quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O Brasil está morto! Viva o Brasil!


by Fernão


0-2
Marcada pela ambiguidade a cena foi uma síntese do momento brasileiro. No “banco dos réus” o ministro Meirelles e a PEC 241 de salvação dos 22,7 milhões de desempregados, subempregados e “desativados” pela explosão do déficit que paralisou o país constrangido a uma espécie de “autocrítica”; na “cátedra” à volta, toda a cúpula do Judiciário, um dos grandes detonadores dessa explosão, exigindo dele a reiteração da vassalagem ao conceito de "autonomia dos poderes", versão pervertida do princípio de "independência dos poderes" nas democracias sem cuja retificação não será possível desapertar o garrote do pescoço dos miseráveis do Brasil.


Foi na sexta-feira, 14, no gabinete da presidente do STF, ministra Carmen Lucia, e estavam lá, além da imprensa, os presidentes do TSE, Gilmar Mendes; do STJ, Laurita Vaz; do Superior Tribunal do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho; do Superior Tribunal Militar, William de Oliveira Barros e mais a Advogada Geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça. 




Mais de um entre eles fez questão de tomar posição a favor das reformas mas, como reagiam a um documento patrocinado pela Procuradoria Geral da Republica, pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público assinado por vários juízes apedrejando a PEC 241 como "inconstitucional" e atentatória à sua versão de "democracia", estavam entre a cruz e a caldeira. Botando panos quentes mas não sem, antes, reafirmar o “direito” dos privilegiados do Brasil aos privilégios que eles próprios se outorgam, inscrito na Constituição que ele está.
0-2
É um estranho interregno este que vivemos. É ilegal fazer justiça no país que a “Constituição dos Miseráveis” criou. Tudo nele é privilégio, discriminação e mentira e todo mundo sabe disso mas continua sendo proibido dizê-lo, sob as penas da lei que há, a escrita e a não escrita.


Em palestra recente a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, deu os últimos dados conhecidos da previdência pública, ainda de 2013. São 4,2 milhões, somados, os aposentados e pensionistas da União, dos estados e dos municípios. O déficit dessa conta correspondeu naquele ano a 3,8% do PIB. Aplicada a porcentagem ao PIB estimado para 2016, de R$ 6,2 tri, estaríamos falando de um rombo de R$ 237 bilhões. 



O déficit da conta dos 28,3 milhões de aposentados e pensionistas do resto do Brasil inteiro somados foi de R$ 85,8 bilhões no ano passado e de estimados R$ 148,7 bi este ano. 6,7 vezes menos gente custando 1,6 vezes mais dinheiro. Uma coisa multiplicada pela outra e temos que nós estamos valendo, na média, 10,7 vezes menos que eles.
0-2
Como chegamos a isso?
Raul Velloso, que assessora governadores do Sul e Sudeste para medir a catástrofe que têm nas mãos, conta que ha nos estados e na União cinco “donos do orçamento” que, invocando a tal "autonomia", “agem como se tivessem indulgência divina para gastar”. São eles – bingo! – o Legislativo, o Judiciário, os Tribunais de Contas, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Nos estados esse grupo come sozinho 60% da receita líquida corrente, mas não é só. 


Junto com saúde e educação que também têm um pedaço do orçamento constitucionalmente garantido, ninguém nesses sete setores paga os direitos previdenciários de seus empregados. Saem contratando e empurram a conta para os tesouros estaduais que, por sua vez, não contabilizam essa despesa nas suas folhas de salário, o que faz da regra de ouro da Lei de Responsabilidade Fiscal (máximo de 49% das receitas para pessoal) letra morta. 



Para realmente "servir o público", as migalhas e...o caríssimo dinheiro dos bancos. Assim cavado, o déficit atuarial das previdências estaduais está hoje acumulado em R$ 2,4 trilhões. Na União dá-se o mesmo; cinco “donos” mais alguns associados adicionais relativos aos “gastos sociais” levam a apropriação do orçamento federal a 80%.
0-2
O Estado é, porém, um péssimo distribuidor de riqueza também dentro das suas fronteiras. Os funcionários recebem, em média, aposentadorias de R$ 5.108,00 enquanto o brasileiro que pagou todas as contribuições só R$ 1.356,00. Mas também lá a grande maioria está abaixo da média. 


