Deixe-me dizer de minha alegria
em passar a integrar uma instituição de grande tradição e de marcada
contribuição histórica ao nosso país. Deixe-me dizer também da
satisfação em conviver com um corpo de funcionários de reconhecida
competência e espírito público. Eu espero aqui transmitir algumas ideias
essenciais a respeito da nova política externa brasileira. Tenho e
terei, como sempre em minha vida pública, os olhos voltados para o
futuro e não para os desacertos do passado.
Primeira diretriz:
A diplomacia voltará a refletir de modo
transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade
brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um
todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um
partido político e de seus aliados no exterior. A nossa política externa
será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais
de um partido. Essa nova política não romperá com as boas tradições do
Itamaraty e da diplomacia brasileira, mas, ao contrário, as colocará em
uso muito melhor. Medidas que, em outros momentos, possam ter servido ao
interesse nacional, quero dizer, podem não ser mais compatíveis com as
novas realidades do país e com as profundas transformações em curso no
cenário internacional.
Segunda diretriz:
Estaremos atentos à defesa da
democracia, das liberdades e dos direitos humanos em qualquer país, em
qualquer regime político, em consonância com as obrigações assumidas em
tratados internacionais e também em respeito ao princípio de
não-ingerência.
Terceira diretriz:
O Brasil assumirá a especial
responsabilidade que lhe cabe em matéria ambiental, como detentor na
Amazônia da maior floresta tropical do mundo, de uma das principais
reservas de água doce e de biodiversidade do planeta, assim como de
matriz energética limpa e renovável, a fim de desempenhar papel proativo
e pioneiro nas negociações sobre mudança do clima e desenvolvimento
sustentável. Lembro que, se fizermos bem a lição de casa, poderemos
receber recursos caudalosos de entidades internacionais interessadas em
nos ajudar a preservar as florestas e as reservas de água e
biodiversidade do planeta, uma vez que o Brasil faz a diferença nessa
matéria.
Quarta diretriz:
Na ONU e em todos os foros globais e
regionais a que pertence, o governo brasileiro desenvolverá ação
construtiva em favor de soluções pacíficas e negociadas para os
conflitos internacionais e de uma adequação de suas estruturas às novas
realidades e desafios internacionais; ao mesmo tempo em que se empenhará
para a superação dos fatores desencadeadores das frequentes crises
financeiras e da recente tendência à desaceleração do comércio mundial. O
comércio mundial está se contraindo a galope, eu diria.
Quinta diretriz:
O Brasil não mais restringirá sua
liberdade e latitude de iniciativa por uma adesão exclusiva e
paralisadora aos esforços multilaterais no âmbito da Organização Mundial
do Comércio, como aconteceu desde a década passada, em detrimento dos
interesses do país. Não há dúvida de que as negociações multilaterais da
OMC são as únicas que poderiam efetivamente corrigir as distorções
sistêmicas relevantes, como as que afetam o comércio de produtos
agrícolas. Mas essas negociações, infelizmente, não vêm prosperando com a
celeridade e a relevância necessárias, e o Brasil, agarrado com
exclusividade a elas, manteve-se à margem da multiplicação de acordos
bilaterais de livre comércio. O multilateralismo que não aconteceu
prejudicou o bilateralismo que aconteceu em todo o mundo. Quase todo
mundo investiu nessa multiplicação, menos nós. Precisamos e vamos vencer
esse atraso e recuperar oportunidades perdidas.
Sexta diretriz:
Por isso mesmo, daremos início, junto
com o Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, com a cobertura da
CAMEX e em intensa consulta com diferentes setores produtivos, a um
acelerado processo de negociações comerciais, para abrir mercados para
as nossas exportações e criar empregos para os nossos trabalhadores,
utilizando pragmaticamente a vantagem do acesso ao nosso grande mercado
interno como instrumento de obtenção de concessões negociadas na base da
reciprocidade equilibrada. Nada seria mais equivocado, errôneo, nesta
fase do desenvolvimento brasileiro, do que fazer concessões sem
reciprocidade. Não tem sentido.
