terça-feira, 7 de junho de 2016
Os dois estupros coletivos que ficaram famosos nos últimos dias levantam
uma questão bastante importante: por que o estupro é algo que incomoda
tanto a maioria esmagadora das pessoas? Por que é considerado algo tão
hediondo pelas sociedades humanas em geral? Minha intenção não é
contradizer esse senso moral. O estupro realmente é abominável, concordo
e ratifico. Mas por quê? Note que entre os animais, por exemplo,
estupros fazem parte do cotidiano. É coisa bastante normal. E, até onde
sabemos, as fêmeas não ficam psicologicamente abalada após sofrerem
tentativas de cópula forçada com algum macho que nunca viu na vida.
Tampouco outros machos parecem se importar com o comportamento de seu
colegas de espécie. Por que, para os animais, o sexo forçado e com um
estranho, não incomoda tanto, não é abominável, não possui o mesmo
significado que para nós, humanos?
A resposta é simples. Para o ser humano, a relação sexual não é uma
atividade qualquer. Há na relação sexual uma seriedade, uma sacralidade,
uma relevância que não existe em atividades comuns do cotidiano. O sexo
humano vai muito além de uma mera troca de fluídos corporais, de um
mecanismo físico para gerar filhos, de uma atividade prazerosa. Ele
requer intimidade, uma intimidade que não se limita ao nível físico, mas
à todos os níveis do relacionamento humano. É uma união não apenas de
dois corpos, mais de duas mentes, de duas psiquês, de dois espíritos, de
duas almas. É o complemento, o selo, a cobertura de todo um processo de
conhecimento, de apoio mútuo, de confiança plena, em suma, de amor.
O sexo humano não é algo banal, algo que tenha sido projetado para se
fazer com qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar. Tanto não é
que sabemos distinguir as coisas. Você está andando na rua e, de
repente, uma pessoa que você não conhece passa por você e aperta a sua
mão. Estou certo que isso não o abalará psicologicamente. A maioria das
pessoas apenas acharia isso estranho. Algumas levariam um pequeno susto.
Mas ninguém carregaria essa lembrança com dor e sofrimento por anos e
anos. Aliás, não é preciso muito para que aceitemos um aperto de mão de
alguém ou até um beijo no rosto. Em culturas mais abertas, como a do
Brasil (sobretudo, a carioca) beijamos no rosto até quem conhecemos há
cinco minutos. E um beijo roubado, na boca, por mais desagradável que
possa ser para quem não queria beijar, jamais será tão horrível quanto
um estupro. Preferimos apertar a mão de um mendigo visivelmente sujo à
fazer sexo com alguém com quem não queremos ter esta relação. Por quê?
Porque sexo não é uma atividade qualquer.
Aqui nos encontramos em uma encruzilhada. Se por um lado todos parecem
concordar que o sexo humano é algo tão sério e íntimo que transforma o
estupro em ato hediondo (e que fere com profundidade as emoções da
pessoa violentada), por outro lado, boa parte da sociedade enxerga (e
prega) que sexo não é algo solene e sacro, mas corriqueiro e profano
como praticamente quaisquer outras atividades. Uso as palavras "sagrado"
e "profano" aqui não no sentido religioso, mas no sentido de relevância
ímpar, que requer observação mais respeitosa.
Para estes que veem o sexo com olhos profanos, tal atividade não requer
nada mais que pessoas interessadas em praticá-la. Não se enxerga aqui
necessidade de vincular o sexo ao amor, ao casamento, à fidelidade
conjugal, ao companheirismo, à paciência para com o outro, à intimidade
não-física. O sexo humano aqui é rebaixado ao animalesco, com a
diferença de que, como seres racionais podemos evitar o fim último do
instinto sexual: a procriação. Nesta concepção, não há sacralidade no
sexo, tal como não há sacralidade em puxar assunto com o jornaleiro ou
comer pizza com um amigo. É coisa boba, comum, que não exige
responsabilidade ou sentimentos nobres. Uma diversão como outra
qualquer.
Sexo casual, sexo com diversas pessoas ao longo da vida, sexo entre
adolescentes, sexo com parceiros temporários... Em todas essas
modalidades falta algo de humano na relação sexual, algo que nos
distingue dos animais, algo que faz o sexo ser realmente distinta das
demais atividades, não apenas em grau de satisfação, mas em natureza, em
essência. Aliás, essa é a diferença entre o sagrado e o profano.