Ganham muito, mas muito mesmo, mediante as gambiarras de sempre, um milhãozinho de pessoas, se tanto. E quase todos, é claro, vêm das cinco corporações + dois "sócios" que são “donas” dos orçamentos públicos.


Nem o “teto” da PEC 241, que terá de ser alcançado esmagando a fatia “sem dono” (ou seja, nossa) dos orçamentos, nem as alterações até aqui mencionadas para a previdência de todos nós, conquanto também necessárias pelas razões sócio-demográficas que todo mundo aceita, serão capazes de por o Brasil de volta nos trilhos sem tocar nos privilégios desse milhãozinho de “marajás” a quem a tal “Constituição Cidadã” entregou o país bem amarrado.
0-2
A reunião acima descrita ilustra vivamente porque um governo interino só pode ir até onde já foi na discussão desse problema. Mas não havendo mais como estabilizar qualquer governo no poder com o Estado reduzido à incapacidade de pagar os seus protegidos todos de tanto que deve a tão poucos, um valor mais alto se alevanta. Daí estar “o impensável” acontecendo bem diante dos nossos olhos. É o PMDB quem maldisfarçadamente puxa a “denuncia” da mazela mais radical do “Sistema”. 


Não é mais a imprensa que trabalha para nos mostrar o que os governantes gostariam de esconder, são eles que conspiram para levá-la a revelar os fatos que, até aqui, pouco tem feito para expor inteiros. E isto porque sabe que a verdade sobre os números e, principalmente, sobre os personagens da pontinha mais dourada da "privilegiatura" da previdência pública é uma daquelas que não se suporta a si mesma. A sua mera exposição precipitará o desmoronamento do “Sistema”.


Esse Brasil das tetas desbragadas acabou. Não cabe mais em si mesmo nem no mundo. E quem contribuir por ação ou por omissão para prolongar e aprofundar a miséria que custa mantê-lo insepulto, não vai ter lugar no próximo que vem vindo aí.
0-2

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Aborto é assassinato


Este texto foi publicado também no blog Mundo Analista. Para ler por lá, clique aqui
aborto
Não, a discussão sobre o aborto não é uma questão de saúde pública, ou econômica, ou de escolha individual. A discussão sobre o aborto é uma questão de moral. E a pergunta que deve iniciar e orientar a questão, a única pergunta realmente importante, é a seguinte: o ser que há no útero da mulher grávida é uma vida humana ou não?



Ora, quer olhemos pelo viés científico, quer pelo viés lógico, não há qualquer razão plausível para considerar que o ser intrauterino não seja uma vida humana. Não, ele não é uma célula da mãe ou uma célula do pai. No momento em que o espermatozoide fecunda o óvulo, temos ali a união de duas células, formando algo novo: um zigoto, que se desenvolverá naturalmente. É um novo ser em formação e não mera parte do pai ou mera parte da mãe.



Não, não se trata de uma potencial vida, mas de uma vida já em formação. Sim, trata-se de um organismo, por mais que ainda dependa de sua hospedeira, a mãe. É um ser humano, claro! Não poderia ser um elefante. Pode não ter autoconsciência, mas quem disse que a humanidade se define pela autoconsciência? Alguém que entra em coma, ou que perde totalmente a memória, continua sendo humano.


Um bebê recém-nascido, por mais que não tenha autoconsciência formada é um ser humano.
Alguns procuram, arbitrariamente, definir fases da gravidez para dizer: “A partir daqui é uma vida humana. Antes, não”. Que base possui esse tipo de pensamento? O simples fato de que um embrião ou um feto não é um bebê desenvolvido? Isso não faz sentido!



Um bebê não é uma criança desenvolvida. Uma criança não é um adulto desenvolvido. Eu deveria dizer que uma criança não é humana porque ainda não é um adulto desenvolvido? Faria sentido dizer que uma menina de oito anos não é humana porque não possui os seios de uma mulher adulta?



É ridículo tal argumento. Estabelecer fases para a gravidez para definir o que é vida é absolutamente arbitrário. Não possui base científica. A vida intrauterina é vida e é vida humana, não importa a fase da gravidez. As etapas do desenvolvimento dessa vida não a fazem mais ou menos humana. São apenas fases.



