Brasil 9 de maio de 2016
Eleita
graças ao apelo de programas sociais e reiteradas promessas de que, ao
contrário dos tucanos, não cortaria benefícios e direitos trabalhistas,
Dilma Rousseff não precisou de mais do que alguns dias de governo para
mostrar que sua administração seguiria um rumo completamente distinto
daquele que a elegeu.
Há poucos dias do fim de seu mandato, acusando
o futuro governo Temer de tramar “quebrar” os programas sociais, Dilma é
um desses casos que expõem a dissimulação ideológica nacional, podendo
ostentar o título de presidente que mais cortou verbas na educação nas últimas três décadas ao mesmo tempo em que vê seu governo ser apoiado por 55 dos 56 reitores de universidades federais.
Contrariando
o que supõe o mito popular da “vontade política”, criar programas
sociais e investir na melhoria do bem-estar da população não é algo que
dependa apenas da boa vontade dos governantes: depende de dinheiro. Ao
contrário do que disse
o ex-ministro da educação, Cid Gomes, professores não trabalham por
amor e boa vontade não paga suas contas no final do mês. Nem as do
governo.
Acostumados
a uma época onde a economia e a arrecadação cresciam na casa dos dois
dígitos, governantes tornaram comum distribuir benesses e criar grandes
programas ou obras para espalhar seu nome. Funcionários públicos puderam
receber enormes aumentos e o número de concursos não parou de crescer. O
inchaço parecia eterno.
Não foi
preciso mais do que um pequeno descompasso entre receita e despesa, no
entanto, para que ficasse clara a falta de organização das contas
públicas. Ao longo de quatro anos, Dilma e sua equipe econômica
concederam nada menos do que R$ 486 bilhões em subsídios, e levaram a dívida pública a atingir R$ 4 trilhões.
Agora, num momento onde o governo atingirá seu terceiro déficit
primário nas contas (os três primeiros nos últimos 20 anos), a única
saída possível foi realizar cortes nos gastos.
Sem ter
ousado mudar a estrutura de gastos nos últimos anos, o mesmo governo que
distribuiu benefícios, agora se vê obrigado a tirá-los. E a razão é
relativamente simples. Cerca de 80% do orçamento público está engessado e
não pode ser alterado por governo algum.
Em boa parte, esses desmbolsos
representam benefícios da previdência e outros gastos cuja correção
pela inflação é assegurada por lei. Dentre os 20% restantes, estão todos
os programas sociais propagados pelo governo – e acredite, eles podem
ser cortados sem grande dificuldade.
1. Creches e pré-escolas (corte de 87%)
O lema Pátria Educadora,
com o qual o governo esperava pautar seu segundo mandato, parece não
ter resistido sequer aos primeiros meses da reeleição. E a razão se
explica: o anúncio que as contas públicas haviam registrado o pior
resultado da história em 2014 forçou Dilma a mudar de rumo.
Uma das áreas mais afetadas pelo ajuste fiscal que se seguiu, o Ministério da Educação, teve R$ 9,2 bilhões cortados de seu orçamento apenas este ano. Do total, cerca de 1/3, ou R$ 3,4 bilhões se referem a investimentos em creches e pré-escolas, além de quadras esportivas nos colégios.
A ideia de
ter 100% das crianças de 4 e 5 anos em pré-escolas teve de ser adiada, a
falta de financiamento pesou, e como fica evidente, a obrigatoriedade
em lei deste percentual não foi suficiente para realizá-lo.
2. Pronatec (corte de 59%)
Há tempos
que campanhas políticas perderam o peso da espontaneidade. Foi baseada
em uma pesquisa interna, que garantia a boa aceitação do programa Pronatec
(o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que a
candidata Dilma Rousseff baseou boa parte do seu discurso em 2014.
O
caso, que chegou ao extremo de sugerir a uma economista formada e
desempregada que utilizasse do curso para se recolocar no mercado num
debate presidencial, marcou a campanha, mas não foi suficiente para
salvar o programa em tempos de cortes de gastos.
Depois de um estudo do próprio governo que classificou o programa como irrelevante para
ampliar a formalização do mercado de trabalho e garantir a realocação
dos trabalhadores, o corte também chegou à estrela de campanha. O
programa que recebeu R$ 4,002 bilhões em verba em 2015, deve contar com R$ 1,64 bilhão em 2016. Um corte de 59%.
3. Ciência Sem Fronteiras (corte de 40%)
Criado por
Dilma em 2011, o Ciência sem fronteiras é um caso típico de programa
efetuado sob uma realidade fiscal bastante distinta. A abundância de
recursos sentida em 2011, em boa parte graças ao crescimento da economia
de 2010, levou o governo a patrocinar um programa que, em essência,
tratava-se de mandar recursos para fora do país, na esperança de que
parte dos alunos usufruísse de uma educação de melhor nível ao redor do
mundo.
