Diário do Comércio, 29 de abril de 2013
O célebre historiador britânico George Macaulay
Trevelyan, que ninguém dirá ter sido um conservador, escreveu em 1947:
"A mais odiosa forma de preconceito moral está na historiografia que
condena em voz alta os crimes e perseguições de um lado, e esconde ou
defende os do outro." Ele não imaginava que um dia, num país do Terceiro
Mundo, haveria de aparecer uma comissão subsidiada com dinheiro público
para dar cunho oficial precisamente a esse tipo de historiografia.
Talvez imaginasse que semelhante aberração somente poderia existir nas
ditaduras comunistas, onde a mentira histórica, imposta à população
interna para fins de controle social e distribuída no restante do mundo
como arma de guerra psicológica, era a norma em lugar da exceção.
Como membros do esquema revolucionário
tricontinental montado por Fidel Castro, que os recrutou, treinou,
equipou, comandou e protegeu, nossos guerrilheiros e terroristas dos
anos 60-70 foram cúmplices do morticínio espalhado pela ditadura cubana
na América Central, na América do Sul e na África, o qual não fez menos
de cem mil vítimas (v. http://cubaarchive.org/home/).
Pelos critérios do Julgamento de Nuremberg,
José Dirceu, Dilma Rousseff, José Genoíno e tutti quanti têm muito mais
crimes pelos quais responder do que cento e poucos assassinatos
praticados no Brasil, que são o máximo que a mídia paternal lhes atribui
– desculpando-os aliás, implícita ou explicitamente, como reação ao
golpe de 1964, embora as guerrilhas já tivessem começado em 1962.
O que torna essa obviedade invisível não é só a
deformação do julgamento histórico, mas a falsificação geográfica do
cenário onde os fatos se desenrolaram. Quando falam da violência
militar, jornalistas e historiadores universitários jamais se esquecem
de inseri-la no quadro internacional, descrevendo-a como manifestação
local da articulação anticomunista montada entre vários governos do
continente, com apoio dos EUA.
Nessa perspectiva, nossos militares aparecem
como cúmplices de todos os crimes praticados contra os comunistas em
escala continental. Já as guerrilhas são invariavelmente mostradas como
fenômeno apenas local, sem conexão internacional significativa nem,
portanto, culpa nenhuma pelas misérias que o governo cubano andava
aprontando em três continentes.
Essa dupla geografia baseia-se, por sua vez,
numa falsificação radical da escala cronológica, pois os governos
militares só se articularam para um combate conjunto às guerrilhas em
1975 – a chamada "Operação Condor" –, ao passo que o comando unificado
das guerrilhas no continente já existia desde 1962, quando Fidel Castro
fundou a OLAS, Organização de Solidariedade Latino-Americana, reforçada
pela Conferência Tricontinental de Havana em 1966.
Ou seja: a reação militar ao avanço comunista
ocorreu de início sob a forma de iniciativas nacionais independentes, só
tardiamente se articulando em escala maior, ao passo que as guerrilhas
surgiram desde o início como um empreendimento transnacional organizado.
Na nossa mídia, tanto a escala geográfica quanto a cronologia dos fatos
são sistematicamente invertidas há pelo menos duas décadas.
Acrescente-se a isso que, à margem dos grandes
jornais, uma operação gigantesca de desinformação a respeito se
desenvolve em livros escolares, programas de TV e sites da internet, a
começar pela maldita Wikipedia, concebida precisamente para ser levada a
sério só por meninos de ginásio, onde o início da "Operação Condor"
aparece removido para datas anteriores, às vezes até para os tempos de
João Goulart na Presidência, levando a falsificação ao extremo da
mitologia propagandística mais torpe e descarada.
Produzido com entusiasmo feroz e renitente por
uma militância multitudinária, o volume desse material já ultrapassou
de há muito, pela quantidade inabarcável, qualquer possibilidade de
contestação racional. O advento da "Comissão da Verdade" foi preparado
com bastante antecedência pela intoxicação goebbelsiana da opinião
pública.
***
Se você estranha o descaramento com que os
apóstolos do "mundo melhor" mentem, trapaceiam, metem a mão no bolso dos
outros e ainda se acham as encarnações supremas da virtude, fique
sabendo que isso não é nenhum desvio, nenhuma perversão do espírito
revolucionário: é o próprio espírito revolucionário.
Eis como Hippolyte Taine, o grande historiador da Revolução Francesa, descrevia, em 1875 a mente dos jacobinos:
"Segundo o jacobino, a coisa pública é dele, e,
a seus olhos, a coisa pública abrange todas as coisas privadas, corpos e
bens, almas e consciências. Assim, tudo lhe pertence. Pelo simples fato
de ser jacobino, ele se acha legitimamente tzar e papa. Sendo o único
esclarecido, o único patriota, ele é o único digno de comandar, e seu
orgulho imperioso julga que toda resistência é um crime... No entanto,
resta-lhe pôr em acordo seus próximos atos com suas palavras recentes. A
operação parece difícil, pois as palavras que ele pronunciou condenam
de antemão os atos que ele planeja. Ontem, ele exagerava os direitos dos
governados, ao ponto de suprimir os dos governantes; amanhã ele vai
exagerar os dos governantes até suprimir os dos governados. "
E finaliza: "A dar-lhe ouvidos, o povo é o
único soberano, e ele vai tratar o povo como escravo. A dar-lhe ouvidos,
o governo não é mais que um criado de quarto, e ele vai dar ao governo
as prerrogativas de um sultão. Ontem mesmo ele denunciava o menor
exercício da autoridade pública como um crime, agora ele vai punir como
um crime a menor resistência à autoridade pública.”
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