É interessante refletir sobre essas fases. Desde o início da concepção, o pequeno e rústico organismo novo passa a trabalhar diariamente em seu próprio desenvolvimento. É um trabalho incessante e progressivo. Há mover e crescimento ali. Com 18 dias de vida, o coração do embrião já começa a se formar. Com 21 dias já está batendo. Ou seja, antes de completar o primeiro mês de gestação, já há um coração batendo no útero! Como dizer que não há vida ali?



Além disso, com 30 dias o bebê já possui um cérebro. E com 40 dias já é possível medir ondas cerebrais nele. Com oito semanas, pés e mãos estão quase prontos. E com nove semanas o bebê consegue até chupar o dedo. Todos os órgãos já estão presentes e os sistemas muscular e circular estão completos. Isso tudo em dois meses de gestação! Com dez semanas, isto é, dois meses e meio, o bebê já tem impressões digitais.



 Como não há vida? Que base há para essa inferência? Nenhuma.



Para quem é cristão, ou judeu (e aqui termina nossa reflexão), ainda há uma razão teológica para se crer que há uma vida humana no interior do útero de uma grávida: a Bíblia Judaica, que também é o Antigo Testamento da Bíblia Cristã, entende que a vida começa na concepção. Sim, no momento em que o espermatozoide fecunda o óvulo e forma o zigoto.



Diz um Salmo famoso:
“Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvarei, pois fui formado de modo tão admirável e maravilhoso! Tuas obras são maravilhosas, tenho plena certeza disso! Meus ossos não te estavam ocultos, quando em segredo fui formado e tecido com esmero nas profundezas da terra. Teus olhos viram a minha substância ainda sem forma, e no teu livro os dias foram escritos, sim, todos os dias que me foram ordenados, quando nem um deles ainda havia” (Salmo 139:13-16).



No livro de Jeremias, o próprio Deus diz ao profeta: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que nascesses te consagrei e te designei como profeta às nações” (Jeremias 1:4-5).
Além dessas passagens, há na Bíblia cerca de quarenta menções à vida intrauterina.



Vida! Vida humana! É isso o que existe no interior do útero de uma mulher grávida. Quer olhemos para o aspecto lógico, quer para o científico, quer para o teológico (para quem é religioso), a resposta é uma só: o nascituro é uma vida humana. Portanto, aborto é assassinato.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A punição do cidadão honesto






Texto publicado também no blog “Mundo Analista“. Clique aqui.




Tenho uma tia que trabalha em uma cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro. Ela é professora e dá aulas em um colégio estadual. De quinze em quinze dias, quando ela retorna de lá para passar um final de semana na capital (onde ela, de fato, reside), conta-nos os problemas que tem passado por lá.



A pequena cidade tem sido infestada de marginais fugidos de morros da capital, por conta da instalação das UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora).



A maioria deles é constituída por menores de idade, que variam de 14 a 17 anos. Eles não podem ser presos e são obrigados a estudar pela juíza da cidade. Não existe qualquer limite que possa ser imposto às suas atitudes. Se um deles rouba alguém, não ficará preso. Apenas será obrigado a voltar à escola.



Se tais marginais realmente quisessem estudar e lagar a vida de marginalidade, tudo estaria bem. Mas minha tia conta que os diversos alunos marginais que freqüentam o colégio não desejam nem estudar, nem largar a vida criminosa. A maioria desrespeita os professores em sala de aula, fazendo ameaças e se recusando a estudar. Afirmam com imponência que são bandidos, que os professores não devem mexer com eles e que, por serem menores, estão protegidos pela lei.



Entre as turmas de minha tia há uma única exceção à regra: um rapaz que se envolveu no tráfico quando ainda menor de idade, cresceu e foi preso por matar uma pessoa. Ele hoje está solto porque sua mãe vendeu a casa própria para pagar um bom advogado e absolvê-lo. Este rapaz trata minha tia de maneira respeitosa. Mas odeia estudar. Costuma a dizer que a vida de traficante é muito mais fácil. Em suas palavras: “Quando eu traficava, eu tinha dinheiro para manter dez mulheres. Em um dia de ‘trabalho’ eu podia conseguir até R$ 500,00. Hoje eu ralo o dia inteiro carregando saco de cimento e ganho uma merreca. A tentação de voltar pro tráfico é grande”. Ele também afirma que “essa vida de estudo é muito difícil”.



