domingo, 12 de junho de 2016

5 motivos pelos quais há mais oposição ao PT que aos demais partidos brasileiros






Afinal, se todos os partidos são comprovadamente corruptos, por que há mais oposição ao PT que aos demais?


De fato, nós vivemos num período de rejeição histórica à política nacional. Partidos tradicionais – como PSDB, PMDB e PP – envolvidos em uma série de denúncias que compromete algumas das mais influentes das suas figuras públicas, escancaram não apenas o caos epidêmico que acomete a confiança das pessoas em Brasília, como a falta de alternativas viáveis ao país. Ninguém escapa.


Ainda assim, provocando aquilo que os petistas encaram como um processo de indignação seletiva, quase sempre o PT é apontado pela população com destaque. Segundo o IBOPE, o partido lidera o ranking de rejeição no país. E não pense que é algo pequeno. Segundo a pesquisa, 38% da população brasileira afirma hoje rejeitar o PT. Isso é mais de um terço da população. O PSDB, que aparece em segundo lugar, tem míseros 8% de rejeição. O PMDB tem 6%. É uma diferença gritante. E a pergunta é: por que?


Seria isso tudo o mero descontentamento de uma elite não satisfeita com o crescimento econômico dos mais pobres, como afirmam os petistas? Há mesmo tanta elite no país?



Abaixo, dediquei 6 mil palavras para tentar explicar, em cinco tópicos, por que esse fenômeno ocorre. Há aqui parte considerável do modus operandi do partido, já identificada por boa parte da população – consciente ou inconscientemente. Eis um tratado sobre a última década do país e a exposição de um projeto político entregue à maior rejeição que se tem notícia em nossa história.


1. Porque o PT aparelha como ninguém.



Há poucos dias, o PT aprovou um documento chamado “Resolução sobre conjuntura”, onde o seu Diretório Nacional analisa os processos políticos que desencadearam o “golpe” e se penitencia para entender “de forma autocrítica” os erros cometidos para que a “ofensiva restauradora” do “grande capital” obtivesse êxito no país. 


No documento, além de dar à Lava Jato “um papel crucial na escalada golpista”, orquestrado pelas “classes dominantes brasileiras”, o partido assume que a natureza do impeachment só foi possível porque afrouxou o seu ideal bolivariano, ao priorizar um “pacto pluriclassista” na eleição de Lula, em detrimento da construção de um governo revolucionário da classe trabalhadora.


E não ter sido completamente eficiente no aparelhamento do Estado é parte fundamental desse mea culpa.
“Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação.”

De fato, se a fisiologia é uma característica escancarada do presidencialismo de coalização, o PT elevou a infiltração aos organismos do Estado a uma outra modalidade.


E não apenas isso. Por décadas o partido alimenta também um Estado paralelo, fortalecendo organizações de classe marginais ao republicanismo que ameaçam as instituições do país ao menor mau humor das suas lideranças. A prática alimenta capital político e militante ao PT, e é sustentada por dinheiro público – numa espécie de caixa dois institucionalizado, onde o dinheiro do contribuinte é usado pelas vias legais para alimentar organizações civis político-partidárias.


Foi assim que o MTST, feito um Ministério Paralelo das Cidades, recebeu R$ 89 milhões do Minha Casa Minha Vida. E ele não foi o único.


A CUT (que centraliza 33% dos trabalhadores sindicalizados do país), feito um Ministério Paralelo do Trabalho, recebeu mais de R$ 340 milhões desde 2008 apenas de imposto sindical (são mais de R$ 50 milhões repassados diretamente pelo Ministério do Trabalho todos os anos à organização), além de outros R$ 2,3 milhões desde 2007 de apoio de estatais como a Petrobras e o BNDES para a realização de eventos e projetos culturais – um desses projetos, o Prêmio CUT: Democracia e Liberdade Sempreem 2011 premiou o ex-presidente Lula com o título de “Personalidade de Destaque na Luta por Democracia e Liberdade” (na mesma edição, o MST ganhou como “Instituição de Destaque na Luta por Democracia e Liberdade”).


O MST, aliás, é outra organização extraoficial do petismo. Feito um Ministério Paralelo do Desenvolvimento Social e Agrário sem representação legal, apesar de atuar desde a década de 80, o movimento recebe milhões em repasses para operar como uma milícia paramilitar que Lula ameaça colocar nas ruas sempre que confrontado. Por não possuir um CNPJ é árdua a tarefa de identificar os repasses para eventos e atuações do movimento, que são feitas em nome de outras entidades, como sindicatos rurais e associações de assentamentos. 