Pode-se comparar comer chocolate a comer queijo e cada um dirá o que,
para si, é melhor em grau de satisfação. Mas não se pode comparar comer
chocolate a fazer uma oração a Deus. A diferença não está no grau de
satisfação, mas na natureza distinta das duas coisas. Orar é melhor não
por grau; é melhor não porque, na mesma lista de atividades comuns, está
acima de comer chocolate; é melhor porque está em outra lista, uma
lista sagrada. Não há chocolate na lista sagrada. As modalidades
elencadas acima não contam com essa diferenciação.
Um colega meu mora com uma moça. Vivem como casados, mas não o são no
papel. Não o são porque não desejam fazê-lo. O que essa aliança está
dizendo, na prática, é que existe a possibilidade de um dia de haver
rompimento. Preferível é para eles não criar burocracias que venham
atrapalhar este possível rompimento futuro. Ora, evidentemente,
casamento não é a mera assinatura de um papel perante o Estado.
Casamento é uma aliança eterna e incondicional firmada entre um casal, a
qual não vê problemas em formalizá-la perante o Estado, à Igreja e
quaisquer outras instituições, já que a hipótese de rompimento é
desconsiderada pelos cônjuges. E é este o ponto: fora do casamento, o
sexo perde sua sacralidade. Ainda que no interior de uma relação
semelhante a um casamento e com vários anos de duração, ele será uma
atividade tão rompível quanto à aliança no qual está inserido. E, por
consequência, torna-se atividade passível de ser praticada com um novo
parceiro quantas vezes sua aliança com um parceiro antigo der errado. A
simples possibilidade de isso ocorrer já retira do sexo seu caráter
sacro.
A relação sexual humana só alcança um caráter totalmente humano, isto é,
sagrado, solene, respeitoso, importante, quando envolve-se de
eternidade; e só envolve-se de eternidade quando se encontra no interior
dessa aliança eterna chamada casamento. É aqui, e apenas aqui, que cada
uma das duas partes envolvidas na relação sexual será vista pela outra
como insubstituível. A partir do momento em que, para mim, relação
sexual é sinônimo de relação sexual com uma pessoa específica, essa
pessoa específica se tornará mais importante que o próprio sexo, a ponto
de que, sem ela, não existe sexo. Ora, nada, portanto, pode tornar o
sexo mais solene, sagrado, nobre, esplêndido, importante, belo, elevado,
terno do que o casamento. No casamento o sexo torna-se algo único, algo
de natureza completamente diferente de quaisquer outras atividades
comuns. Não é mais uma mera diversão. É a extensão do profundo amor que
se sente por uma pessoa, uma única pessoa, a única pessoa com quem esta
atividade vale à pena, com a qual esta atividade tem real significado.
Em outros textos já afirmei que o secularismo nada mais é do que um
cristianismo distorcido, esvaziado, desfigurado, onde procura-se retirar
dele Jesus e mais tudo o que não convém aos desejos carnais, deixando
apenas o que pode ser útil. O secularista é aquele que senta na cadeira
com a Bíblia nas mãos e uma navalha, e põe-se a cortar aquilo que não
quer seguir, deixando no entanto o suficiente para que dele não se diga:
"Você é um monstro moral, hein!". Do sexo, o secularismo deseja apenas o
prazer físico. É conveniente jogar fora toda a responsabilidade e
sacralidade envolvida na atividade, a fim de que seja mais fácil
divertir-se por aí. A maldição do secularista, no entanto, é que não se
pode esvaziar o sexo humano dessa maneira sem fazer com que ele deixe de
ser humano. As com sequencias são desastrosas.
Uma sociedade em que o sexo paulatinamente deixe sua áurea sacra e
solene, também paulatinamente deixará de ser humana. Na medida em que o
sexo é jogado na lista de atividades comuns e banais, também casamento,
família, fidelidade, sacrifício, paciência, negação própria e amor
deixarão a lista de coisas sagradas. E quando estas coisas não mais são
sagradas, elas não mais são o que são; elas se perdem; elas deixam de
existir porque se distanciam de suas essências. Se o amor está no mesmo
patamar que o apreço por jogar baralho, não existe mais amor. Ao mesmo
tempo, na lista das coisas sagradas, nos lugares antes pertencentes ao
que era nobre, passa a figurar as alianças temporárias, as relações
espúrias, as famílias desestruturadas, a infidelidade, o egoísmo, o
egocentrismo, a impaciência, o hedonismo, a mágoa, a vingança, a falta
de limites, o desrespeito, o orgulho, a soberba, a frieza.
