Como Serra pode ajudar a destruir o PT
Venezuela, Uruguai, OEA e legisladores estrangeiros são elementos de um partido essencialmente internacional
Quatro palavrinhas estão faltando de
todas as análises e reportagens sobre a atual briga entre o ministro
José Serra e o governo da Venezuela: Foro de São Paulo.
Parece incrível, mas em pleno 2016 ainda existem jornalistas e
acadêmicos ignorando a variável mais relevante da política internacional
da América Latina na última década.
Apenas o Foro de São Paulo pode
explicar por que o Brasil do PT, tão carinhoso com a maior parte dos
vizinhos, tratou a tapas Paraguai e Honduras quando da deposição de
Fernando Lugo e Manuel Zelaya. Apenas o Foro de São Paulo pode explicar
um programa como o Mais Médicos.
E apenas o Foro de São Paulo explica porque o Brasil de Dilma não
apenas expulsou o Paraguai do Mercosul, como aproveitou essa ausência
para malandramente incluir a Venezuela no clube.
A presença da Venezuela no Mercosul
virou um tabu para os acadêmicos e analistas de plantão, como se ela
tivesse direito divino a um assento. Como petistas magros não lutam sumô, eles não querem eslarecer se a presença do país no bloco faz sentido em termos comerciais – para citar um exemplo, as exportações brasileiras para a Venezuela despencaram 63% no primeiro semestre deste ano, porque os empresários daqui têm medo de não receber. Um quilo de frango lá pode custar mais de 300 reais.
Esta reportagem do Daily Mail
mostra parte da destruição causada pelo chavismo: prateleiras vazias,
famílias procurando comida no lixo, filas de centenas de pessoas para
comprar um litro de óleo, uma moça chamada Marlene que perdeu 20 quilos
de tanto passar fome. Os “analistas” também evitam a questão básica de
se a Venezuela cumpre ou não o Protocolo de Ushuaia (ou seja, se é um
país democrático e portanto pode fazer parte do Mercosul). A
documentação sobre a situação política da Venezuela é vasta e não
preciso citar exemplos aqui (mas podemos lembrar como foram tratados nossos senadores).
Como os “analistas” de sempre não querem
nem saber do Foro de São Paulo, não conseguem enxergar o que está
acontecendo. E o que está acontecendo hoje é resultado de um ponto cego
no horizonte de consciência dos líderes do Foro: eles jamais previram o
que poderia acontecer a seus planos no caso de alternância de poder (ou
seja, José Serra no Itamaraty). Isto porque a cartilha do Foro consiste
justamente em perpetuar os partidos-membros no poder:
– Chávez (Venezuela), Morales (Bolívia),
Correa (Equador) e Ortega (Nicarágua) alteraram as constituições de
seus países para obter mais mandatos;
– Zelaya (Honduras) tentou fazer o mesmo e foi deposto;
– Mujica (Uruguai) não teve necessidade porque passou a faixa para seu antecessor Tabaré;
– Lula flertou com a possibilidade de um
terceiro mandato até meados de 2010 (e cogitou o Volta Lula em 2014),
decidindo-se por eleger Dilma e viajar pela Odebrecht (primeiro mandato)
ou virar ministro (segundo mandato).
Na narrativa “progressista”, a “integração latino-americana”
é um fim em si próprio, pouco importando forma ou conteúdo. Ela
avançaria sempre, com tropeços ou obstáculos, mas nunca dando um passo
para trás. Eis porque a presença da Venezuela no Mercosul vira um tabu.
Mas porque este assunto é tão importante
para os petistas? Porque o PT é um partido essencialmente
internacional. Com a maior facilidade do mundo, o partido pareceu
“angariar” em meses recentes simpatizantes na OEA, na ONU, na Argentina,
etc. Fez um júri simulado para gringo ver, tendo na banca da
acusação Marcia Tiburi, autora do livro Como Conversar Com Um Fascista
(vi a bibliografia do livro. Não consta um só autor fascista). E lançou
agora uma cartilha em quatro idiomas para defesa internacional do réu Lula.
Ocorre que todo esse esforço do PT de
conquistar simpatias estrangeiras não é amador e nem recente. É parte
essencial do partido desde no mínimo a fundação do Foro de São Paulo em
1990, quando o PT tinha apenas 10 anos e acabara de perder uma eleição
para Collor. O PT passou muitos anos costurando essas alianças
internacionais; não é à toa que tantos aliados vêm ao seu socorro agora.
Ao colocar em risco parte do “legado” do
PT – neste caso, a presença da Venezuela no Mercosul e o total silêncio
sobre as credenciais democráticas de Caracas – José Serra está atacando
uma parte muito sensível do esquema peteba de poder. Ainda tontos com o
impeachment, e obviamente com medo de uma prisão de Lula, eles se
fecham na defesa de seus camaradas estrangeiros.
Cedê Silva é jornalista. Escreve muito poucas vezes no medium.com/@CedeSilva e pouco muitas vezes no twitter.com/CedeSilva. Escreve no Implicante às sextas-feiras.
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