- Criado em Sexta, 20 Dezembro 2013 00:21
Por Miguel Nagib *
O presente estudo foi elaborado com os seguintes objetivos:
1 - desmentir a crença generalizada de que a educação sexual é um componente obrigatório do curriculum escolar (ao contrário do que se pensa, obrigatório, como veremos, é não veicular esse conteúdo no âmbito das disciplinas obrigatórias); e
2 - servir de subsídio aos pais para que eles pais exerçam,
efetivamente -- recorrendo à Justiça, se necessário --, o direito, que
lhes é assegurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, a que
seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções.
Dado que a temática da educação sexual está compreendida no
plano mais abrangente da educação moral, examinaremos aqui, de forma
também abrangente, se o professor está legalmente obrigado ou autorizado a tratar de questões morais em sala de aula.
Cuidando-se de uma análise estritamente jurídica, não nos
interessa saber se o que os professores estão ensinando em matéria de
valores morais é positivo ou negativo (para isso, recomendamos que o
leitor assista a este vídeo);
nem se é conveniente ou inconveniente que questões morais sejam levadas
para dentro da sala de aula (para isso, recomendamos a leitura desta entrevista); mas apenas se a Constituição e as leis do país permitem que isso seja feito e, caso permitam, em que condições.
Como ninguém ignora, as salas de aula estão sendo usadas de
modo intensivo para promover determinados valores, com a finalidade de
moldar o juízo moral, os sentimentos e as atitudes dos estudantes em
relação a certos temas.
Que temas são esses? Depende da moda, das novelas, da ONU,
da UNESCO e das minorias que controlam o MEC e as secretarias de
educação. Pode ser orientação sexual, questões de gênero, “direitos
reprodutivos” (p. ex., aborto), modelos familiares, ética, etc.
Os educadores chamam isso de “educação de valores”.
Não existe uma disciplina escolar intitulada “educação de valores”. Esse conteúdo é “espalhado” nas disciplinas obrigatórias do curriculum -- Português, Matemática, Geografia, Biologia, História --, por meio de uma técnica chamada transversalidade.
Assim, por exemplo, numa aula de Ciências, ao tratar do aparelho
reprodutor, o professor aproveita para explicar aos alunos “como se
transa”; ou, numa aula de Comunicação e Expressão, o professor manda que
os alunos leiam um texto que, a pretexto de combater o “preconceito”,
promove o comportamento homossexual.
Nesse tipo de educação, o objetivo não é transmitir
conhecimento, mas, sim, inculcar valores e sentimentos na consciência do
estudante de modo que ele tenha determinado comportamento. É um tipo de
lavagem cerebral, porque utiliza, muitas vezes, técnicas de manipulação
mental bastantes conhecidas, conforme demonstrado por Pascal Bernardin,
no livro “Maquiavel Pedagogo ou o ministério da reforma psicológica”.
Acontece que os valores promovidos pela escola não
coincidem necessariamente com aqueles que o estudante aprende em casa
com seus pais. E isso fica muito claro quando o assunto é alguma questão
relacionada à moral sexual.
Como se sabe, um dos temas mais explorados na educação de
valores é a sexualidade. E, ao tratar desse tema nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) -- um documento que contém recomendações a
serem observadas pelas escolas de todo o país --, o MEC adota dois
princípios fundamentais: “direito ao prazer” e “sexo seguro”. Tudo mais
é rotulado de “tabu” ou “preconceito” (a palavra preconceito aparece 17
vezes no caderno de orientação sexual dos PCNs).
O texto abaixo -- extraído de um livro escrito para crianças de 7 a 10 anos, intitulado “Mamãe, como eu nasci?”
-- é um exemplo de como a coisa funciona na prática. O autor, Marcos
Ribeiro, é sexólogo, com curso de Educação Sexual pelo Centro Nacional
de Educación Sexual (Havana, Cuba); consultor em Sexualidade para o
Ministério da Saúde, Fundação Roberto Marinho, entre outras instituições
públicas e privadas; parecerista para o Ministério da Educação nos
Parâmetros Curriculares Nacionais e co-autor dos Parâmetros Curriculares
Nacionais em Ação (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de
Jovens e Adultos. Ou seja, é um especialista que presta serviço para o
governo e para entidades que atuam na educação de crianças e jovens.
Pois bem, ao tratar do tema da masturbação infantil, o Sr.
Marcos Ribeiro, dirigindo-se a crianças de 7 a 10 anos, escreve o
seguinte:
“Alguns meninos gostam de brincar com o seu pênis, e algumas meninas com a sua vulva, porque é gostoso.
As pessoas grandes dizem que
isso vicia ou "tira a mão daí que isso é feio". Só sabem abrir a boca
para proibir. Mas a verdade é que essa brincadeira não causa nenhum
problema. Você só tem que tomar cuidado para não sujar ou machucar,
porque é um lugar muito sensível.
