Mídia Sem Máscara
| 10 Junho 2016
Artigos - Ciência
A perda da identidade da Medicina e a necessidade de compreender o modelo hipocrático e cristão do Ocidente.
Copio a idéia deste título do livro When Medicine Went Mad, editado por Arthur Caplan [1], um grande bioeticista norte-americano. E se a Medicina pode enlouquecer, a conclusão é que há um padrão de sanidade a ser reconhecido.
Muitas
vezes sou questionado sobre meu trabalho e minhas pesquisas. Por que se
preocupar com o que médicos mortos há mais de mil ou dois mil anos
disseram? Por que buscar os escritos desatualizados da tradição
hipocrática e cristã?
Num
antigo seminário promovido pela Associação dos Estudantes de Medicina
em Vitória, no Espírito Santo, lembro-me de um colega que defendeu a
possibilidade de a Medicina ser compatível com qualquer ideologia
política que você tenha. O que defendi à época, e ainda defendo, é que
essa idéia é errada e perigosa. Aliás, perigosíssima!
Enquanto os médicos não adquirirem a cultura e a bagagem humanística necessária, poderemos ser sempre alvos das piores monstruosidades e distorções da prática médica.
Basta uma pequena mudança de foco, um pequeno resultado de engenharia social, e pronto! O estrago está feito.
Se
por algum momento o médico acreditar que seu principal objetivo não é
beneficiar o paciente e sim, promover o progresso ou avanço da ciência,
tudo estará perdido. Se por algum momento o médico acreditar que seu
principal objetivo é promover um tipo de visão social coletivista e
revolucionária, crimes inconfessáveis serão perpetuados.
Estes
são os exemplos da medicina nazista e comunista. Adiante, oferecerei
algumas passagens perturbadoras daqueles que viveram na carne o
resultado da medicina que se esqueceu da própria identidade.
***
Após aceitar uma pequena idéia - a de que o principal dever do médico não é com seu paciente - tudo muda.
Sara
Seiler Vigorito relata que, aparentemente, os médicos nazistas eram
normais, tinham suas famílias, atendiam em hospitais e trabalhavam com
diligência. A única exceção era a de que se dedicavam a um propósito
alternativo.[2] Haviam de fato se desligado da tradição hipocrática e cristã da medicina.
O
ser humano, uma vez destituído de sua posição de prioridade, virou
simples mercadoria. Enquanto vivos, prisioneiros em campos de
concentração nazistas eram utilizados como cobaias em experimentos
desumanos. Uma vez sacrificados, seu cabelo serviria para fazer o estofo
dos colchões, a gordura serviria para fazer o sabão (produzido pelos
próprios prisioneiros e futuras fontes de “matéria prima”), a pele
ofereceria tecido para produção de abajures e os dentes de ouro iriam
para os cofres nazistas.[3]
Eva Kor e sua irmã sobreviveram aos horrores do campo de concentração nazista sob os cuidados do terrível Joseph Mengele.
Relatos
especialmente assustadores nos alcançam daqueles que sobreviveram à
experiência nos campos de estudos “científicos” em gêmeos, coordenados
pelo médico Joseph Mengele, doutor em Antropologia, o mais famoso
carniceiro entre os médicos nazistas. Eva Mozes Kor foi presa junto com
sua irmã gêmea, e relata que gêmeos idênticos eram “preciosos” para
Mengele.
Richard Baer, Josef Mengele e Rudolf Hoess
Havia
de tudo. Desde vivissecções, passando por sutura corporal entre dois
gêmeos para testar rejeição, até experimentos de injeção de
microrganismos para testar eficiência de armas biológicas e a
verificação de quanto sangue alguém poderia perder antes de morrer. E a
sensação era a de que o ser humano se tornara um pedaço de carne.[4]
Gêmeos eram especialmente selecionados para as pesquisas de Mengele.
Posso
compreender por que Margaret Somerville afirma que a idéia mais
perigosa do mundo é acreditar que o ser humano nada tem de especial.[5] E
também confirmo minha percepção inicial de que a medicina não é
compatível com qualquer ideologia. Eu diria que ela é frontalmente
oposta a determinadas ideologias.[6]
***
O
tão famoso mantra de Georgetown, presente na abertura do livro mais
famoso nos círculos de estudo da Bioética, proclama que os grandes
problemas éticos do presente e a evolução tecnológica promovem desafios
que precisam de uma nova ética. Citam a medicina nazista como exemplo.[7]
Eu ouso dizer diferente: foi a insensibilidade moral de uma geração de
médicos que optaram por ignorar a moralidade cristã e hipocrática que
fundamentou a nossa medicina que permitiu tais atrocidades.
Muitos
poderiam alegar que os médicos foram forçados a fazer isso por causa de
um governo tirânico. Porém, evidências fortes indicam que médicos
destituídos da identidade profissional adequada não somente se
voluntariaram para processos de eugenia e pesquisa desumana, eles
lideraram o establishment acadêmico, ocupando um alto percentual de
reitorias, publicando centenas de periódicos científicos e integrando as
fileiras nazistas.[8]
Qual
foi o grande erro? Os médicos esqueceram quem eles eram e quem eles
deviam buscar ser. Acreditaram que a nova racionalidade e a nova
moralidade deveriam ascender em detrimento da moralidade de escravos que
imperava anteriormente, como já dizia Nietzsche ao se referir à
moralidade cristã.
Hoje
a Bioética novamente parece sonhar uma libertação da antiga moralidade.
Projetos fantásticos de libertação moral nos empurram para futuros mais
eficazes, de alta tecnologia, de aprimoramento, de contenção de
desperdícios, de uma visão nova sobre o que é o ser humano. E ao que
parece, ainda não aprendemos as velhas lições, positivas ou negativas.
Mas
assim é o crescimento moral do ser humano: a cada nova vida, um novo
desafio para reconquistar e encarnar tudo aquilo que provou ser bom ao
longo de nossa história. A medicina tem sua identidade e, portanto, tem
um modelo bem específico a ser seguido em termos éticos. É claro que
cada tempo exige novos arranjos, pois as situações específicas sempre
mudarão trazendo novidades. Todavia, as regras gerais e fundamentais
permanecem, e sempre permaneceram ao longo das eras entre os mais
diferentes povos capazes do esforço civilizacional.[9]
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