O analfabetismo funcional é endêmico e Brasil lidera em violência
contra professores – mas os petistas se revoltam é contra uma tabuleta
A petezada está em polvorosa com o Projeto de Lei 193/2016, que inclui nas diretrizes da educação nacional ideias do Escola sem Partido.
Desde o impeachment de Dilma nunca vimos
os petebas tão assustados. Leonardo Sakamoto,
invertendo completamente a questão, teme “uma geração de zumbis”. Em
seu texto, ele não cita o número do PL nem sequer a palavra “Senado”,
talvez considerando o projeto uma espécie de Voldemort que não deve ser
nomeado. André Gravatá, também blogueiro do UOL, responde à pergunta “[p]or que é importante votar contra o Escola Sem Partido?”.
O ex-chefe do MEC Renato Janine,
chamado para o cargo pelo grande mérito de não ser Cid Gomes e
preterido em favor de Aloizio Mercadante seis meses depois, é outro que
embarcou na cruzada, em entrevista concedida ao (quem mais?) UOL. Outros
tantos blogs e revistas menos limpos, para os quais a higiene manda não
linkar, também convocam a militância a lutar contra mais essa terrível
iniciativa que ameaça o projeto de poder deles.
Vamos esclarecer algumas coisas neste debate:
1. Os petebas não estão nem aí para a educação
De janeiro de 2003 até abril deste ano, o
Ministério da Educação foi ocupado por quem um presidente do PT
decidisse. De lá para cá tivemos alguns avanços importantes, mas a
qualidade do ensino continua sofrível. Dos 2,7 milhões de alunos
brasileiros de 15 anos avaliados em 2012 pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(PISA) da OCDE, 1,9 milhão tinha dificuldades em matemática, 1,4 milhão
em leitura e 1,5 milhão em ciências. Em um ranking de 64 países, o
Brasil ficou em 59º lugar em matemática e 60º em leitura e em ciências. Nas notas do Ideb, os resultados também estão bem atrasados.
Isso sem falar em aspectos para além das notas. Segundo a OCDE, o Brasil é líder mundial em agressão a professores.
Quem visitar escolas públicas hoje tem grandes chances de ver
pichações, janelas quebradas, alunos fora da sala de aula e consumo de
drogas. Não è à toa que a escola em que a PM de Manaus tomou controle faz tanto sucesso.
O analfabetismo funcional é endêmico. De acordo com o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, apenas 8% das pessoas em idade de trabalhar são plenamente alfabetizadas. As mesmas organizações concluíram que 38% dos universitários brasileiros são analfabetos funcionais (o que não surpreende quem já visitou um DCE).
Em vez de cumprir uma agenda básica –
cobrar que nossas crianças aprendam a ler, escrever e a fazer contas – a
militância de sempre quer apenas ensinar nossas crianças a “lacrar”.
Cobram uma quantidade cada vez maior de conteúdos nos currículos. Fazem
das escolas centros de recrutamento para protestos do tipo “Fora
Alckmin”.
Aplaudem os temas do Enem. O fato de que milhões de estudantes
não entendam o que estão lendo é um mero detalhe. Porque o importante
na educação não é que os alunos sejam capazes de avaliar, esclarecer,
comparar, aprofundar, etc; para os petebas, a escola é antes de tudo uma
colônia de potenciais zumbis para gritar “não vai ter golpe”. Na qual o
importante é ter “pensamento crítico”, desde que nunca crítico ao PT!
É absolutamente notável que para a
petezada a maior ameaça à educação seja o Escola Sem Partido, e não a
violência cotidiana contra os professores.
2. Para assuntos de interesse público, cabe a lei
Escolas públicas são pagas com dinheiro
público e seus professores são funcionários públicos. Portanto, o
funcionamento das escolas é de interesse público, da mesma forma que o
funcionamento do SUS, da polícia, das estradas, etc.
Isso significa que a petezada não tem monopólio sobre como as escolas funcionam ou deveriam funcionar.
Entendo as críticas de alguns reaças ao
projeto de lei: uma lei não vai mudar o jeito de um professor marxista
dar aulas, o ideal é haver cobrança dos pais dos alunos, outros tantos
podem preferir o homeschooling, a lei em si não muda o currículo ou as
questões que caem no Enem, etc. Tudo isso é verdade. Mas o que o PL em
questão pede, em essência, é colocar uma tabuleta nas escolas. Isto vai
trazer o debate sobre o direito dos alunos a conhecerem perspectivas
diferentes diretamente para dentro das mais de 200 000 escolas do
Brasil. E isso não é pouco.
3. Lei não resolve problema de política pública
Nós brasileiros temos um problema
cultural de querer resolver com leis problemas de política pública. Leis
sobre moradia, saneamento básico e (principalmente) segurança pública
estão aí para provar sua eficácia. A educação no Brasil é um problema de
política pública e não será “resolvida” com uma lei. Mas a lei é um
começo.
Isto dito, toda lei precisa de
manutenção. Em 2011, o colunista da VEJA Gustavo Ioschpe sugeriu que
toda escola tivesse do lado de fora uma placa com sua nota no Ideb. A
ideia virou lei em Minas. Em uma tradicional escola pública perto de
minha casa, em BH, vi a tal placa ser instalada. Hoje no lugar existe
apenas a estrutura, como um feioso outdoor vazio…
4. As escolas são mais um campo de batalha
Os petebas perderam muitas batalhas nos
últimos anos. Lula governou como um faraó, perdendo apenas uma disputa
importante no Congresso (a queda da CPMF). De lá para cá, muitos
adversários ao petismo se estabeleceram. As listas de best-sellers são
dominadas por nomes como Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Diogo
Mainardi, Leandro Narloch. O próprio Reinaldo é líder de audiência com
seu programa na Jovem Pan. Movimentos anti-PT tomaram as ruas em
quantidades nunca antes vistas no Brasil. Apesar de toda a resistência
de todo o projeto de poder, Dilma sofreu impeachment. E temos a Lava
Jato.
No Congresso, nas livrarias, na
imprensa, em Curitiba e nas ruas, o projeto de poder do PT tomou várias
pancadas nos últimos anos. Até alguns DCEs de universidades eles
perderam. Eles agora sabem que neste momento precisam conservar o que
acumularam de mais precioso: o domínio das mentes impressionáveis, a
fonte e origem de seus asseclas, onde militantes disfarçados de
professores reinam quase absolutos. O que mais temem é que os alunos
sejam expostos a perspectivas diferentes, que comparem diferentes
autores, que entendam que “pensamento crítico” inclui criticar o livro
didático e o professor, que, enfim, cheguem às suas próprias conclusões.
O sistema educacional (incluindo as universidades) é a rainha-mãe do
projeto gramsciano do PT. Chegou a hora de desinfetar.
Cedê Silva é jornalista. Escreve muito poucas vezes no medium.com/@CedeSilva e pouco muitas vezes no twitter.com/CedeSilva. Escreve no Implicante às sextas-feiras.
Nota do Implicante: tratem de votar na enquete do Senado em favor do projeto de lei da Escola sem Partido :)
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