Hoje trazemos ao Arca Reaça um dos muitos tesouros do site “Pensadores Brasileiros”
que corre o risco de se perder nos arquivos da internet. São trechos do
discurso de Rui Barbosa em 20 de março de 1919. Quase 100 anos depois, o
Brasil ainda não tem uma identidade digna e sofre dos mesmos problemas,
que se variaram foi apenas na intensidade ou nas “evoluções” de
gravidade:
O BRASIL NÃO É ISSO
Será isto, realmente, o que nós somos? Não seria o povo brasileiro mais do que esse espécimen do caboclo mal desasnado*,
que não se sabe ter de pé, nem mesmo se senta, conjunto de todos os
estigmas de calaçaria e da estupidez, cujo voto se compre com um rolete
de fumo, uma andaina de sarjão e uma vez d’aguardente?
Não valerá realmente mais o povo brasileiro do que os conventilhos de advogados administrativos, as quadrilhas de corretores políticos e vendilhões parlamentares, por cujas mãos corre, barateada, a representação da sua soberania?
Deverão, com efeito, as outras nações, a cujo grande conselho
comparecemos, medir o nosso valor pelo dessa troça de escaladores do
poder, que o julgam ter conquistado, com a submissão de todos, porque,
em um lance de roleta viciada, empalmaram a sorte e varreram a mesa?
Não! O Brasil não é essa nacionalidade fria, deliqüescente, cadaverizada, que receba na testa, sem estremecer, o carimbo de uma camarilha, como a messalina recebe no braço a tatuagem do amante, ou o calceta, no dorso, a flor-de-lis do verdugo. Não! O Brasil não aceita a cova, que lhe estão cavando os cavadores do Tesouro, a cova onde o acabariam de roer até aos ossos os tatus-canastras da politicalha. Nada, nada disso é o Brasil.
O QUE É O BRASIL
O Brasil não é isso. É isto. O Brasil, senhores, sois vós.
O Brasil é esta assembléia. O Brasil é este comício imenso de almas
livres. Não são os comensais do erário. Não são as ratazanas do
Tesoiro. Não são os mercadores do Parlamento. Não são as
sanguessugas da riqueza pública. Não são os falsificadores de eleições.
Não são os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema
republicano. Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros de
tarraxa. Não são os presidentes de palha.
Não são os
publicistas de aluguel .Não são os estadistas de impostura. Não são os
diplomatas de marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional.
É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não
deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da
servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o
oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência
acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a
renovação das nossas energias. É o povo, em um desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade.
Diplomata, escritor,
político e jornalista, Ruy Barbosa é uma das figuras fundamentais da
história brasileira. Trecho de seu verbete na Wikipédia:
Um dos intelectuais mais brilhantes do seu tempo, foi um dos organizadores da República e coautor da constituição da Primeira República juntamente com Prudente de Morais. Ruy Barbosa atuou na defesa do federalismo, do abolicionismo e na promoção dos direitos e garantias individuais.
Primeiro Ministro da Fazenda do regime instaurado em novembro de 1889, sua breve e discutida gestão foi marcada pela crise do encilhamento sob a proposição de reformas modernizadoras da economia. Destacou-se, também, como jornalista e advogado.
Foi deputado, senador, ministro. Em duas ocasiões, foi candidato à Presidência da República. Empreendeu a Campanha Civilista contra o candidato militar Hermes da Fonseca. Notável orador e estudioso da língua portuguesa, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras, sendo presidente entre 1908 e 1919.
Como delegado do Brasil na II Conferência da Paz, em Haia (1907), notabilizou-se pela defesa do princípio da igualdade dos estados. Sua atuação nessa conferência lhe rendeu o apelido de “O Águia de Haia“. Teve papel decisivo na entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Já no final de sua vida, foi indicado para ser juiz da Corte Internacional de Haia, um cargo de enorme prestígio, que recusou.
* Desasnado = Que se desasnou, que deixou de ser asno
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