O que o secularismo vem fazendo com as pessoas senão isso? Que mensagem o
secularismo traz sobre o sexo? "Faça com quem quiser, quando quiser,
com a idade que quiser. Apenas preocupe-se em usar preservativos". Há
quem ache a mensagem inofensiva. Será? Músicas como o funk "Baile de
Favela" ("E os menor preparado pra f**** com a xota dela") não surgiram
em 1920, de um dia para o outro, contando com diversos ouvintes e
defensores. Ninguém aceitaria isso naquela época. As coisas não se mudam
tão bruscamente. Não se sobe vinte degraus saltando do primeiro ao
vigésimo. Assistimos sentados a sociedade ser moldada, aceitar a
revolução sexual, o incentivo ao divórcio e a destruição dos valores
familiares. Assistimos sentados o sexo ser banalizado, distribuído aos
jovens e adolescentes como barras de chocolate. Assistimos sentados
músicas, filmes e até mesmo aulas de escolas e universidades
incentivarem a promiscuidade, transformando o sexo em algo animalesco,
desprovido de toda a humanidade que deveria ter.
Volto-me para os estupros coletivos mencionados no início do texto e
pergunto: será que os homens que cometeram tão hediondo crime possuem
uma concepção eterna de casamento? Será que eles entendem a relação
sexual humana como sagrada, solene e de natureza diferente de todas as
demais atividades comuns? Será que são casados? Será que para eles sexo é
sinônimo de sexo com suas esposas? Será que amam profundamente suas
esposas? Será que apreciam a noção de fidelidade conjugal? Casaram-se
virgens? Entenderam a importância de se guardarem castos para a pessoa
com a qual compartilhará até a alma? Sabem o que é amar uma mulher?
Sabem qual é a importância de uma família sólida? Estão acostumados a
colocar de lado o egoísmo, à negar-se a si mesmo, a sacrificar-se por
alguém que ama? Ou será que são pessoas acostumadas a sexo casual, a
lugares promíscuos, à músicas indecentes, a hábitos e pensamentos
egoístas? Sabemos a resposta.
O secularismo não percebe que ao jogar fora a sacralidade do sexo e
assim ensinar à sociedade, joga fora também limites morais. Não é um
salto para o vigésimo degrau. Sobe-se um degrau de cada vez. Para quem
está no degrau 17, o degrau 20 não está distante. Então, eu pergunto:
quão distante está o estupro para alguém que, desde pequeno, aprendeu
que sexo é apenas uma atividade como qualquer outra? Quão distante está o
estupro para alguém que desde pequeno foi estimulado por músicas,
filmes e bailes a amar mais o prazer sexual do que a pessoa escolhida
para fazer sexo?
Quão distante está o estupro para alguém que vive em
lugares onde negar seus instintos é a última coisa que se ensina, e onde
estar em êxtase é a única regra? Quão longe está o estupro de quem
aprendeu desde cedo a tratar pessoas como objetos e relacionamentos
amorosos como momentos? Quão longe está o estupro de uma pessoa que não
vê o sexo e a própria vida das pessoas como elementos sagrados? Aliás, o
que é o relacionamento amoroso pregado pelo secularismo senão a uma
associação temporária entre pessoas que querem se tratar mutuamente como
objetos? Que tipo de defesa contra instintos sexuais perversos pode ter
uma pessoa que despreza o casamento, a família, o amor e os limites?
O fato bruto e inescapável é que se nada disso é sagrado, o estupro nada
profana. Não se pode profanar o que não é sagrado. O que se chama por
aí de cultura do estupro na verdade é a cultura da permissividade.
Trocamos a sacralidade do sexo, e de tudo o mais que com ele se
relaciona, pela sacralidade do prazer próprio. "Faça aquilo que te faz
feliz". O secularista não pensa estar dando o aval, com isso, para que
os mais permissivos tornem-se estupradores. Julgam que quem já subiu
dezenove degraus não subirá vinte. Eu não possuo essa fé.