Mas não esqueça: essa
brincadeira, que dá uma cosquinha muito boa, não é para ser feita em
qualquer lugar. É bom que você esteja num canto, sem ninguém por perto.”
(Para ler outros trechos desse livro, clique aqui)
[Chamo a atenção para a sintonia entre a abordagem feita
pelo autor e os princípios adotados pelo MEC nos PCNs: direito ao prazer
e sexo seguro.]
Transcrevo, a seguir, uma passagem do caderno de Orientação
Sexual dos PCNs que contém sugestões de temas a serem tratados em sala
de aula:
“Com a inclusão da Orientação
Sexual nas escolas, a discussão de questões polêmicas e delicadas, como
masturbação, iniciação sexual, o “ficar” e o namoro, homossexualidade,
aborto, disfunções sexuais, prostituição e pornografia, dentro de uma
perspectiva democrática e pluralista [leia-se: relativista],
em muito contribui para o bem-estar das crianças, dos adolescentes e
dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura.”
Em suma, não há dúvida de que as disciplinas obrigatórias do curriculum --
tanto das escolas públicas, quanto das particulares -- estão sendo
usadas para promover determinados valores morais, especialmente, em
questões ligadas à sexualidade.
O problema -- e aqui chegamos ao aspecto propriamente
jurídico da matéria -- é que isto se choca com o direito dos pais a que
seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções.
Que direito é esse?
Além de ser um direito natural -- ou seja, um direito que
existe independentemente de estar previsto em lei, porque decorre da
própria natureza das coisas --, esse direito é garantido expressamente
pelo art. 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também
conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
O art. 12 da CADH diz o seguinte:
“Os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”
A CADH é um tratado internacional assinado pelo governo
brasileiro que tem força de lei no Brasil desde 1992. Ou melhor: de
acordo com o Supremo Tribunal Federal, a CADH, por ser um tratado sobre
direitos humanos, está no mesmo nível hierárquico da Constituição
Federal.
Ao dizer que os pais têm direito a que seus filhos recebam a
educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções, a
CADH está reconhecendo aos pais o direito de decidir a educação moral
que será transmitida a seus filhos.
Ora, se cabe aos pais decidir o que seus filhos devem
aprender em matéria de moral, nem o governo, nem a escola, nem os
professores têm o direito de usar as disciplinas obrigatórias -- aquelas
disciplinas que o estudante é obrigado a frequentar sob pena de ser
reprovado --, para tratar de conteúdos morais que não tenham sido
previamente aprovados pelos pais dos alunos.
Com outras palavras: o governo, as escolas e os professores
não podem se aproveitar do fato de os pais serem obrigados a mandar
seus filhos para a escola, e do fato de os estudantes não poderem deixar
de frequentar as disciplinas obrigatórias, para desenvolver nessas
disciplinas conteúdos morais que possam estar em conflito com as
convicções dos pais.
Por outro lado, o art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, estabelece:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, (...);
Ora, se o governo, as escolas ou os professores usarem as
disciplinas obrigatórias para tentar obter a adesão dos alunos a
determinadas pautas morais, isso fatalmente se chocará com a liberdade
de consciência dos alunos.
Observo, de passagem, que a liberdade de consciência é
absoluta. As pessoas são 100% livres para ter suas próprias convicções e
opiniões a respeito do que quer que seja. Ninguém pode obrigar uma
pessoa a acreditar ou não acreditar em alguma coisa. O Estado pode
obrigá-la a fazer ou não fazer alguma coisa, mas não pode pretender
invadir a consciência do indivíduo para forçá-lo ou induzi-lo a ter essa
ou aquela opinião sobre determinado assunto. Isto só acontece em países
totalitários como Cuba e Coreia do Norte.
Como o ensino obrigatório não anula e não restringe a
liberdade de consciência do indivíduo -- do contrário, ele seria
inconstitucional --, o fato de o estudante ser obrigado a
cursar determinada disciplina impede terminantemente que o Estado, a
escola ou o professor se utilizem dessa disciplina para inculcar valores
e sentimentos na consciência do aluno.
Além disso, é preciso considerar que a nossa religião é
inseparável da nossa moral. Portanto, a liberdade religiosa dos nossos
filhos também estará ameaçada se as disciplinas obrigatórias do curriculum veicularem conteúdos morais incompatíveis com os preceitos da nossa religião.
Como se vê, o ordenamento jurídico oferece ao estudante e
seus pais toda a proteção necessária para impedir que o Estado, as
escolas e os professores se utilizem das disciplinas obrigatórias para
promover a tal "educação de valores".