O
programa, que ao longo de 4 anos enfrentou alguns desafios, como o
baixíssimo nível de inglês de boa parte dos alunos participantes e a
falta de compromisso dos estudantes em participar das aulas, chegou a
ganhar os apelidos de “Turismo sem fronteiras” e “Bolsa classe média”.
Não foram poucas as acusações de que os alunos estavam mais interessados
em fazer qualquer outra coisa que não fosse valer os recursos
investidos.
Custando
R$ 3 bilhões anuais, o Ciência Sem Fronteiras tornou-se um custo e
desgaste excessivo para o governo. Cerca de 1 em cada 3 alunos enviados
ao exterior foi inicialmente rejeitado pela baixa fluência do idioma,
o que acabou custando ao governo algumas centenas de milhões extras
para mantê-los. Com a crise, o resultado era inevitável: o mais caro
curso de inglês do mundo deve ter seu orçamento cortado em 40%.
4. PAC Saneamento (corte de 72%)
Com R$
25,9 bilhões a menos para este ano, o Programa de Aceleração do
Crescimento (que ainda existe, mesmo com a economia na maior recessão em
oito décadas) deve afetar sensivelmente áreas de interesse social –
dentre elas, a de saneamento.
Com menos de 30% das 337 obras de saneamento concluídas, o corte
deve reduzir o orçamento para 2016 dos atuais R$ 2,875 bilhões pra R$
0,826 bilhão, ampliando um problema crônico no país. Estima-se que cada
R$ 1 investido em saneamento gere uma economia de R$ 4 gastos em saúde.
Segundo a ONG Trata Brasil, no entanto, o país ocupa a 112º posição
no ranking mundial de saneamento básico. A cobertura das residências
avançou nos últimos 10 anos abaixo da média histórica do país, tornando a
universalização ainda mais distante.
5. Minha Casa Minha Vida (corte de 74%)
Criado com
o intuito de atender a população com renda de até três salários
mínimos, responsável por mais de 2/3 do déficit habitacional no país, o
programa Minha Casa Minha Vida se tornou um exemplo de como programas de
governo tendem a ser capturados por certos interesses. Com a benção do
PT, o programa se tornou um agente de crescimento econômico, mais do que
um programa para extinguir o déficit de moradias que afeta 5,24 milhões de famílias.
Na onda do
programa que se somou à expansão galopante do crédito habitacional,
dezenas de construtoras abriram seu capital na bolsa de valores e o
setor da construção civil viu, além dos preços dos imóveis, os seus
lucros dispararem. O custo de manter os subsídios, entretanto, pesou no
orçamento deste ano. A expectativa do governo é gastar, em 2016, R$ 6,9
bilhões a menos com o programa.
6. FIES (corte de 5%)
Como o
próprio nome sugere, o FIES é um fundo, com recursos limitados e
vinculados a determinadas receitas. Além dos reembolsos de empréstimos
antigos, o fundo se alimenta ainda de parte do orçamento do Ministério
da Educação e da renda de loterias da Caixa. Tal composição delicada
quando mal gerida é capaz de provocar diversos danos, em especial
aqueles que acreditam que os cheques possuem origem na boa vontade dos
políticos.
De fato,
a expansão desenfreada do FIES gerou um crescimento sem precedentes do
setor de educação no Brasil. Temos hoje algumas das maiores empresas do
setor no mundo (ainda que educação no Brasil pague mais impostos que o
sistema financeiro) – entre elas, a Kroton, a maior companhia de
educação do planeta, com mais de 1 milhão de alunos (para se ter uma
ideia, o governo federal possui em todas as suas universidades por volta
de 1,2 milhão de alunos).
O ano
eleitoral coincidiu com um desembolso recorde por parte do fundo – um
número nunca antes visto de bolsas, que atingiu 732 mil contratos em
2014. Em 2015, passadas as eleições, a expectativa do MEC é liberar 250 mil bolsas novas.
Na Pátria Educadora, a lição a ser aprendida parece ser a de que o mais
bem intencionado dos governos ainda está sujeito aos limites da
realidade.
7. Bolsa Família (corte de 5,7%)
O maior
programa social brasileiro também não deverá passar em branco na onda de
revisões e cortes de gastos feita pelo governo. Apesar do recente
anúncio de aumento nas verbas, o Bolsa Família terá em 2016 um orçamento
quase R$ 2 bilhões menor, em boa parte porque inúmeros beneficiários
deverão ser descredenciados (como ocorre todo ano em função da revisão
da renda), mas também pela revisão do benefício abaixo da inflação.
Com uma inflação que em 2015 atingiu 10,67%, o reajuste de 9% concedido
pelo governo no dia do trabalhador é, portanto, insuficiente para
cobrir os custos, levando assim a uma queda no poder de compra e
disfarçando o corte.
O PT sairá
do poder com as contas públicas tão deterioradas que não conseguirá
sequer manter os gastos do maior responsável por seu sucesso eleitoral
até aqui. Mas de uma coisa não resta dúvida: se depender do marketing
político, o partido não medirá esforços para colocar tudo isso na conta
do novo governo.
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