O que chamamos de civilização ocidental, com todo o conjunto de valores morais e éticos que a constitui, é o resultado histórico inequívoco de uma longa e ininterrupta construção empreendida pela Igreja Católica ao longo de cerca de quinze séculos.
A Igreja Católica começou a construir a civilização ocidental ainda durante o Império Romano, sendo que o processo se acentuou e se tornou decisivo para o mundo ocidental durante toda a Idade Média na Europa, principalmente durante o longo período de dominação islâmica no sul do continente e no Magreb: enquanto o califado muçulmano no mediterrâneo se preocupava em apagar e destruir os resquícios da cultura greco-romana e inaugurava a prática de tráfico de escravos na bacia mediterrânea em direção ao Oriente Médio, a Igreja Católica se ocupava em preservar os elementos dessa cultura nas próprias igrejas e demais instituições como conventos e mosteiros.
Uma obra de quinze séculos
Na alta Idade Média ao final do milênio, a construção da civilização ocidental por parte da Igreja Católica se dava por um lado no campo da alta cultura com surgimento da escolástica, ao mesmo tempo em monges se ocupavam do desenvolvimento de técnicas agrícolas que foram essenciais para a agricultura de subsistência da Europa Ocidental durante toda a Idade Média.
A tradição escolástica acentua um dos traços que o cristianismo herdou da cultura judaica que é o apreço a razão, a razão como um dom dado pelo criador à criatura para o entendimento do mundo à sua volta. Desse apreço à razão decorre o esforço da Igreja em criar a instituição que é uma das mais emblemáticas do mundo ocidental: a universidade. A universidade que conhecemos hoje, como centro de pesquisa e estudo científico, é uma criação da Igreja Católica já ao final do primeiro século do segundo milênio.
A igreja criou as bases para a fundação da ciência moderna, entendida como a investigação do mundo material por meio do uso da razão, na tentativa de compreendê-lo, pressupondo a existência de uma ordem e de leis naturais que regem esse mundo. Leis essas que são acessíveis à compreensão do único ser vivo dotado de razão: o ser humano. Essa ideia basilar não foi uma criação iluminista, mas esteve presente na escolástica e na prática concreta da Igreja que criou instituições para implementá-la: as universidades.
Por exemplo, a ciência da economia nasceu na Universidade de Salamanca ao final do século treze, de modo que não é possível pensar a história do pensamento econômico sem a contribuição da Igreja remontando a esse período. A economia não nasceu a partir de uma epifania de David Ricardo e outros personagens do iluminismo.
Da mesma forma, as cúpulas das catedrais e basílicas eram construídas com precisão para possibilitar observações astronômicas, de modo que as primeiras cartas celestes usadas pelos navegantes do renascimento resultavam dessa astronomia medieval criada pela Igreja.
A instituição que conhecemos como hospital nasce também por iniciativa da Igreja em meados do século treze como uma extensão do mandamento moral de caridade com enfermos, aliada à aplicação do conhecimento científico que já era desenvolvido nas universidades sob o patrocínio e estímulo da Igreja.
A construção da nossa civilização por parte da Igreja Católica inclui também a moderna noção que temos do direito, que é distinto da noção do direito romano. A Igreja foi a responsável pela introdução na tradição jurídica do ocidente da noção de direito natural, que por sua vez tem as raízes no direito canônico, segundo o qual o indivíduo, pelo fato de ser humano, é dotado de determinados direitos que lhes são naturais em vista de sua condição humana, entre eles o direito fundamental à vida, o direito à dignidade, o direito de não ser agredido e o direito de não ter sua propriedade invadida ou tomada.
Esse direito natural, que na verdade é uma expressão da ideia da dignidade com que todo ser humano deve ser tratado, independente inclusive de sua crença ou filiação religiosa, é um direito que independe de, e se sobrepõe a, qualquer ordenamento jurídico formal escrito ou consuetudinário estabelecido a posteriori pelas sociedades. Desse entendimento decorre a noção original de direitos humanos universais que conhecemos hoje. Essa noção decorre da tradição judaico-cristã e de nenhuma outra.
Uma obra renegada e esquecida de propósito
O papel da Igreja Católica como construtora de fato da civilização ocidental começou a ser negado e ocultado de maneira sistemática há cerca de duzentos anos. Essa negação deve início com o Iluminismo, que é ensinado nos livros escolares como sendo a era que teria inaugurado o uso da razão na história da humanidade, que antes teria vivido num período de trevas e de obscurantismo irracional e supersticioso patrocinado pela Igreja Católica.
Essa possivelmente é maior e mais duradoura falsificação histórica de que se tem notícia, pois foi iniciada há dois séculos e persiste até hoje. Isso se deve em parte a Revolução Francesa, que a historiografia assinala como sendo o início da modernidade, onde fica subentendido que o período anterior seria oposto do que se entende por moderno e seria, portanto, um período de atraso, obscurantismo, de não uso da razão.
Oras, a Revolução Francesa foi essencialmente um episódio pautado pela irracionalidade e pela insânia, como todo evento revolucionário da história. Ela foi centrada na perseguição à Igreja Católica promovida por uma ditadura que se pretendia detentora do monopólio da razão para impor a ferro e fogo uma igualdade social que nunca existiu nem nunca existirá entre os homens, exceto no estado de miséria e pobreza absoluta.
A revolução chegou até mesmo a promover um cisma da igreja no país, com a intenção de varrer da França Revolucionaria qualquer vestígio de cristianismo, em nome das luzes da razão. Nos dez anos do governo revolucionário, os iluministas revolucionários promoveram mais matanças e extermínios e episódios de histeria coletiva, que resultavam invariavelmente em mais assassínios em massa, do que em qualquer outro período durante a Idade Média. O morticínio promovido pela Revolução Francesa somente foi superado em número pelas revoluções socialistas que nela se espelharam no século vinte.