Os dois estupros coletivos que ficaram famosos nos últimos dias levantam
uma questão bastante importante: por que o estupro é algo que incomoda
tanto a maioria esmagadora das pessoas? Por que é considerado algo tão
hediondo pelas sociedades humanas em geral? Minha intenção não é
contradizer esse senso moral. O estupro realmente é abominável, concordo
e ratifico. Mas por quê? Note que entre os animais, por exemplo,
estupros fazem parte do cotidiano. É coisa bastante normal. E, até onde
sabemos, as fêmeas não ficam psicologicamente abalada após sofrerem
tentativas de cópula forçada com algum macho que nunca viu na vida.
Tampouco outros machos parecem se importar com o comportamento de seu
colegas de espécie. Por que, para os animais, o sexo forçado e com um
estranho, não incomoda tanto, não é abominável, não possui o mesmo
significado que para nós, humanos?
A resposta é simples. Para o ser humano, a relação sexual não é uma
atividade qualquer. Há na relação sexual uma seriedade, uma sacralidade,
uma relevância que não existe em atividades comuns do cotidiano. O sexo
humano vai muito além de uma mera troca de fluídos corporais, de um
mecanismo físico para gerar filhos, de uma atividade prazerosa. Ele
requer intimidade, uma intimidade que não se limita ao nível físico, mas
à todos os níveis do relacionamento humano. É uma união não apenas de
dois corpos, mais de duas mentes, de duas psiquês, de dois espíritos, de
duas almas. É o complemento, o selo, a cobertura de todo um processo de
conhecimento, de apoio mútuo, de confiança plena, em suma, de amor.
O sexo humano não é algo banal, algo que tenha sido projetado para se
fazer com qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar. Tanto não é
que sabemos distinguir as coisas. Você está andando na rua e, de
repente, uma pessoa que você não conhece passa por você e aperta a sua
mão. Estou certo que isso não o abalará psicologicamente. A maioria das
pessoas apenas acharia isso estranho. Algumas levariam um pequeno susto.
Mas ninguém carregaria essa lembrança com dor e sofrimento por anos e
anos. Aliás, não é preciso muito para que aceitemos um aperto de mão de
alguém ou até um beijo no rosto. Em culturas mais abertas, como a do
Brasil (sobretudo, a carioca) beijamos no rosto até quem conhecemos há
cinco minutos. E um beijo roubado, na boca, por mais desagradável que
possa ser para quem não queria beijar, jamais será tão horrível quanto
um estupro. Preferimos apertar a mão de um mendigo visivelmente sujo à
fazer sexo com alguém com quem não queremos ter esta relação. Por quê?
Porque sexo não é uma atividade qualquer.
Aqui nos encontramos em uma encruzilhada. Se por um lado todos parecem
concordar que o sexo humano é algo tão sério e íntimo que transforma o
estupro em ato hediondo (e que fere com profundidade as emoções da
pessoa violentada), por outro lado, boa parte da sociedade enxerga (e
prega) que sexo não é algo solene e sacro, mas corriqueiro e profano
como praticamente quaisquer outras atividades. Uso as palavras "sagrado"
e "profano" aqui não no sentido religioso, mas no sentido de relevância
ímpar, que requer observação mais respeitosa.
Para estes que veem o sexo com olhos profanos, tal atividade não requer
nada mais que pessoas interessadas em praticá-la. Não se enxerga aqui
necessidade de vincular o sexo ao amor, ao casamento, à fidelidade
conjugal, ao companheirismo, à paciência para com o outro, à intimidade
não-física. O sexo humano aqui é rebaixado ao animalesco, com a
diferença de que, como seres racionais podemos evitar o fim último do
instinto sexual: a procriação. Nesta concepção, não há sacralidade no
sexo, tal como não há sacralidade em puxar assunto com o jornaleiro ou
comer pizza com um amigo. É coisa boba, comum, que não exige
responsabilidade ou sentimentos nobres. Uma diversão como outra
qualquer.
Sexo casual, sexo com diversas pessoas ao longo da vida, sexo entre
adolescentes, sexo com parceiros temporários... Em todas essas
modalidades falta algo de humano na relação sexual, algo que nos
distingue dos animais, algo que faz o sexo ser realmente distinta das
demais atividades, não apenas em grau de satisfação, mas em natureza, em
essência. Aliás, essa é a diferença entre o sagrado e o profano.