Sétima diretriz:
Um dos principais focos de nossa ação
diplomática em curto prazo será a parceria com a Argentina, com a qual
passamos a compartilhar referências semelhantes para a reorganização da
política e da economia. Junto com os demais parceiros, precisamos
renovar o Mercosul, para corrigir o que precisa ser corrigido, com o
objetivo de fortalecê-lo, antes de mais nada quanto ao próprio
livre-comércio entre seus países membros, que ainda deixa a desejar, de
promover uma prosperidade compartilhada e continuar a construir pontes,
em vez de aprofundar diferenças, em relação à Aliança para o Pacifico,
que envolve três países sul-americanos, Chile, Peru e Colômbia, mais o
México. Como disse Enrique Iglesias, muito bem observado, não podemos
assistir impassíveis à renovação de uma espécie de Tratado de
Tordesilhas, que aprofundaria a separação entre o leste e o oeste do
continente sul-americano. Em relação ao México, será prioritário
aproveitar plenamente o enorme potencial de complementaridade existente
entre nossas economias e hoje das nossas visões internacionais.
Oitava diretriz:
Vamos ampliar o intercâmbio com
parceiros tradicionais, como a Europa, os Estados Unidos e o Japão. A
troca de ofertas entre o Mercosul e a União Europeia será o ponto de
partida para avançar na conclusão de um acordo comercial que promova
maior expansão de comercio e de investimentos recíprocos, sem prejuízo
aos legítimos interesses de diversos setores produtivos brasileiros.
Como disse o ministro Mauro, houve a troca de ofertas, nós vamos agora
examinar quais são as ofertas da União Europeia. Com os Estados Unidos,
nós confiamos em soluções práticas de curto prazo para a remoção de
barreiras não-tarifárias, que são, no mundo de hoje, as essenciais. No
mundo de hoje não se protege, do ponto de vista comercial, com tarifas.
Se protege com barreiras não-tarifárias. Quero dizer que o Brasil nesse
sentido é o mais aberto do mundo. Nós não temos nenhuma barreira
não-tarifária, ao contrário de todos os outros que se apresentam como
campeões do livre comércio. Com os Estados Unidos, confiamos em soluções
práticas de curto prazo, eu repito, para a remoção de barreiras
não-tarifárias, e de regulação que entorpecem o intercâmbio. Daremos
igualmente ênfase às imensas possibilidades de cooperação em energia,
meio ambiente, ciência, tecnologia e educação.
Nona diretriz:
Será prioritária a relação com parceiros
novos na Ásia, em particular a China, este grande fenômeno econômico do
século XXI, e a Índia. Estaremos empenhados igualmente em atualizar o
intercâmbio com a África, o grande vizinho do outro lado do Atlântico.
Não pode esta relação restringir-se a laços fraternos do passado e às
correspondências culturais, mas, sobretudo, forjar parcerias concretas
no presente e para o futuro. Ao contrário do que se procurou difundir
entre nós, a África moderna não pede compaixão, mas espera um efetivo
intercâmbio econômico, tecnológico e de investimentos. Nesse sentido, a
solidariedade estreita e pragmática para com os países do Sul do planeta
terra continuará a ser uma diretriz essencial da diplomacia brasileira.
Essa é a estratégia Sul-Sul correta, não a que chegou a ser praticada
com finalidades publicitárias, escassos benefícios econômicos e grandes
investimentos diplomáticos. É importante ter a noção clara de que os
diferentes eixos de relacionamento do Brasil com o mundo não são
contraditórios nem excludentes, sobretudo dado o tamanho da nossa nação.
Um país do tamanho do Brasil não escolhe ou repele parcerias, busca-as
todas com intensidade, inspirado no seu interesse nacional. Vamos também
aproveitar as oportunidades oferecidas pelos foros inter-regionais com
outros países em desenvolvimento, como por exemplo os BRICS, para
acelerar intercâmbios comerciais, investimentos e compartilhamento de
experiências. E, com sentido de pragmatismo, daremos atenção aos
mecanismos de articulação com a África e com os países árabes.
Décima diretriz:
Nas políticas de comércio exterior, o
governo terá sempre presente a advertência que vem da boa análise
econômica, apoiada em ampla e sólida consulta com os setores produtivos.