Por invadir terras e prédios, o MST é proibido por lei de receber dinheiro público. E é por isso que recorre a laranjas. A Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), por exemplo, foi uma delas até pouco tempo. Em 2010, a entidade foi obrigada a devolver pouco mais de R$ 8,3 milhões aos cofres públicos. E o motivo da condenação expõe o modus operandi do Estado paralelo criado pelo petismo.



Em 2004, a Anca celebrou um convênio com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, com o objetivo de alfabetizar 30 mil jovens e adultos e capacitar 2 mil alfabetizadores em 23 estados. Quase uma década depois, o Tribunal de Contas da União descobriu que a verba foi usada para a compra de 22 mil marmitex, camisetas e aluguel de equipamento de som. 


Ou seja: o dinheiro público aprovado para ampliar a educação nas áreas rurais do país foi integralmente utilizado para realizar comícios e campanhas políticas para o petismo. Até 2006, quando os contratos foram suspensos, a entidade já havia recebido mais de R$ 22,3 milhões em repasses por meio de convênios com o governo federal.


E não foi a única. Até 2009 eram pelo menos 43 entidades laranjas do MST que, juntas, desde 2003 já haviam recebido mais de R$ 153 milhões do bolso dos contribuintes. Durante esse tempo, os repasses federais explodiram ao passo que a luta pela terra virou uma atividade secundária à organização: o número de famílias acampadas ligadas ao movimento diminuiu de 32.738 famílias para 1.204 apenas durante o governo Lula. 


O financiamento público virou um mero artifício político-partidário.



Esquemas com esse tipo de entidade, aliás, não raramente são utilizados para financiar a campanha de candidatos petistas. O deputado federal João Daniel (do PT de Sergipe), por exemplo, teve o seu mandato cassado em 2015 por desviar ao menos R$ 367 mil de recursos públicos. Segundo as investigações, o dinheiro foi desviado da Assembleia Legislativa de Sergipe em 2014, quando Daniel ainda era deputado estadual, por meio de repasses feitos a organizações laranjas do MST.


O esquema funcionava assim: o dinheiro público era repassado às organizações laranjas, que contratavam prestadores de serviços laranjas. Essa verba era transferida dessas empresas para integrantes do esquema. Uma delas, a HG Serviços, fez diversos depósitos nas contas de uma longa lista de militantes e dirigentes do MST no estado, em valores que variam de R$ 500 a R$ 1,5 mil. Segundo a denúncia, os recursos serviram para irrigar “com recursos públicos a base política do deputado durante as eleições”. 


Os procuradores afirmam que há indícios de crimes de peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, improbidade administrativa e doações ilegais de campanha. Além de João Daniel, outros dez deputados estaduais e um federal de Sergipe foram alvos de pedidos de cassação por supostamente participarem desse esquema, que chegavam a R$ 1,5 milhão por deputado.



A própria reforma agrária, não por acaso, foi instrumentalizada dessa forma. Em abril, o Tribunal de Contas da União determinou a paralisação imediata do programa do Incra. A medida veio como resposta a uma auditoria que identificou mais de 578 mil beneficiários irregulares do programa de reforma agrária do governo federal (30% de toda a sua base de beneficiários). 



Entre eles, 144 mil funcionários públicos, 1.017 políticos eleitos, 61 mil empresários, 4.293 proprietários de carros de luxo (como Porsche, Land Rover ou Volvo), 213 estrangeiros e 37 mil mortos. É a maior fraude já registrada no setor que se tem notícia na nossa história.



E o Estado paralelo atua em outras frentes. Desde 2006, a UNE, uma espécie de Ministério Paralelo da Educação, já recebeu R$ 55,9 milhões da administração pública, entre doações de estatais, transferências diretas e patrocínios de ministérios. Lula foi o campeão nesse quesito: ao deixar o Planalto, o ex-presidente havia contribuído com incríveis 97,4% de todo o dinheiro público que chegou até os cofres da organização. São cifras que garantem o apoio de estudantes sindicalizados ao governo mesmo quando ele corta subsídios no setor.



Dessa grana toda, a maior parte – R$ 44,6 milhões – veio do Ministério da Justiça em duas ocasiões. O primeiro repasse, de R$ 30 milhões, feito em 2010, transferido para a entidade sob a alegação de ser uma indenização pelo incêndio de sua sede no Rio de Janeiro, ocorrido logo após a tomada de poder pelos militares em 1964 (o repasse corresponde a 6 vezes o valor de mercado do terreno e tinha como destino a construção de uma nova sede). E o segundo, de R$ 14,6 milhões, foi realizado em 2013 justamente para acelerar a construção do prédio.



