Jair Bolsonaro ganhou na loteria dias
atrás. Foi transformado em réu pelo STF. Parecia ser um revés político,
não? Nada disso. Ele ganhou a oportunidade de se transformar em um
mártir na luta pela liberdade de expressão.
Isso aconteceria por que os verdadeiros
defensores da liberdade de expressão compreendem o que significa a frase
de Evelyn Beatrice Hall, biógrafa de Voltaire: “Posso não concordar com
nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o
direito de você dizê-las”. Até hoje a frase é falsamente atribuída a
Voltaire, mas o que importa é seu significado.
De imediato, vários formadores de opinião
da direita – mesmo que discordassem de Bolsonaro – saíram em seu apoio.
Eu me incluo entre eles. O texto Jair Bolsonaro é vítima de fascismo censório do STF possui até o momento 25.000 curtidas. Por tê-lo escrito, fui brindado com um texto revoltadíssimo
– e involuntariamente cômico – do site ultraesquerdista Congresso em
Foco. Eu era apenas um dentre muitos dispostos a defender o direito de
Jair Bolsonaro ter liberdade de expressão e não ser punido injustamente.
Estava tudo pronto para começarmos um
debate em favor da liberdade de expressão. Boa quantidade de autoridade
moral estava disponível para os que lutassem em favor da liberdade, uma
vez que trariam em mãos o caso de uma pessoa com a qual discordavam.
Pois na última quinta-feira (dia 23), Bolsonaro colocou tudo a perder, com essas frases:
“Apelo humildemente aos ministros do STF que votaram para abrir o
processo, não para me condenar ainda, que reflitam sobre esse caso… Foi
um ato reflexo. As desculpas que eu peço são para a sociedade, que foi
desinformada sobre a verdade dos fatos”.
Eu costumo discordar de Alexandre Seltz, mas nesse vídeo ele foi certeiro:
É isso. Bolsonaro “arregou”. Pediu
desculpas quando na verdade seus ofensores é que deveriam clamar pela
absolvição pública. Suplicou “humildemente” ao STF quando na verdade os
quatro ministros fanfarrões que o transformaram em réu é que deveriam
pedir perdão, e de joelhos.
Algumas pessoas disseram que Bolsonaro
fez um cálculo político, dado que o STF tem o poder de condená-lo. Essa
visão é equivocada, já que o STF só não irá condená-lo se tiver receio
de fazê-lo, por medo da pressão popular. Mas a pressão popular só
decorrerá de uma postura indignada e revoltada de Bolsonaro, e não a
partir de uma arregada vergonhosa. Ao pedir “humildemente” para o STF
não condená-lo, Bolsonaro subcomunicou a mensagem: “vocês não precisam
mais me temer”.
Bolsonaro peidou na farofa. Com isso,
desestimulou grande parte de um movimento espontâneo que poderia
transformar seu caso em símbolo da luta pela liberdade de expressão.
Pior ainda para o candidato: ele começou a perder apoio até mesmo de
alguns de seus correligionários. Não poderíamos esperar coisa diferente.
Que “Bolsomito” é esse que pede “humildemente” para o STF não
condená-lo?
Eu não voto em Bolsonaro, salvo em
situações em que tenha que me livrar de candidatos de extrema-esquerda.
Mas estava motivado a defendê-lo em uma possível cruzada a favor da
liberdade de expressão. Com seu recuo imperdoável, Bolsonaro deu cabo
desta batalha. Se tivermos que lutar pela liberdade de expressão –
exigindo o respeito a esse valor – teremos que fazê-lo com um próximo
mártir, pois agora Bolsonaro já não serve mais a esse fim. Quem “pede
humildemente” algo ao STF não faz parte daqueles que exigem o respeito à livre expressão.
Bolsonaro havia ganhado na loteria ao ter
transcendido a fronteira de seus apoiadores, granjeando apoio daqueles
que lutariam pela liberdade de expressão. Ao arregar para o STF, ele
rapidamente rasgou o bilhete premiado. Assim não há pragmatismo que
aguente, certo?
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