Cedê Silva
14.junho.2016
RODRIGO
“LAVOU TÁ NOVO” JANOT é o principal advogado de uma tese que muito
interessa a Dilma Rousseff. Trata-se de “interpretar” o termo “atos
estranhos ao exercício de suas funções” como “atos estranhos ao mandato
atual”. Desta forma, segundo Janot, um governante não pode ser
responsabilizado pelo seu comportamento em mandato anterior, mesmo se
reeleito para o mesmo cargo.
A tese é absurda sob qualquer ponto de vista:
- do ponto de vista cronológico. A lei do impeachment é de 1950, mas a da reeleição é de 1997. É óbvio que o legislador de 1950 não precisava prever especificamente que a lei não fica “de altas” em caso de recondução.
- do ponto de vista textual. Um governante reeleito não muda de funções. Ele só extende o tempo pelo qual seguirá com as mesmíssimas funções.
- do ponto de vista lógico. No Fantástico Mundo de Janot, se Eduardo Azeredo tivesse vencido a eleição de 1998, não poderia ser responsabilizado no segundo mandato pelo valerioduto tucano. Afinal de contas, as urnas já o teriam absolvido. E os petistas, sempre fiéis seguidores da lei, ficariam bem quietinhos…
- do ponto de vista prático. Na tese de Janot, funciona assim: se um crime for descoberto, o aparato jurídico inteiro — MP, polícia, juízes e o escambau — têm menos de quatro anos para fazer seu trabalho. Se o crime for descoberto durante a eleição, o processo deve transitar em julgado em coisa de dois meses. Assim que os fogos do Réveillon estourarem, babau — mandato novo, ideias novas.
- do ponto de vista histórico. Se o entendimento de Janot fosse pacífico, Tarso Genro não teria pedido o impeachment de FHC em janeiro de 1999…
Como
muitas outras coisas no Brasil contemporâneo, o que interessa ao PT
também interessa ao sócio PMDB. Não foi por acaso que Eduardo Cunha, ao
escolher um pedido de impeachment para acolher dentre dezenas, preferiu
justamente aquele que se concentra em crimes cometidos “em 2015”, como
tanta gente gosta de ressaltar. Como qualquer político com ficha
corrida,
Cunha acumulou muito mais sujeira antes de 1.1.2015 do que depois (ao menos é o lógico). Mas se a tese do “lavou tá novo” ganhou tanta força no Brasil, foi graças ao seu maior advogado, Rodrigo Janot. E se o processo de impeachment de Dilma durou tanto tempo, Janot tem grande parte da responsabilidade.
Cunha acumulou muito mais sujeira antes de 1.1.2015 do que depois (ao menos é o lógico). Mas se a tese do “lavou tá novo” ganhou tanta força no Brasil, foi graças ao seu maior advogado, Rodrigo Janot. E se o processo de impeachment de Dilma durou tanto tempo, Janot tem grande parte da responsabilidade.
***
As revistas Época e IstoÉ desta semana trazem capas opostas. Para Época, Janot é “o pesadelo do poder”. Já IstoÉ pergunta: “por que Janot pede a prisão de alguns políticos e outros não?”. Ambas as reportagens estão disponíveis de graça nos respectivos sites. São exemplos cristalinos de como é possível saber mais entendendo menos (e vice-versa). A reportagem de Época — produzida durante as férias de um de seus mais combativos jornalistas, Diego Escosteguy — tem mais apuração, fatos de bastidores, novidades, etc.
A de IstoÉ é mais seca em fatos novos e muito mais editorializada, mais opinião e retrospectiva do que reportagem. Pouco importa. Quem lê a reportagem de Época aprende alguns detalhes, mas sai desinformado; na IstoÉ, ocorre o oposto. Época retrata como herói um homem que se comportou, no mundo real e prático, como um dos maiores advogados de Dilma — diga-se, mais eficiente que Zé Cardozo.
Um homem que “corajosamente” pede prisão sem antes abrir inquérito (caso de Sarney) para tentar mostrar serviço, enquanto a turma de Curitiba produz muito mais com menos barulho. IstoÉ faz as perguntas pertinentes: por exemplo, como pode Janot pedir a prisão de figurões do PMDB sem ter feito o mesmo com Aloizio Mercadante, pego com a boca na botija por Marzagão, assessor do Delcídio?
A de IstoÉ é mais seca em fatos novos e muito mais editorializada, mais opinião e retrospectiva do que reportagem. Pouco importa. Quem lê a reportagem de Época aprende alguns detalhes, mas sai desinformado; na IstoÉ, ocorre o oposto. Época retrata como herói um homem que se comportou, no mundo real e prático, como um dos maiores advogados de Dilma — diga-se, mais eficiente que Zé Cardozo.
Um homem que “corajosamente” pede prisão sem antes abrir inquérito (caso de Sarney) para tentar mostrar serviço, enquanto a turma de Curitiba produz muito mais com menos barulho. IstoÉ faz as perguntas pertinentes: por exemplo, como pode Janot pedir a prisão de figurões do PMDB sem ter feito o mesmo com Aloizio Mercadante, pego com a boca na botija por Marzagão, assessor do Delcídio?
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Vamos recapitular alguns fatos:
- Em março de 2015, foi divulgada com grande alarde a tal “lista do Janot”. Lembram disso? Ele ia “pegar geral”.
- Desde então, processo mesmo só avançou contra UM nome: Eduardo Cunha. Salvo melhor juízo, o único da lista que virou réu até hoje. Também foi o maior alvo (e por muito tempo, o único) de vazamentos constrangedores, muitos antes de ele aceitar o pedido de impeachment de Dilma: foto de passaporte, conta na Suíça, gastos da esposa, etc.
- Em novembro de 2015 Delcídio foi preso. Delcídio não estava na “lista do Janot” — agia fora do radar. Devemos sua prisão a um ator de teatro chamado Bernardo Cerveró.
- Em dezembro de 2015, Janot pediu o afastamento de Cunha — logo depois de Fachin liberar o impeachment no modelo (então) definido por Cunha.
- Em fevereiro de 2016, Janot cumprimentou Renan Calheiros em uma cerimônia, mas não Cunha. Por quê, se Renan também acumula processos no STF?
- Em março de 2016 a Suíça prometeu a Janot enviar “avalanche” de dados sobre políticos brasileiros. Janot ainda não entregou nenhum resultado.
- Em março de 2016, em telefonema ao petista Sigmaringa Seixas, Lula disse “essa é a gratidão dele por ser procurador”. Janot respondeu publicamente que “cargo público não é presente”. Pois bem! Em maio, ficamos sabendo que Dilma passou a chamar Janot de “traidor”.
- Até o final de março Janot defendia a posse de Lula como ministro da Casa Civil. Depois mudou de ideia.
- Neste mês de junho, Janot desmentiu algo que ninguém nunca cogitou: uma candidatura política em 2018 (?). Aproveitou para dizer que arca “com o ônus de desagradar a todos”. Em essência Janot disse “pau que dá em Chico dá também em Francisco” precisamente porque ele sempre fez de tudo para não bater em Francisca.
Janot é na verdade um promoter de balada ruim: todo mundo têm nome na lista, mas ele não põe ninguém pra dentro.
(Nota: Este artigo foi produzido originalmente para o Filhos da Nova República e publicado um dia antes no meu Facebook).
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