domingo, 12 de junho de 2016

Para Dilma, Temer planeja “quebrar” os programas sociais. Só tem um problema: ela já fez isso.



Eleita graças ao apelo de programas sociais e reiteradas promessas de que, ao contrário dos tucanos, não cortaria benefícios e direitos trabalhistas, Dilma Rousseff não precisou de mais do que alguns dias de governo para mostrar que sua administração seguiria um rumo completamente distinto daquele que a elegeu. 


Há poucos dias do fim de seu mandato, acusando o futuro governo Temer de tramar “quebrar” os programas sociais, Dilma é um desses casos que expõem a dissimulação ideológica nacional, podendo ostentar o título de presidente que mais cortou verbas na educação nas últimas três décadas ao mesmo tempo em que vê seu governo ser apoiado por 55 dos 56 reitores de universidades federais.


Contrariando o que supõe o mito popular da “vontade política”, criar programas sociais e investir na melhoria do bem-estar da população não é algo que dependa apenas da boa vontade dos governantes: depende de dinheiro. Ao contrário do que disse o ex-ministro da educação, Cid Gomes, professores não trabalham por amor e boa vontade não paga suas contas no final do mês. Nem as do governo.




Acostumados a uma época onde a economia e a arrecadação cresciam na casa dos dois dígitos, governantes tornaram comum distribuir benesses e criar grandes programas ou obras para espalhar seu nome. Funcionários públicos puderam receber enormes aumentos e o número de concursos não parou de crescer. O inchaço parecia eterno.


Não foi preciso mais do que um pequeno descompasso entre receita e despesa, no entanto, para que ficasse clara a falta de organização das contas públicas. Ao longo de quatro anos, Dilma e sua equipe econômica concederam nada menos do que R$ 486 bilhões em subsídios, e levaram a dívida pública a atingir R$ 4 trilhões


 Agora, num momento onde o governo atingirá seu terceiro déficit primário nas contas (os três primeiros nos últimos 20 anos), a única saída possível foi realizar cortes nos gastos.



Sem ter ousado mudar a estrutura de gastos nos últimos anos, o mesmo governo que distribuiu benefícios, agora se vê obrigado a tirá-los. E a razão é relativamente simples. Cerca de 80% do orçamento público está engessado e não pode ser alterado por governo algum. 



Em boa parte, esses desmbolsos representam benefícios da previdência e outros gastos cuja correção pela inflação é assegurada por lei. Dentre os 20% restantes, estão todos os programas sociais propagados pelo governo – e acredite, eles podem ser cortados sem grande dificuldade.


1. Creches e pré-escolas (corte de 87%)



O lema Pátria Educadora, com o qual o governo esperava pautar seu segundo mandato, parece não ter resistido sequer aos primeiros meses da reeleição. E a razão se explica: o anúncio que as contas públicas haviam registrado o pior resultado da história em 2014 forçou Dilma a mudar de rumo.


Uma das áreas mais afetadas pelo ajuste fiscal que se seguiu, o Ministério da Educação, teve R$ 9,2 bilhões cortados de seu orçamento apenas este ano. Do total, cerca de 1/3, ou R$ 3,4 bilhões se referem a investimentos em creches e pré-escolas, além de quadras esportivas nos colégios.


A ideia de ter 100% das crianças de 4 e 5 anos em pré-escolas teve de ser adiada, a falta de financiamento pesou, e como fica evidente, a obrigatoriedade em lei deste percentual não foi suficiente para realizá-lo.

2. Pronatec (corte de 59%)



Há tempos que campanhas políticas perderam o peso da espontaneidade. Foi baseada em uma pesquisa interna, que garantia a boa aceitação do programa Pronatec (o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que a candidata Dilma Rousseff baseou boa parte do seu discurso em 2014. 


O caso, que chegou ao extremo de sugerir a uma economista formada e desempregada que utilizasse do curso para se recolocar no mercado num debate presidencial, marcou a campanha, mas não foi suficiente para salvar o programa em tempos de cortes de gastos.


Depois de um estudo do próprio governo que classificou o programa como irrelevante para ampliar a formalização do mercado de trabalho e garantir a realocação dos trabalhadores, o corte também chegou à estrela de campanha. O programa que recebeu R$ 4,002 bilhões em verba em 2015, deve contar com R$ 1,64 bilhão em 2016. Um corte de 59%.


3. Ciência Sem Fronteiras (corte de 40%)



Criado por Dilma em 2011, o Ciência sem fronteiras é um caso típico de programa efetuado sob uma realidade fiscal bastante distinta. A abundância de recursos sentida em 2011, em boa parte graças ao crescimento da economia de 2010, levou o governo a patrocinar um programa que, em essência, tratava-se de mandar recursos para fora do país, na esperança de que parte dos alunos usufruísse de uma educação de melhor nível ao redor do mundo.