Mas não pense que o negócio rolou. A UNE não quis gastar esse dinheiro. Pelo contrário – decidiu construir uma parceria com uma construtora, que prometeu bancar a obra para a organização desde que ela cedesse o terreno e algumas salas para exploração comercial. A UNE, que já lucra com o monopólio das carteiras estudantis no Brasil, não pensou duas vezes antes de lucrar também com o seu terreno.


O Estadão, que revelou essas informações, entrou em contato com a organização para entender como ela está aplicando os R$ 44,6 milhões que recebeu do governo federal. Mas não obteve retorno. A resposta também não foi encontrada no site oficial da UNE, que carece de dados sobre prestações de contas (os links encontram-se quebrados), apesar das verbas públicas milionárias que movimenta. Há quem acredite que a organização não precisará colocar um único centavo na obra.



A W/Torre, que está por trás da nova sede da UNE, é uma das construtoras investigadas na Lava Jato. E também graças a um edifício no Rio de Janeiro. Segundo a delação premiada do ex-diretor da área Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, Lula indicou à W/Torre a construção de um prédio na Rua do Senado, no centro da capital fluminense, nas proximidades da Petrobras. Assim que construído, o projeto foi apresentado para a estatal, que decidiu alugar o prédio até 2029. O valor? R$100 milhões por ano – ou quase 2 bilhões de reais até o final do contrato. Gastos num único aluguel.




Os casos de aparelhamento transformam o país num verdadeiro bacanal. O Ipea analisou as transferências de verba federal para ONGs, fundações, pastorais de igrejas e outros tipos de organizações civis entre o período de 1999 e 2010. Em uma década o valor dos repasses dobrou. Era R$ 2,2 bilhões em 1999. Passou para R$ 4,1 bilhões em 2010.



Segundo o estudo, até 2010, 3.342 entidades sem fins lucrativos de todo o país recebiam repasses do governo federal. E as entidades não são obrigadas por lei a prestar contas. De acordo com o Tribunal de Contas da União, entre 1999 e 2010, mais da metade dos repasses federais às ONGs brasileiras não foram fiscalizados, num total de R$ 21,1 bilhões empenhados, cuja aplicação não teve qualquer acompanhamento. 



Para o Ipea, houve picos no repasse das verbas em anos eleitorais e pré-eleitorais (2006, 2009 e 2010). Segundo a fundação pública, “há uma concentração no valor dos repasses, com poucas organizações recebendo muito e muitas recebendo pouco, e também no tipo de entidades beneficiada”. Em geral, para ONGs apadrinhadas politicamente, a fiscalização tende a ser mais falha; para as demais, tende a ser mais rigorosa.



Não por acaso, logo no primeiro ano de Dilma na presidência, uma sequência de escândalos envolvendo os repasses às ONGs conveniadas com o governo federal derrubou os ministros Orlando Silva (do Esporte), Pedro Novaes (do Turismo) e Carlos Lupi( do Trabalho). Os esquemas são quase sempre os mesmos, com o governo federal liberando verbas às organizações mediante o pagamento de propinas que vão de 5% a 20%. Mesmo com o cenário epidêmico, no ano seguinte, com eleições municipais, os repasses aumentaram e as organizações foram autorizadas a receber quase R$ 1 bilhão extra.


Nem o carro chefe do Estado oficial, abraçado por um lista interminável de organizações que dão base ao Estado paralelo, escapou da maracutaia. Segundo o Ministério Público Federal, a partir do cruzamento de dados do antigo Ministério do Desenvolvimento Social, com informações de órgãos como a Receita Federal, tribunais de contas e o TSE, só em 2013 e 2014 pelo menos R$ 2,6 bilhões do total da verba reservada ao Bolsa Família foram parar no bolso de quem não precisava. 



Tem noção de quanto é essa grana? Nós estamos falando de mais de 1 milhão de casos de fraude em todos os estados brasileiros, que segundo a procuradora Renata Baptista ainda é uma estimativa “conservadora”. Desses, 585 mil beneficiários ilegais foram funcionários públicos. Mais da metade. E isso que apenas servidores com quatro ou menos familiares entraram no estudo, o que dá uma dimensão do tamanho do estrago que ainda pode ser revelado.



Em resumo: como nunca antes na história, por mais de uma década, um Estado paralelo foi criado no país a partir de organizações de classe aparelhadas pelo petismo, sustentadas pelo Estado oficial através do bolso dos contribuintes para defender um projeto político-partidário e garantir benesses injustificadas aos seus membros. São essas organizações, não por acaso, que tomam as ruas agora para gritar por um golpe que não existe. São elas também as primeiras a questionar por que, afinal, o petismo possui tamanha oposição da sociedade civil.