Certa feita um desses menores saiu algemado do colégio por um guarda, por estar desrespeitando professores e o próprio guarda. Ele foi aplaudido e ovacionado por vários colegas e gritava sorrindo: “Fiquem tranqüilos. Semana que vem eu tô de volta!”. Ele realmente voltou e continua dando problemas. Nesta semana minha tia passou por um problema mais sério. Foi ameaçada e agredida por outro desses alunos. Teve que dar parte à polícia. Mas ela sabe que não vai dar em nada. A polícia nada pode fazer por ela.


O quadro se torna mais feio quando pensamos que não precisava ser assim. A idéia de que o menor de idade não pode ser preso se baseia em dois raciocínios falsos. O primeiro pode ser descrito assim:

(1) O menor de idade se torna marginal por causa das mazelas sociais;

(2) Se ele se torna marginal por causa das mazelas sociais, a culpa não é dele;

(3) Logo, ele não pode ser punido.


A primeira premissa é questionável por vários motivos. Em primeiro lugar, tira do indivíduo a capacidade de escolha. Ele sempre será produto de influências externas. Se assumimos isso como verdade, devemos concluir que toda pessoa pobre que nasce em um lugar problemático e passa por dificuldades se tornará um criminoso. É evidente que isso não é verdade.



Além do mais, se assumimos tal premissa como verdade, torna-se difícil fazer o julgamento de qualquer crime cometido em nosso mundo. Até que ponto um estuprador realmente escolheu ser assim? Será que não existiram influências externas em sua vida que o fizeram tornar-se um estuprador? E um deputado que desvia recursos de um hospital? Até que ponto ele escolheu ser assim? Será que ele não é uma vítima de fatores externos, de pressões sociais? Será que quando criança ou jovem ele não recebeu poderosas influencias que fizeram dele um corrupto?



Como podemos ver, assumir tal premissa torna qualquer erro ou crime desculpável, por ter sido causado por fatores externos independentes da escolha individual. Um sistema jurídico que acate este tipo de raciocínio, destrói a responsabilidade pessoal e arruína o valor dos julgamentos.



É possível, evidentemente, sustentar a primeira premissa de um modo mais ameno, apenas ressaltando que as mazelas sociais são uma influência negativa muito forte para o menor. Ainda assim, o argumento não se sustenta, pois a segunda premissa afirma que o menor não tem culpa do que faz.



Se suavizarmos a segunda premissa, dizendo algo como: “O jovem não tem toda a culpa”, o argumento também não se sustenta. Afinal, mesmo que o jovem não carregue toda a culpa de sua escolha (o que é questionável), isso não faz do cidadão honesto o culpado. No entanto, quando o menor de idade não é preso, por estar solto, agride um cidadão honesto, vemos claramente o cidadão honesto recebendo punição sem ter cometido crime. E por que deveria um cidadão honesto ser punido em lugar do marginal que cometeu o crime? Não é injusto tal raciocínio? Acaso há lógica nisso?



Com as duas premissas derrubadas, a conclusão, obviamente, se mostra falsa. Não há motivo para não se prender um menor que cometeu um crime.


O segundo principal raciocínio utilizado por quem se opõe a prisão de menores de idade pode ser descrito assim:


(1) O criminoso precisa ser reeducado na cadeia, pois essa é a função da cadeia;
(2) A reeducação do menor de idade é ainda mais prioritária, pois o mesmo está em desenvolvimento;
(3) Nossas prisões não reeducam os criminosos;
(4) Se não reeducam os criminosos, muito menos reeducarão os menores;
(5) Logo, menores não podem ser colocados na prisão em hipótese nenhuma.



As premissas-chave desse argumento são as duas primeiras. Perceba que nelas existe uma definição da função primária de uma cadeia: reeducar o criminoso. O problema é que essa definição está errada. A função primária da cadeia não é reeducar o criminoso, mas sim livrar a sociedade de um perigo. Pensar que a reeducação do criminoso deve ser a principal função da cadeia é priorizar o criminoso em detrimento da vítima. É mais ou menos como um homem estuprar sua filha e você se preocupar primeiro com o criminoso: “Poxa vida, temos que reeducar esse cara, coitado dele… Vamos lá. Vamos ajudá-lo. Não o prendam. Ah, é! Quase me esqueci. Minha filha está sofrendo porque foi estuprada por ele…”.



