Zelaya. Apenas o Foro de São Paulo pode explicar um programa como o Mais Médicos. E apenas o Foro de São Paulo explica porque o Brasil de Dilma não apenas expulsou o Paraguai do Mercosul, como aproveitou essa ausência para malandramente incluir a Venezuela no clube.



A presença da Venezuela no Mercosul virou um tabu para os acadêmicos e analistas de plantão, como se ela tivesse direito divino a um assento. Como petistas magros não lutam sumô, eles não querem eslarecer se a presença do país no bloco faz sentido em termos comerciais – para citar um exemplo, as exportações brasileiras para a Venezuela despencaram 63% no primeiro semestre deste ano, porque os empresários daqui têm medo de não receber. Um quilo de frango lá pode custar mais de 300 reais



Esta reportagem do Daily Mail mostra parte da destruição causada pelo chavismo: prateleiras vazias, famílias procurando comida no lixo, filas de centenas de pessoas para comprar um litro de óleo, uma moça chamada Marlene que perdeu 20 quilos de tanto passar fome. Os “analistas” também evitam a questão básica de se a Venezuela cumpre ou não o Protocolo de Ushuaia (ou seja, se é um país democrático e portanto pode fazer parte do Mercosul).  A documentação sobre a situação política da Venezuela é vasta e não preciso citar exemplos aqui (mas podemos lembrar como foram tratados nossos senadores).



Como os “analistas” de sempre não querem nem saber do Foro de São Paulo, não conseguem enxergar o que está acontecendo. E o que está acontecendo hoje é resultado de um ponto cego no horizonte de consciência dos líderes do Foro: eles jamais previram o que poderia acontecer a seus planos no caso de alternância de poder (ou seja, José Serra no Itamaraty). Isto porque a cartilha do Foro consiste justamente em perpetuar os partidos-membros no poder:


– Chávez (Venezuela), Morales (Bolívia), Correa (Equador) e Ortega (Nicarágua) alteraram as constituições de seus países para obter mais mandatos;

– Zelaya (Honduras) tentou fazer o mesmo e foi deposto;

– Mujica (Uruguai) não teve necessidade porque passou a faixa para seu antecessor Tabaré;

– Lula flertou com a possibilidade de um terceiro mandato até meados de 2010 (e cogitou o Volta Lula em 2014), decidindo-se por eleger Dilma e viajar pela Odebrecht (primeiro mandato) ou virar ministro (segundo mandato).



Na narrativa “progressista”, a “integração latino-americana” é um fim em si próprio, pouco importando forma ou conteúdo. Ela avançaria sempre, com tropeços ou obstáculos, mas nunca dando um passo para trás. Eis porque a presença da Venezuela no Mercosul vira um tabu.



Mas porque este assunto é tão importante para os petistas? Porque o PT é um partido essencialmente internacional. Com a maior facilidade do mundo, o partido pareceu “angariar” em meses recentes simpatizantes na OEA, na ONU, na Argentina, etc. Fez um júri simulado para gringo ver, tendo na banca da acusação Marcia Tiburi, autora do livro Como Conversar Com Um Fascista (vi a bibliografia do livro. Não consta um só autor fascista). E lançou agora uma cartilha em quatro idiomas para defesa internacional do réu Lula.



Ocorre que todo esse esforço do PT de conquistar simpatias estrangeiras não é amador e nem recente. É parte essencial do partido desde no mínimo a fundação do Foro de São Paulo em 1990, quando o PT tinha apenas 10 anos e acabara de perder uma eleição para Collor. O PT passou muitos anos costurando essas alianças internacionais; não é à toa que tantos aliados vêm ao seu socorro agora.


Ao colocar em risco parte do “legado” do PT – neste caso, a presença da Venezuela no Mercosul e o total silêncio sobre as credenciais democráticas de Caracas – José Serra está atacando uma parte muito sensível do esquema peteba de poder. Ainda tontos com o impeachment, e obviamente com medo de uma prisão de Lula, eles se fecham na defesa de seus camaradas estrangeiros.



Cedê Silva é jornalista. Escreve muito poucas vezes no medium.com/@CedeSilva e pouco muitas vezes no twitter.com/CedeSilva. Escreve no Implicante às sextas-feiras.

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