2. Porque o PT subsidia a elite como ninguém.



Elite. Poucas palavras são tão corriqueiras no discurso petista.


Para Lula, Dilma foi reeleita “para a desgraça das elites” e sofre um impeachment porque “a elite não gosta de democracia”. Segundo ele, as “elites não perdoam o PT pela ascensão dos mais pobres” e odeiam Dilma porque têm “preconceito contra mulher”. Dilma, por sua vez, diz ter sido vaiada na abertura da última Copa do Mundo por uma “elite branca” que “sempre teve dificuldade de entender as diferenças do país”.



Se você acompanhou minimamente o noticiário político do país nos últimos anos, não deve ter se surpreendido com nenhuma das frases acima. Há muito tempo, discursos como esses se repetem ininterruptamente nos palanques do petismo, da alta cúpula do partido aos carregadores de bandeira dos comícios. Se você, no entanto, olhou mais atentamente também a outro tipo de noticiário – o econômico – já deve ter sacado o que se passa com todas essas bravatas: não passam de propaganda.



Longe do público que consome esse tipo de apelo populista, o petismo, pelo contrário, se tornou a corrente política que mais subsidiou a elite brasileira em nossa história. E nada disso foi de graça, como você deve imaginar.


Nesse sentido, poucos instrumentos estatais serviram tanto a esse interesse quanto o BNDES, um banco de desenvolvimento aparelhado durante o petismo para criar campeões nacionais – leia-se: formar uma casta de ricos sustentada com juros subsidiados pelos mais pobres – em troca de propinas e o financiamento de campanhas do partido. Não por acaso, só no primeiro semestre do ano passado, o BNDES destinou 65% de seus empréstimos para 1% das empresas, aquelas de grande porte cujo faturamento ultrapassa R$ 300 milhões anuais (0,5% das empresas que contratam o banco). E 2015 não foi uma exceção.




Em geral, segundo o relato de executivos de duas construtoras investigadas pela Lava Jato, o esquema com o banco envolvia o pagamento de 1% de propina para o PT a cada desembolso dos empréstimos feito pelo BNDES. E eles rolaram. Aos montes. Segundo o Ministério Público, o BNDES recebeu do Tesouro Nacional cerca de R$ 500 bilhões de maneira irregular, que incharam o banco nos últimos anos. Os empréstimos, não por acaso, explodiram – a instituição passou a ser responsável sozinha por quase 21% do crédito disponível no país.Fonte: BNDES.



Quem mais se deu bem com isso tudo? Uma nova elite. Enquanto o PT dizia que ela lutava para derrubá-lo, atrás dos palanques era ela quem sustentava o seu projeto. Não por acaso, em 2014, Dilma recebeu sozinha mais doações de campanha que todos os candidatos à presidência somados



Oficialmente, quase R$ 65 milhões dos valores arrecadados pela campanha de Dilma foram financiados pelas empreiteiras investigadas na Lava Jato. Sozinho, esse montante é maior que todo financiamento de campanha da terceira colocada na eleições, Marina Silva. E isso para não falar das doações ilegais recebidas que a Polícia Federal está investigando – de empreiteiras a grandes indústrias.



Dilma também foi campeã em outro quesito: recebeu mais doações de campanha dos bancos que todos os demais candidatos somados. E isso enquanto os acusava de serem protegidos pelo setor. E as doações não vieram sem motivo: o lucro dos bancos durante o governo Dilma foi o maior da história. Entre 2002 e 2010, os 9 maiores bancos brasileiros expandiram seus lucros em 550% – a situação ficou tão confortável ao setor que se somássemos o lucro dos quatro maiores bancos do país, esse valor seria maior que o PIB de 83 países



Só o Itaú/Unibanco, que Dilma acusava de estar protegendo a candidatura de Marina Silva nas últimas eleições, teve um lucro de R$ 23,35 bilhões em 2015 – o maior lucro anual da história de um banco registrado até hoje. Só entre julho e dezembro do ano passado, os gastos do governo com juros foi de R$ 275,916 bilhões, contra R$ 191,134 bilhões do mesmo período no ano anterior. Aos historiadores, se fosse possível apontar um único partido em toda história republicana brasileira que governasse defendendo os interesses dos banqueiros, esse seria sem dúvida o Partido dos Trabalhadores.



E isso para não falar daquele que foi o rosto empresarial do petismo: Eike Batista. Para Dilma, por um tempo ele era “nosso padrão, nossa expectativa e orgulho do Brasil”, um empresário que “tem capacidade de trabalho”, que “busca as melhores práticas”, “quer tecnologia de última geração”, “percebe os interesses do país” e “merece o nosso respeito”. 