Pode-se comparar comer chocolate a comer queijo e cada um dirá o que,
para si, é melhor em grau de satisfação. Mas não se pode comparar comer
chocolate a fazer uma oração a Deus. A diferença não está no grau de
satisfação, mas na natureza distinta das duas coisas. Orar é melhor não
por grau; é melhor não porque, na mesma lista de atividades comuns, está
acima de comer chocolate; é melhor porque está em outra lista, uma
lista sagrada. Não há chocolate na lista sagrada. As modalidades
elencadas acima não contam com essa diferenciação.
Um colega meu mora com uma moça. Vivem como casados, mas não o são no
papel. Não o são porque não desejam fazê-lo. O que essa aliança está
dizendo, na prática, é que existe a possibilidade de um dia de haver
rompimento. Preferível é para eles não criar burocracias que venham
atrapalhar este possível rompimento futuro. Ora, evidentemente,
casamento não é a mera assinatura de um papel perante o Estado.
Casamento é uma aliança eterna e incondicional firmada entre um casal, a
qual não vê problemas em formalizá-la perante o Estado, à Igreja e
quaisquer outras instituições, já que a hipótese de rompimento é
desconsiderada pelos cônjuges. E é este o ponto: fora do casamento, o
sexo perde sua sacralidade. Ainda que no interior de uma relação
semelhante a um casamento e com vários anos de duração, ele será uma
atividade tão rompível quanto à aliança no qual está inserido. E, por
consequência, torna-se atividade passível de ser praticada com um novo
parceiro quantas vezes sua aliança com um parceiro antigo der errado. A
simples possibilidade de isso ocorrer já retira do sexo seu caráter
sacro.
A relação sexual humana só alcança um caráter totalmente humano, isto é,
sagrado, solene, respeitoso, importante, quando envolve-se de
eternidade; e só envolve-se de eternidade quando se encontra no interior
dessa aliança eterna chamada casamento. É aqui, e apenas aqui, que cada
uma das duas partes envolvidas na relação sexual será vista pela outra
como insubstituível. A partir do momento em que, para mim, relação
sexual é sinônimo de relação sexual com uma pessoa específica, essa
pessoa específica se tornará mais importante que o próprio sexo, a ponto
de que, sem ela, não existe sexo. Ora, nada, portanto, pode tornar o
sexo mais solene, sagrado, nobre, esplêndido, importante, belo, elevado,
terno do que o casamento. No casamento o sexo torna-se algo único, algo
de natureza completamente diferente de quaisquer outras atividades
comuns. Não é mais uma mera diversão. É a extensão do profundo amor que
se sente por uma pessoa, uma única pessoa, a única pessoa com quem esta
atividade vale à pena, com a qual esta atividade tem real significado.
Em outros textos já afirmei que o secularismo nada mais é do que um
cristianismo distorcido, esvaziado, desfigurado, onde procura-se retirar
dele Jesus e mais tudo o que não convém aos desejos carnais, deixando
apenas o que pode ser útil. O secularista é aquele que senta na cadeira
com a Bíblia nas mãos e uma navalha, e põe-se a cortar aquilo que não
quer seguir, deixando no entanto o suficiente para que dele não se diga:
"Você é um monstro moral, hein!". Do sexo, o secularismo deseja apenas o
prazer físico. É conveniente jogar fora toda a responsabilidade e
sacralidade envolvida na atividade, a fim de que seja mais fácil
divertir-se por aí. A maldição do secularista, no entanto, é que não se
pode esvaziar o sexo humano dessa maneira sem fazer com que ele deixe de
ser humano. As com sequencias são desastrosas.
Uma sociedade em que o sexo paulatinamente deixe sua áurea sacra e
solene, também paulatinamente deixará de ser humana. Na medida em que o
sexo é jogado na lista de atividades comuns e banais, também casamento,
família, fidelidade, sacrifício, paciência, negação própria e amor
deixarão a lista de coisas sagradas. E quando estas coisas não mais são
sagradas, elas não mais são o que são; elas se perdem; elas deixam de
existir porque se distanciam de suas essências. Se o amor está no mesmo
patamar que o apreço por jogar baralho, não existe mais amor. Ao mesmo
tempo, na lista das coisas sagradas, nos lugares antes pertencentes ao
que era nobre, passa a figurar as alianças temporárias, as relações
espúrias, as famílias desestruturadas, a infidelidade, o egoísmo, o
egocentrismo, a impaciência, o hedonismo, a mágoa, a vingança, a falta
de limites, o desrespeito, o orgulho, a soberba, a frieza.