E é emblemático que essa revolução tenha ocorrido justamente no país que surgiu do primeiro reino bárbaro cristianizado, o reino franco, razão pela qual a França é chamada de a filha mais velha da Igreja.
Mitos e falsificações
Há duzentos anos a Igreja Católica começou a ser apresentada como inimiga da razão e da ciência, indiferente aos direitos humanos, opressora em relação às mulheres, promotora e responsável por séculos de toda sorte de obscurantismo, atraso intelectual e científico e toda sorte de infortúnio da história humana, particularmente durante o período histórico em que a Igreja justamente mais se empenhava na construção da civilização ocidental, período esse que é estupidamente apresentado como Idade das Trevas.
Essa falsificação histórica incluiu e inclui até mesmo a repetição incessante de mitos sabidamente falsos e até mesmo risíveis, como a de que a igreja negava a esfericidade do planeta e uma versão deturpada do episódio envolvendo Galileo Galilei, versão essa que é reproduzida até hoje nos livros escolares de física e que é muito bem explicada nesse vídeo.
A falsificação incluiu também uma mentira mais sofisticada, segundo a qual a adoção do cristianismo como religião oficial do Império Romano pelo Imperador Constantino resultou na tomada do poder político pela Igreja, que teria passado a ser o poder centralizador no império e posteriormente nos reinos e feudos europeus durante a Idade Média. Assim, as supostas trevas do período medieval seriam também explicadas pelo fato de a Igreja ter sido durante cerca de dez séculos o único poder politico centralizado em todo continente europeu, uma afirmação que está presente quase que textualmente em todos os livros escolares.
Essa versão é rigorosamente falsa. A adoção do cristianismo como religião oficial pelo Império Romano não representou a ascensão da Igreja ao poder político e sim o contrário: a adoção do cristianismo como religião oficial por Constantino representou a tomada da instituição pelo poder imperial, e posteriormente pelo poder local de feudos e reinos, que passou a exercer o poder de fato dentro da Igreja, da mesma forma que o império fazia quando a religião oficial era o paganismo.
Supostos crimes religiosos eram julgados como crimes de estado segundo o direito romano, direito de caráter acusatório, não porque a Igreja detinha o poder político, mas porque o poder político havia tomado a instituição religiosa para si. Esse processo de apropriação da Igreja pelo poder secular se estendeu por cerca de dez séculos e somente começou a ser revertido a partir do Concílio de Trento, quando o Papado voltou a ter o direito exclusivo de nomear bispos (1).
Um reconhecimento a ser resgatado
Apesar de muitos historiadores modernos, não necessariamente cristãos, já não mais endossarem as falácias e todo tipo de falsificações que foram produzidas nesses dois séculos a respeito do papel central da Igreja Católica na formação da civilização ocidental, o reconhecimento mais amplo desse papel está longe de estar alcançado.
Pelo contrário, a Igreja Católica continua sendo hoje a instituição mais atacada e combatida no mundo ocidental, e os cristãos são o grupo religioso mais perseguido no mundo, uma perseguição que se dá por meio da violência física pura e simples nos países de maioria muçulmana. A estimativa atual é de que cerca de cem mil pessoas são mortas por ano no mundo inteiro pelo fato de serem cristãs (2).
Esta perseguição física aos cristãos é completamente ignorada nas democracias ocidentais, que são justamente as herdeiras do legado da tradição que a Igreja construiu. Ao contrário, as democracias do ocidente vêm cometendo um suicídio civilizacional metódico há cerca de meio século.
Um suicídio que se dá pelo esforço de negar as raízes judaico-cristãs de sua própria civilização, raízes estas que foram plantadas e cultivadas pela Igreja Católica ao longe de no mínimo quinze séculos. Essa tentativa de apagamento de suas origens, empreendida como projeto de engenharia social da esquerda revolucionária em escala global, se dá sob o pretexto da laicidade do Estado, que é deliberadamente confundida com a negação do conjunto de valores éticos e morais da sociedade que permitiram a formação de um estado laico e democrático. Afinal, as principais democracias do mundo nasceram nas sociedades de maioria cristã.
A defesa da democracia, dos direitos humanos no seu sentido original e a defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres passa também pelo reconhecimento e pela defesa do conjunto de valores éticos e morais da cultura judaico-cristã. Passa também pelo reconhecimento do papel central que a Igreja Católica teve e ainda pode e deve ter na manutenção da civilização ocidental. Pois esta civilização é, ao contrário do que dizem os comunistas e toda a esquerda globalista, simplesmente o melhor legado que o gênio humano transmitiu para sua descendência. (3)
Nota:
A compreensão do papel central desempenhado pela Igreja Católica na construção da civilização ocidental passa também pela compreensão do que foi a Idade Média, um período da história que há mais de dois séculos é retratado de maneira complemente distorcida pelos historiadores marxistas.
Nesse sentido, ganha importância e relevo uma obra como a da historiadora francesa Régine Pernoud, cujo livro Idade Média: O Que Não Nos Ensinaram, será lançado em breve no Brasil pela Editora Linotipo Digital, com prefácio e notas do professor de história e medievalista Ricardo da Costa. O Crítica Nacional publicou uma resenha preliminar desse livro que pode ser lida nesse artigo aqui, e recomenda essa obra com muita ênfase aos nossos leitores.
Referências:
(1) Conforme mostra Olavo de Carvalho nesse vídeo aqui de apenas seis minutos.
(2) Como mostra esse excelente artigo de Reinaldo Azevedo.
(3) Citação feliz e oportuna de uma autora convidada nesse artigo aqui.
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