Eike virou um símbolo do governo e o governo, logo, virou um símbolo para Eike. O BNDES lhe permitiu um empréstimo de R$ 10,4 bilhões. A Caixa deixou que a sua dívida de pouco mais de R$ 1,1 bilhão fosse paga em 40 anos. O petismo era um fiel escudeiro de Eike, emprestando dinheiro com a carteira dos outros. E Eike virou um dos homens mais ricos do planeta. Antes de seguir o mesmo rumo do governo que lhe apoiava, porém, entrando em fritura e falência, o grande símbolo da elite brasileira fez questão de retribuí-lo. 


Como apontou há poucos dias Mônica Moura, mulher de João Santana, Eike contribuiu com Lula e Dilma nas eleições de 2006, 2010 e 2014, realizando pagamentos ilegais na ordem de R$ 110 milhões. Era uma mão lavando a outra. O governo tornava Eike um dos homens mais ricos do mundo, Eike ajudava a transformar o petismo na ideologia mais poderosa do país.


3. Porque o PT manipula a opinião pública como ninguém.



E o aparelhamento que deu base a organizações de classe que sustentaram o petismo nas ruas, que se estendeu a uma elite de empreiteiros, banqueiros e grandes empresários que sustentaram financeiramente o petismo nas urnas, alcançou a formação de opinião com o aparelhamento de parte da classe artística do país, já historicamente identificada com valores de esquerda, e de uma nova imprensa nacional.


Entre 2003 e 2014, as autorizações para a captação de recursos apenas pela Lei Rouanet atingiram R$ 61,27 bilhões (e nunca é demais lembrar que pela Lei de Responsabilidade Fiscal, cada renúncia aprovada pelo governo deve ser coberta por uma receita, o que, na prática, torna os projetos que conseguem captação recebedores de um investimento direto do governo, ainda que pelo caminho da isenção fiscal). A lei cria uma verdadeira casta de artistas. De todos os projetos que conseguiram captação em 2014, por exemplo, 50% dos recursos ficaram com apenas 3% dos proponentes – ou seja, ligados aos artistas mais ricos e conhecidos do país. 


Na prática, R$ 650 milhões de “investimento” em cultura através de uma único canal. E o papel do governo na escolha desses projetos é decisivo. Das 15 empresas que mais apoiaram projetos aprovados pela Lei Rouanet em 2015, 7 são estatais – o BNDES e o Banco do Brasil são as duas instituições campeãs nesse quesito. Ou seja: em boa parte dos projetos o governo não apenas foi responsável pela aprovação, mas pela captação do recurso.



Ao longo dos últimos meses, publicamos diversas matérias demonstrando como uma casta de formadores de opinião estava sendo formada ao redor do petismo – uma dessas matérias, não por acaso, acabou gerando uma CPI da Roaunet. E a Rouanet nem de longe foi o único incentivo para isso. Aqui, mostramos como alguns dos artistas que mais defenderam o petismo nos últimos anos foram financiados diretamente pelo governo federal das mais diferentes formas. 



De fato, a relação da classe artística com o governo ficou tão evidente nas últimas semanas que o setor foi um dos mais incisivos no apoio à presidente afastada, a ponto de ocupar diversas secretarias de cultura ao redor do país como forma de protesto ao novo presidente empossado. Nenhum outro setor reagiu como tamanha atuação.





E Camila Pitanga talvez seja o grande retrato dessa relação. Diretora do Movimento Humanos Direitos – grupo de artistas que faz lobby político e conta com a participação de figuras de esquerda como Wagner Moura, Letícia Sabatella, Osmar Prado e Vanessa Giácomo – Camila é envolvida diretamente com a política ao menos desde os 15 anos, quando se filiou ao Partidos dos Trabalhadores.



Mais do que estrela de novela, nos últimos anos a atriz se tornou também uma estrela da propaganda brasileira – mais especificamente da Caixa Econômica Federal. Entre 2012 e 2013, Camila foi figura carimbada nos comerciais do banco. Durante o período em que esteve à frente das peças publicitárias da instituição, a Caixa Econômica Federal ultrapassou a Ambev e se tornou o 3º maior anunciante do mercado brasileiro, com um crescimento de 58% do valor aplicado em mídia durante o período – um gasto de R$ 676,5 milhões. Seguindo seus passos, a Nova/SB, agência responsável pela campanha, teve um crescimento expressivo de 108% no período. O cachê recebido pela atriz? Uma incógnita. A instituição afirma que o valor é uma informação “estratégica”. 