O programa, que ao longo de 4 anos enfrentou alguns desafios, como o baixíssimo nível de inglês de boa parte dos alunos participantes e a falta de compromisso dos estudantes em participar das aulas, chegou a ganhar os apelidos de “Turismo sem fronteiras” e “Bolsa classe média”. Não foram poucas as acusações de que os alunos estavam mais interessados em fazer qualquer outra coisa que não fosse valer os recursos investidos.


Custando R$ 3 bilhões anuais, o Ciência Sem Fronteiras tornou-se um custo e desgaste excessivo para o governo. Cerca de 1 em cada 3 alunos enviados ao exterior foi inicialmente rejeitado pela baixa fluência do idioma, o que acabou custando ao governo algumas centenas de milhões extras para mantê-los. Com a crise, o resultado era inevitável: o mais caro curso de inglês do mundo deve ter seu orçamento cortado em 40%.


4. PAC Saneamento (corte de 72%)



Com R$ 25,9 bilhões a menos para este ano, o Programa de Aceleração do Crescimento (que ainda existe, mesmo com a economia na maior recessão em oito décadas) deve afetar sensivelmente áreas de interesse social – dentre elas, a de saneamento.


Com menos de 30% das 337 obras de saneamento concluídas, o corte deve reduzir o orçamento para 2016 dos atuais R$ 2,875 bilhões pra R$ 0,826 bilhão, ampliando um problema crônico no país. Estima-se que cada R$ 1 investido em saneamento gere uma economia de R$ 4 gastos em saúde. Segundo a ONG Trata Brasil, no entanto, o país ocupa a 112º posição no ranking mundial de saneamento básico. A cobertura das residências avançou nos últimos 10 anos abaixo da média histórica do país, tornando a universalização ainda mais distante.


5. Minha Casa Minha Vida (corte de 74%)


Criado com o intuito de atender a população com renda de até três salários mínimos, responsável por mais de 2/3 do déficit habitacional no país, o programa Minha Casa Minha Vida se tornou um exemplo de como programas de governo tendem a ser capturados por certos interesses. Com a benção do PT, o programa se tornou um agente de crescimento econômico, mais do que um programa para extinguir o déficit de moradias que afeta 5,24 milhões de famílias.


Na onda do programa que se somou à expansão galopante do crédito habitacional, dezenas de construtoras abriram seu capital na bolsa de valores e o setor da construção civil viu, além dos preços dos imóveis, os seus lucros dispararem. O custo de manter os subsídios, entretanto, pesou no orçamento deste ano. A expectativa do governo é gastar, em 2016, R$ 6,9 bilhões a menos com o programa.


6. FIES (corte de 5%)



Como o próprio nome sugere, o FIES é um fundo, com recursos limitados e vinculados a determinadas receitas. Além dos reembolsos de empréstimos antigos, o fundo se alimenta ainda de parte do orçamento do Ministério da Educação e da renda de loterias da Caixa. Tal composição delicada quando mal gerida é capaz de provocar diversos danos, em especial aqueles que acreditam que os cheques possuem origem na boa vontade dos políticos.



De fato, a expansão desenfreada do FIES gerou um crescimento sem precedentes do setor de educação no Brasil. Temos hoje algumas das maiores empresas do setor no mundo (ainda que educação no Brasil pague mais impostos que o sistema financeiro) – entre elas, a Kroton, a maior companhia de educação do planeta, com mais de 1 milhão de alunos (para se ter uma ideia, o governo federal possui em todas as suas universidades por volta de 1,2 milhão de alunos).



O ano eleitoral coincidiu com um desembolso recorde por parte do fundo – um número nunca antes visto de bolsas, que atingiu 732 mil contratos em 2014. Em 2015, passadas as eleições, a expectativa do MEC é liberar 250 mil bolsas novas. Na Pátria Educadora, a lição a ser aprendida parece ser a de que o mais bem intencionado dos governos ainda está sujeito aos limites da realidade.


7. Bolsa Família (corte de 5,7%)



O maior programa social brasileiro também não deverá passar em branco na onda de revisões e cortes de gastos feita pelo governo. Apesar do recente anúncio de aumento nas verbas, o Bolsa Família terá em 2016 um orçamento quase R$ 2 bilhões menor, em boa parte porque inúmeros beneficiários deverão ser descredenciados (como ocorre todo ano em função da revisão da renda), mas também pela revisão do benefício abaixo da inflação.


Com uma inflação que em 2015 atingiu 10,67%, o reajuste de 9% concedido pelo governo no dia do trabalhador é, portanto, insuficiente para cobrir os custos, levando assim a uma queda no poder de compra e disfarçando o corte.


O PT sairá do poder com as contas públicas tão deterioradas que não conseguirá sequer manter os gastos do maior responsável por seu sucesso eleitoral até aqui. Mas de uma coisa não resta dúvida: se depender do marketing político, o partido não medirá esforços para colocar tudo isso na conta do novo governo.

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