O leitor compreende? É uma questão de prioridade. A reeducação do criminoso só pode ser o foco quando o mesmo já foi devidamente preso e não oferece mais risco para a sociedade. Se essa prioridade é invertida, criamos uma cultura de exaltação do criminoso (como tem ocorrido na cidade em que minha tia trabalha).



Assim, quando digo que sou a favor da redução da maioridade penal, não estou dizendo que isso vai reeducar os criminosos. A idéia não é essa. O objetivo primário é impossibilitar, pelo menos por alguns anos, que aquele jovem que estuprou, torturou e matou pessoas, continue estuprando, torturando e matando pessoas. O foco é a proteção às vítimas.



Uma vez derrubada a definição de que a função primária da cadeia é reeducar o criminoso, todo o argumento cai. Já não há motivo para se manter o menor livre, pois a prioridade é proteger os cidadãos honestos. Então, como podemos ver, temos sofrido à toa.



Alguém pode objetar que não estou dando a devida importância à reeducação dos criminosos presos. Mas isso não é verdade. Embora eu tenha a plena convicção de que essa não é a função primária da cadeia, mas sim a proteção do cidadão honesto, uma vez tendo tirado o criminoso da sociedade, o objetivo primário foi alcançado. Assim, o foco passa a ser justamente buscar a reeducação do criminoso.



Então, sim, é preciso rever essa questão das condições precárias das cadeias e criar iniciativas para melhorar a qualidade delas, a fim de que os presos tenham possibilidade de se regenerarem a aprenderem algo de bom.


Não é o assunto desse texto, mas uma proposta que acredito ser viável é a terceirização de presídios.


 Não, isso não faz com que empresários cheios de gana por lucros tenham interesse no aumento da criminalidade. A terceirização de presídios, se bem implementada, daria ao empresário que já tem uma fábrica com filiais, a chance de administrar um presídio onde os presos seriam funcionários normais (como em qualquer fábrica), recebendo salário e todos os direitos trabalhistas.



Se a criminalidade diminuísse, o empresário não perderia nada, pois a fábrica da prisão é apenas mais uma de suas filiais. Saindo um preso de lá, o mesmo poderia ser remanejado em uma filial externa. Não há perdas. Só remanejamentos. Uma vez que o custo de manutenção seria o mesmo das filiais externas, aumento de criminalidade não traria nenhum lucro ao empresário. O governo, por fim, ficaria na fiscalização. A prisão ainda seria do Estado. Havendo problemas, o Estado daria a concessão à outra empresa. É uma idéia.



É digno de nota que os países que permitiram a terceirização de alguns presídios, viram as prisões serem transformadas em lugares limpos, sem superlotação e com presos trabalhando dignamente. Aqui no Brasil a Penitenciária Industrial do Cairi (Ceará) e a Penitenciária Industrial de Guarapuava (Paraná) são exemplos de que a idéia é boa e dá certo.



Mas voltando ao tema principal, uma objeção comum a redução da maioridade penal é: “Se reduzirmos a maioridade para 16 ou 14 anos, os criminosos irão aliciar menores com 13 e 12 anos de idade. Então, teremos que reduzir sucessivamente a maioridade, até chegar a 3 anos”.



Esse argumento tem vários problemas. Em primeiro lugar, é fantasioso achar que crianças de 3, 4 e 5 anos vão sair por aí estuprando mulheres, dando facadas, segurando fuzis, correndo da policia, fazendo arrastões e etc. Criminosos podem até aliciar crianças, mas é virtualmente impossível que crianças tão pequenas sejam aliciadas.



Afora isso, é inegável que é muito mais fácil manter crianças dentro de casa, distantes da influencia de criminosos, do que adolescentes. Ainda que saibamos que muitos pais deixam seus filhos soltos desde pequenos, certamente a liberdade dos adolescentes é maior do que a das crianças. Assim, é bem pouco provável que tenhamos miríades de crianças com menos de dez anos, estuprando, roubando, matando e segurando fuzis por aí.



Mas ainda que alguém de 5, 6 ou 7 anos receba um revólver na mão e mate alguém, não necessariamente ela precisa ser presa. É óbvio que a situação é delicada. Ela precisará passar por análises de psicólogos e psiquiatras para que o Estado saiba até que ponto seu caráter e índole foram moldados. É claro que ela precisará passar por algum tipo de reeducação especial e que não vai ficar em uma cela com criminosos de 14, 16, 20, 30 e 40 anos. Mas estamos falando de um caso raro e que não temos motivos aparentes para pensar que se tornará comum se a maioridade for reduzida.