De fato, Camila teve presença cativa no dia a dia do país: apareceu em 7.336 inserções dos intervalos da programação televisa em 2012. Nenhuma celebridade esteve à frente dela no período – nem Neymar, nem Ronaldo, nem Gisele Bündchen. Em 2013, a atriz viu o governo federal aumentar em mais de 800% os gastos com propaganda do Minha Casa, Minha Vida, se tornando a grande estrela daquele que era visto como a grande cartada para as eleições do ano seguinte – desde 2011 até a última eleição, os gastos em propaganda com o programa teve um aumento superior a 6.000%. Camila, que hoje é uma das principais vozes contra o “golpe”, após mais de uma década declarando publicamente o voto no partido, se transformou no rosto do primeiro mandaoto do governo Dilma.



E seu caso conecta o governo com outro escândalo: os contratos de publicidade. Durante a 11ª fase da operação Lava-Jato, a Polícia Federal anunciou investigar indícios de irregularidade nos contratos publicitários da Caixa. Não era o único. Uma das primeiras ações do governo Temer, não por acaso, foi reavaliar os contratos de publicidade autorizados durante o governo Dilma. A expectativa é que isso abra uma caixa preta. 


A suspeita é que o mesmo esquema padrão de desvio dos usuais 10% nas licitações de obras públicas, nos contratos das estatais, nos repasses a organizações não-governamentais e nos empréstimos do BNDES, tenha se dado com os contratos de publicidade. Além do próprio escândalo envolvendo os contratos da Caixa, entre 2011 e 2014 a prática foi decorrente nos contatos de publicidade do Ministério da Saúde.



Dilma, não por acaso, quebrou todos os recordes de gastos com propaganda oficial. Apenas para ter uma ideia: em seus últimos três anos de mandato (não há dados sobre 1999), corrigida a inflação, FHC gastou R$ 4,1 bilhões com publicidade oficial. Lula aumentou a dose para R$ 7,3 bilhões em seu último mandato. Dilma explodiu tudo que pode. Torrou R$ 9 bilhões em seus primeiros quatro anos. O valor é mais que o dobro do que gastou FHC. Nenhum outro partido em toda nossa história havia usado a máquina pública para fazer tanta propaganda e moldar a opinião pública.



O dinheiro inundou diversas redações de jornais e emissoras de televisão. E criou uma nova mídia online, engajada na defesa do governo.



Só entre 2010 e 2013, como publicamos nessa reportagem, um desses veículos, o blog Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, recebeu R$ 2,48 milhões de publicidade oficial. No mesmo período, Veja.com recebeu R$ 559 mil.



Tomando como base uma tabela de acessos divulgada pelo UOL, fica nítido como os gastos não são proporcionais. Sem qualquer critério técnico, o governo passou anos gastando com publicidade oficial em blogs engajados em duas coisas – defendê-lo a qualquer custo e espalhar boatos sobre seus adversários.


Em 2013, o Conversa Afiada teve 4 milhões de visualizações mensais e recebeu R$ 628,8 mil em publicidade do governo. O site da Folha de São Paulo, que tem 127 milhões de visualizações, recebeu pouco mais de R$ 780 mil. Dessa forma, é possível afirmar que, para cada leitor do blog de Paulo Henrique Amorim, o governo gastou R$ 0,01 em publicidade enquanto que, para cada leitor da Folha, o gasto foi de R$ 0,0005 – cinco centésimos de centavo. Ou seja, o Conversa Afiada recebeu proporcionalmente 2000% mais verbas em publicidade oficial do que a versão online do maior jornal em circulação no Brasil. 


Outro caso chocante é o do Ópera Mundi: R$ 573 mil para uma audiência de 514 mil visualizações de página/mês. São R$ 0,09 por cada pessoa que visualizou uma página do site, independente dela ter clicado na propaganda ou não.



Uma das primeiras ações do novo presidente empossado, não por acaso, foi cortar todos esses anúncios. A imprensa semi-oficial voltou à marginalidade.


4. Porque o PT falsifica a realidade como ninguém.



Por muito tempo, o PT construiu uma realidade paralela onde o país alcançou um grau de desenvolvimento que nunca teve. Para conquistar os votos necessários para a manutenção do controle da máquina pública, o partido fingiu transformar um país miserável num lugar de dignidade, especialmente aos mais pobres. Só havia um problema pela frente: a realidade. Longe do marketing político, após mais de uma década com o PT no posto máximo do país, o Brasil permanece onde sempre esteve – ainda miseravelmente pobre, sujo e ignorante.