O que o secularismo vem fazendo com as pessoas senão isso? Que mensagem o
secularismo traz sobre o sexo? "Faça com quem quiser, quando quiser,
com a idade que quiser. Apenas preocupe-se em usar preservativos". Há
quem ache a mensagem inofensiva. Será? Músicas como o funk "Baile de
Favela" ("E os menor preparado pra f**** com a xota dela") não surgiram
em 1920, de um dia para o outro, contando com diversos ouvintes e
defensores. Ninguém aceitaria isso naquela época. As coisas não se mudam
tão bruscamente. Não se sobe vinte degraus saltando do primeiro ao
vigésimo. Assistimos sentados a sociedade ser moldada, aceitar a
revolução sexual, o incentivo ao divórcio e a destruição dos valores
familiares. Assistimos sentados o sexo ser banalizado, distribuído aos
jovens e adolescentes como barras de chocolate. Assistimos sentados
músicas, filmes e até mesmo aulas de escolas e universidades
incentivarem a promiscuidade, transformando o sexo em algo animalesco,
desprovido de toda a humanidade que deveria ter.
Volto-me para os estupros coletivos mencionados no início do texto e
pergunto: será que os homens que cometeram tão hediondo crime possuem
uma concepção eterna de casamento? Será que eles entendem a relação
sexual humana como sagrada, solene e de natureza diferente de todas as
demais atividades comuns? Será que são casados? Será que para eles sexo é
sinônimo de sexo com suas esposas? Será que amam profundamente suas
esposas? Será que apreciam a noção de fidelidade conjugal? Casaram-se
virgens? Entenderam a importância de se guardarem castos para a pessoa
com a qual compartilhará até a alma? Sabem o que é amar uma mulher?
Sabem qual é a importância de uma família sólida? Estão acostumados a
colocar de lado o egoísmo, à negar-se a si mesmo, a sacrificar-se por
alguém que ama? Ou será que são pessoas acostumadas a sexo casual, a
lugares promíscuos, à músicas indecentes, a hábitos e pensamentos
egoístas? Sabemos a resposta.
O secularismo não percebe que ao jogar fora a sacralidade do sexo e
assim ensinar à sociedade, joga fora também limites morais. Não é um
salto para o vigésimo degrau. Sobe-se um degrau de cada vez. Para quem
está no degrau 17, o degrau 20 não está distante. Então, eu pergunto:
quão distante está o estupro para alguém que, desde pequeno, aprendeu
que sexo é apenas uma atividade como qualquer outra? Quão distante está o
estupro para alguém que desde pequeno foi estimulado por músicas,
filmes e bailes a amar mais o prazer sexual do que a pessoa escolhida
para fazer sexo?
Quão distante está o estupro para alguém que vive em
lugares onde negar seus instintos é a última coisa que se ensina, e onde
estar em êxtase é a única regra? Quão longe está o estupro de quem
aprendeu desde cedo a tratar pessoas como objetos e relacionamentos
amorosos como momentos? Quão longe está o estupro de uma pessoa que não
vê o sexo e a própria vida das pessoas como elementos sagrados? Aliás, o
que é o relacionamento amoroso pregado pelo secularismo senão a uma
associação temporária entre pessoas que querem se tratar mutuamente como
objetos? Que tipo de defesa contra instintos sexuais perversos pode ter
uma pessoa que despreza o casamento, a família, o amor e os limites?
O fato bruto e inescapável é que se nada disso é sagrado, o estupro nada
profana. Não se pode profanar o que não é sagrado. O que se chama por
aí de cultura do estupro na verdade é a cultura da permissividade.
Trocamos a sacralidade do sexo, e de tudo o mais que com ele se
relaciona, pela sacralidade do prazer próprio. "Faça aquilo que te faz
feliz". O secularista não pensa estar dando o aval, com isso, para que
os mais permissivos tornem-se estupradores. Julgam que quem já subiu
dezenove degraus não subirá vinte. Eu não possuo essa fé.
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