É ilusório supor que acordos de livre comércio signifiquem
necessariamente a ampliação automática e sustentada das exportações. Só
há um fator que garante esse aumento de forma duradoura: o aumento
constante da produtividade e da competitividade. Se alguém acha que
basta fazer um acordo e abrir, que isso é condição necessária
suficiente, está enganado. É preciso investir no aumento constante da
competitividade e da produtividade. Daí a ênfase que será dada à redução
do custo Brasil, mediante a eliminação das distorções tributárias que
encarecem as vendas ao exterior e a ampliação e modernização da
infraestrutura por meio de parcerias com o setor privado, nacional e
internacional. O custo Brasil hoje é da ordem de 25%, ou seja, uma
mercadoria brasileira idêntica a uma mercadoria típica média dos países
que são nossos parceiros comerciais, custa, por conta da tributação, dos
custos financeiros, dos custos de infraestrutura, dos custos
tributários, 25% a mais. Imagine-se o desafio que nós temos por diante. E
apenas assumi o ministério, eu me dei conta, conversando com nosso
embaixador na China, o Roberto Jaguaribe, do esforço de nossas
embaixadas para atrair investimentos nestes setores básicos da economia.
O Roberto estava trabalhando inclusive para seduzir os capitais
chineses a virem ao Brasil, investir em parceria com o Estado brasileiro
nas obras de infraestrutura. Esse esforço será multiplicado, tenho
certeza, com sucesso.
Aqui encerro as diretrizes, mas se eu
tivesse que acrescentar uma a mais, me alongar, que valeria a pena se
alongar, eu citaria uma que temos que cumprir, colaborando com os
ministérios da Justiça, da Defesa e da Fazenda, no que se refere à
Receita Federal: a proteção das fronteiras, hoje o lugar geométrico do
desenvolvimento do crime organizado no Brasil, vamos ter isso claro, que
se alimenta do contrabando de armas, contrabando de mercadorias, que é
monumental, e do tráfico de drogas. Em especial, nos empenharemos em
mobilizar a cooperação dos países vizinhos para uma ação conjunta contra
essas práticas criminosas que tanto dano trazem ao nosso povo e à nossa
economia.
Por último, não menos importante, quero
reafirmar meu compromisso com as comunidades brasileiras no exterior e o
bom funcionamento de nosso serviço consular. Continuaremos a dar
atenção prioritária à garantia dos direitos dos cidadãos brasileiros,
onde quer que eles estejam.
Dirijo-me agora ao corpo de funcionários
do ministério. Nós vamos recuperar a capacidade de ação do Itamaraty,
acreditem. Num período de grandes transformações e, por que não dizer,
incertezas no cenário internacional e de promissoras mudanças internas, a
nossa diplomacia, não tenho dúvida, terá de, gradualmente, atualizar-se
e inovar, e até mesmo ousar, promovendo uma grande reforma
modernizadora nos objetivos, métodos e técnicas de trabalho. A
diplomacia do século XXI não pode repousar apenas na exuberância da
retórica e no tom auto-laudatório dos comunicados conjuntos. Precisa ter
objetivos claros e ser a um só tempo discurso político e resultado
concreto.
Os diplomatas brasileiros despertam o
orgulho do país e o respeito dos parceiros do Brasil no exterior. Quero
valorizar a carreira diplomática, assim como as demais carreiras do
serviço exterior. Respeitar o critério do mérito. Não discriminar em
favor dos amigos do rei ou de correligionários de um partido político.
Quero progressivamente retirar o Itamaraty da penúria de recursos em que
foi deixado pela irresponsabilidade fiscal que dominou a economia
brasileira nesta década. Quero reforçar a casa, e não enfraquecê-la.
Vamos restaurar o orgulho das novas gerações em servir ao Itamaraty e,
sobretudo, ao Brasil. A Casa será reforçada, e não enfraquecida. E no
governo do presidente Temer, o Itamaraty volta ao núcleo central do
governo.
Meu programa de ação corresponderá à
minha tradição na vida pública: trabalhar muito, apresentar e receber
ideias, tomar iniciativas, delegar responsabilidades, cobrar resultados e
promover negociações efetivas, bem como ter presença marcante, longe de
cumprir um calendário de visitas inócuas, para “cumprir tabela”.
Estes são compromissos que apresento
hoje. Este é o convite que faço a todos os servidores desta Casa, a fim
de que façamos um esforço comum para valorizar o Itamaraty e pelo êxito
de um governo que enfrentará, como todos sabemos, desafios imensos, mas
que criará, se Deus quiser, as condições para a reconstrução do sistema
político, o fortalecimento da representatividade da nossa democracia e a
volta do crescimento da produção e do emprego.
Muito obrigado, mãos à obra, vamos em frente.
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