Mas não é só isso. Parece-nos inaceitável que um Estado laico como
o nosso possa usar o sistema de ensino para promover valores morais.
Pela simples razão de que a moral é inseparável da religião (pelo menos
no que se refere à religião da esmagadora maioria do povo brasileiro,
que é o Cristianismo). Se o Estado não pode promover uma determinada
religião, também não pode promover uma determinada “moralidade”.
Em todo caso, se o Estado pudesse utilizar o sistema de
ensino para promover valores morais, seria necessário saber, antes de
mais nada, que valores seriam esses. Haveria uma lista de valores? Quem
iria aprovar essa lista? O Congresso Nacional? O Presidente da
República? Os Governadores dos Estados? Os Prefeitos? Os funcionários do
Ministério da Educação? Cada professor em sua respectiva sala de aula?
Por aí já se vê a absoluta impossibilidade constitucional
da utilização do sistema de ensino para a promoção de uma determinada
agenda moral. Mas, a despeito dessa impossibilidade constitucional, essa
política está sendo aplicada em nosso país pela burocracia do MEC e das
secretarias estaduais e municipais de educação, pelas escolas, pelos
professores e pelas editoras de livros didáticos.
A abordagem de questões morais em sala de aula -- em
prejuízo, diga-se, de conteúdos que a escola deveria transmitir aos
alunos -- vem sendo feita sem nenhuma base legal. Não existe lei, votada
pelo Congresso Nacional ou pelas Assembleias Legislativas dos Estados,
determinando ou permitindo que o sistema de ensino seja usado com essa
finalidade. E se lei existisse, ela seria inconstitucional.
Isso está sendo feito por iniciativa exclusiva de
funcionários públicos. Servidores dos ministérios e das secretarias de
educação e professores estão decidindo por conta própria o que deve ser
ensinado aos nossos filhos em matéria de moral -- principalmente moral
sexual. Funcionários públicos estão fazendo aquilo que o próprio
Congresso Nacional não tem poderes para fazer.
Portanto, ao contrário do que se pensa, os professores e as escolas não só não estão obrigados a seguir as recomendações dos PCNs em matéria de educação sexual -- o que o próprio MEC reconhece --, como estão proibidos de fazê-lo.
Mas suponhamos, para efeito de raciocínio, que o Estado
possuísse uma “lista de valores morais” e tivesse o direito de usar o
sistema de ensino para promovê-la. Nesse caso, seria necessário
compatibilizar o exercício desse direito com a liberdade de consciência e
de crença dos alunos e com o direito assegurado aos pais pelo art. 12
da CADH. É que, obviamente, o exercício desse suposto direito por parte
do Estado não poderia ocorrer em prejuízo da liberdade dos estudantes e
do direito dos pais, ambos assegurados pelas leis do país.
No entanto, é exatamente isso o que vai acontecer se os
temas da tal “educação de valores” forem veiculados nas disciplinas
obrigatórias, como têm sido hoje em dia, por meio da técnica da
transversalidade.
Pois bem, admitindo-se que o Estado pudesse usar o sistema
de ensino para promover a moralidade estatal -- o que não é possível,
conforme demonstrado --, qual seria a solução?
É simples. Bastaria que esses conteúdos fossem veiculados numa disciplina facultativa,
a exemplo do que acontece com o ensino religioso. Conhecendo
previamente o programa dessa disciplina, os pais decidiriam livremente
se querem ou não que seus filhos a frequentem.
[Observação: É claro que nada disso se aplica às escolas
confessionais, já que, ao matricular seus filhos numa dessas escolas, os
pais manifestam de forma inequívoca a sua concordância com os
princípios morais adotados pela instituição.]
Se isso fosse feito, estariam resguardados, de um lado, o
(suposto) direito do Estado de usar o sistema de ensino para promover
valores morais; e, de outro, o direito dos pais a que seus filhos
recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias
convicções e a liberdade de consciência e de crença dos estudantes.
Enquanto isso não acontecer, o governo, as escolas e os
professores estão obrigados a respeitar o direito dos pais e a liberdade
de consciência e de crença dos alunos. E os pais podem recorrer ao
Judiciário para fazer valer esse direito.
Em resumo: o art. 12 da CADH e o art. 5º, VI, da
Constituição Federal, exigem que os conteúdos morais hoje presentes nos
programas das disciplinas obrigatórias sejam reduzidos ao mínimo
indispensável para a assegurar que a escola possa cumprir aquela que é a
sua função primordial: transmitir conhecimento aos estudantes.
Tudo o que passar disso deve ser colocado, quando muito, no
programa de uma disciplina facultativa. Conhecendo o programa dessa
disciplina, os pais decidirão se querem que seus filhos a frequentem.
* Procurador do Estado de São Paulo, fundador e coordenador do site www.escolasempartido.org
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