Talvez você não saiba disso, mas há mais de 25 milhões de brasileiros (uma Austrália) vivendo com uma renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza, e mais de 8 milhões (uma Suíça) vivendo abaixo da linha de extrema pobreza (ou seja, na indigência). Mais da metade das casas brasileiras vivem com até um salário mínimo. E pobreza está longe de ser o nosso único problema.


Nós ainda somos um país terrivelmente ignorante. Segundo o IBGE, 39,5% das pessoas aptas a trabalhar no Brasil não possuem sequer o ensino fundamental e mais de 13 milhões de brasileiros são incapazes de ler um texto como esse pela única razão de serem analfabetos – e se você não faz ideia do que esse número significa, imagine que se somarmos a população do Uruguai, da Nova Zelândia e da Irlanda não alcançaremos a quantidade de analfabetos que existem por aqui. É muita gente.


E educação é apenas uma amostra da nossa miséria. Se ela funciona muito longe do que é aceitável, com a saúde o cenário é ainda pior. Num índice elaborado pela Bloomberg que compara a expectativa de vida da população com o gasto em saúde, o Brasil está na última posição no ranking dos sistemas de saúde mais eficientes do mundo. Em geral, a nossa população sobrevive em hospitais públicos caindo aos pedaços, lidando com um número de médicos per capita muito abaixo do ideal, com falta de remédios e recursos.


Também possuímos gargalos de terceiro mundo no saneamento básico. Segundo dados do Ministério das Cidades, mais de 35 milhões de brasileiros não possuem acesso sequer ao abastecimento de água tratada. É como se houvesse um Canadá inteiro sem uma mísera torneira jorrando água dentro de casa. De acordo com o relatório, quase 100 milhões de brasileiros não possuem acesso nem à coleta de esgoto – e do esgoto coletado, apenas 40% é tratado. 



Enquanto você lê esse texto, imagine que 17 milhões de brasileiros (uma Holanda) não têm acesso à coleta de lixo (e nunca é demais lembrar que cada brasileiro produz, em média, 1 quilo de lixo por dia) e outras 4 milhões de pessoas (uma Croácia) não possuem sequer um banheiro em casa. Já imaginou? Você não verá isso na propaganda oficial, mas o fato é que a gente vive no caos do cocô.



E se a infraestrutura micro é inoperante, a macro é praticamente inexistente. No índice que mede a qualidade da infraestrutura de um país, organizado pelo Fórum Econômico Mundial, nós ocupamos o vergonhoso 120º lugar em 144 posições possíveis, atrás de países como Etiópia, Suazilândia, Uganda, Camboja e Tanzânia. Só pra você ter uma ideia, dos 29.165 quilômetros de malha ferroviária que o Brasil possui, apenas um terço é produtivo. Passados quase dois séculos, o número é equivalente ao período do Império no Brasil.



O resultado inevitável disso tudo? Pobreza e baixa qualidade de vida. Hoje quatro trabalhadores brasileiros são necessários para atingir a mesma produtividade de um trabalhador norte-americano (em 1980, um brasileiro tinha produtividade equivalente a 40% da de um americano; hoje, ela está em 24%). Há dez anos, em média, ganhávamos 50% a mais que os chineses – hoje ganhamos 20% a menos.



E isso para não falar de segurança pública. Em 2014, nós registramos o maior número de assassinatos da nossa história: foram 59.627 homicídios. Visto de outra perspectiva, o crime mata mais no Brasil do que a guerra entre Israel e Palestina, e outros confrontos bélicos ao redor do mundo. Segundo o Atlas da Violência 2016, do IPEA, nós detemos o título mundial de assassinatos no planeta.



Não é pouca coisa. A taxa de homicídios por aqui é quase três vezes maior daquela que a ONU classifica como ‘epidêmica’. Ou seja, nós estamos muito abaixo daquilo que já é considerado inaceitável.



O fato é que durante o período em que o petismo se estabeleceu no Brasil, fingindo transformar o país como nunca antes na história, nós crescemos menos do que a média do continente latino americano e dos países pobres e emergentes ao redor do mundo. Ou seja: se nós conseguimos melhorar nossa condição na última década, não foi através de um milagre realizado pelo governo federal, mas porque o mundo viveu durante esses anos um período especial de desenvolvimento. Apesar do PT. Ainda que engolidos pela propaganda oficial, o que nós demostramos nos últimos anos, pelo contrário, foi uma capacidade inacreditável de não aproveitarmos o momento como deveríamos.



Em geral, passado tanto tempo, tudo que o Estado tem a oferecer ainda são serviços públicos precários: educação, saúde e segurança de países africanos em guerra. Nós continuamos morando num país miserável, desigual, sem acesso a saneamento básico e com uma infraestrutura de quinta. O mundo real é muito longe da propaganda oficial. E as pessoas acordaram para isso.


5. Porque o PT divide a população brasileira como ninguém.




Por fim, usando toda máquina pública que tinha à disposição, aparelhando movimentos sociais, organizações não-governamentais, formadores de opinião e grandes empresários, o PT intensificou como em nenhum outro momento da história desde a saída traumática de Getúlio Vargas do poder, aquele que era a consequência inevitável de suas escolhas, coerente com seu modus operandi: o populismo.


Ao PT e seus eleitores, a não escolha de seus candidatos nunca foi encarada como parte de um processo democrático, mas algo que sempre expôs uma mentalidade atrasada de parte da população, um atestado de elitismo moral, como se a escolha por uma oposição ao partido fosse necessariamente um grito contra os mais pobres.


Foi exatamente dessa forma que o atual governo sustentou o poder. Fracionando, separando, partindo ao meio, dividindo. Para o petismo, sempre houve dois caminhos muito claros a seguir, como se todos fôssemos estrelas de uma grande história em quadrinhos.


De um lado, os vilões típicos: os coxinhas, a elite branca, gente sectária e ignorante que não gosta de ver gente pobre crescendo na vida.


Do outro, os super-heróis de capa vermelha: os grandes líderes do partido, o mito de suas cores e suas bandeiras, e a burocracia oficial, construída com o único objetivo de defender os interesses dos mais pobres contra as tratativas malignas dos mais ricos – ainda que toda esse elite desse sustentação ao seu governo.


Essas são as bases do populismo. A narrativa é pobre, de folhetim barato – e isso fica visível quando o país consegue alcançar uma distância histórica do acontecimento. Mas num primeiro momento, o resultado inevitável é embriagar uma população que por décadas sofreu com a ausência de políticas públicas responsáveis. Para fazer crer que essa população, que sempre gera a maior parte dos votos nas eleições, era protagonista do governo, o PT criou aquilo que ele mesmo acusa – o tal clima de ódio.


Você se lembra da última eleição? Ele estava lá o tempo todo. Aécio era um filhinho de papai, machista, que cheirava cocaína, batia na mulher, arriscava retirar direitos sociais, defendia que os jovens estivessem na cadeia ao invés das escolas, ameaçava a democraciadefendia a escravidão, o genocídio da juventude negra e pregava ódio contra os nordestinos. Marina Silva não deixava por menos – era uma serviçal dos interesses dos banqueiros, tinha desvio de caráter, ameaçava tirar comida da mesa dos mais pobres e acabar com os programas sociais, era simpática à ditadura militar e cumpria um script que logo a transformaria numa versão feminina de Fernando Collor.


Na última década, o partido também não mediu esforços para usar toda máquina que tinha à disposição para difamar formadores de opinião críticos ao governo e perseguir emissoras que dessem espaço a eles, ameaçando cortes na publicidade oficial – como se ela não estivesse presa a critérios técnicos, mas a interesses político-partidários.


Criar uma cultura de ódio contra tudo aquilo que ameaçasse o petismo assumiu o tom do país nos últimos anos, e quem passasse pelo seu caminho era logo taxado de anti-povo e inimigo dos mais pobres (mesmo Marina, uma ex-seringueira e empregada doméstica, criada no interior do Acre por uma família humilde e que aprendeu a ler e escrever aos 16 anos).


E isso nunca deixou de ser assumido pelo partido. Pelo contrário. Rui Costa, o atual governador petista da Bahia, à época da eleição disse que “o antipetismo é a insatisfação da classe média”. Para ele, naquele tempo o Brasil estava “vivendo um segundo período de fim da escravidão”, com a derrota de “pessoas [que] veem como um absurdo o porteiro chegar de carro ao trabalho e se incomodam ao ficar atrás de um agricultor ou uma empregada doméstica em uma fila de aeroporto; acham que pobre não pode ter carro, não pode andar de avião, não pode entrar em uma universidade”. 


Como política é essencialmente identidade de grupo, toda essa lenga-lenga pegou. Afinal, quem se importa com propostas quando a discussão está presa a questões morais como a luta do bem contra o mal?


A essa altura, surpreende o cinismo com que o partido encara a rejeição que possui. Após aparelhar cada palmo da sociedade civil brasileira, levando a economia a um cenário caótico, o PT gastou uma década tratando parte considerável do país como um esgoto moral a céu aberto.


O ódio foi a ação. 


A intolerância ao partido é a reação inevitável.

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