Em segundo lugar, não vejo muito sentido em achar que o número de pessoas aptas para o crime continuará o mesmo após a redução. Hoje os criminosos podem aliciar (e aliciam) garotos de 12 a 17 anos de idade. Se reduzirmos a maioridade para 13, por exemplo, haverá uma grande diminuição do contingente de aliciados.



Em terceiro lugar, ainda que criminosos aliciem crianças de 10 a 12, sabemos que estes não poderão gozar de tanto tempo cometendo crimes como hoje gozam.


Por fim, para as crianças que fossem aliciadas e cometessem crimes, o Estado poderia tomar providências diferentes a depender do tipo de crime cometido. Um menino de 12 anos que bate uma carteira não pode ser comparado a um de 12 anos que já matou meia dúzia de pessoas friamente (o que é raro). Ao segundo, uma espécie de detenção especial seria viável.


Quanto à educação… Ah, a educação! Esquerdistas normalmente pregam que se tivermos uma boa educação pública, nossos jovens não entrarão para o crime. Não vou me estender aqui comentando que acho terrível ter que depender do governo para ter uma boa educação. Mas gostaria de chamar a atenção para outro ponto: a negligência da família.



Sem a pretensão de ser religioso, me parece fato incontestável que a função de influenciar positivamente o menor para que o mesmo se torne uma pessoa de caráter é da família e não da escola (sobretudo, a escola pública!). A função da educação formal, no que tange a formação do caráter, é ser um complemento àquilo que deve ser aprendido em casa. Professores não são os pais de seus alunos.


Quando minha tia se queixa de como os alunos tem agido de modo desrespeitoso e grosseiro em sala de aula, vejo com clareza que esse problema não é culpa da escola ou dos professores, mas da família. Com raras exceções as famílias é que estão falhando em cuidar de seus filhos. É óbvio que o fato das famílias estarem falhando não retira a responsabilidade individual de um menor quando este transgride as regras sociais. Mas se devemos considerar alguma influência externa sobre o menor no que tange a formação do caráter, a principal influência a ser considerada deve ser a família, que é o primeiro e mais importante nicho social da maioria dos indivíduos.




A formação do caráter começa lá. E sabe como o governo pode ajudar as famílias a criar melhor os seus filhos? Deixando a função de ser família para a família e ficando apenas com a função de proteger o cidadão. Neste estado de coisas, ainda que a família não cumpra com a sua função, o Estado cumprirá a sua. E uma vez que o Estado se limite apenas àquilo que é seu dever, será mais fácil que as famílias passem a fazer o mesmo.


No fim das contas, o que se torna cada vez mais evidente é que quanto mais o Estado pretende ser o salvador do mundo, o regenerador dos corações dos pecadores, quem sai perdendo é o cidadão honesto. Sobre os ombros do cidadão honesto tem recaído toda a culpa dos criminosos.



Se alguém mata, nós somos os assassinos. Se alguém rouba, nós somos os ladrões. Se alguém estupra, nós somos os estupradores.  Pode parecer estranho, mas o cidadão honesto está sendo punido por tudo de ruim que ele não faz. Ele está sendo condenado por todas as suas virtudes. Choremos de horror.


O Estado soltou Barrabás. Seremos crucificados.

sábado, 1 de outubro de 2016

Odioso preconceito Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 29 de abril de 2013
          

O célebre historiador britânico George Macaulay Trevelyan, que ninguém dirá ter sido um conservador, escreveu em 1947: "A mais odiosa forma de preconceito moral está na historiografia que condena em voz alta os crimes e perseguições de um lado, e esconde ou defende os do outro." Ele não imaginava que um dia, num país do Terceiro Mundo, haveria de aparecer uma comissão subsidiada com dinheiro público para dar cunho oficial precisamente a esse tipo de historiografia. Talvez  imaginasse que semelhante aberração somente poderia existir nas ditaduras comunistas, onde a mentira histórica, imposta à população interna para fins de controle social e distribuída no restante do mundo como arma de guerra psicológica, era a norma em lugar da exceção.
 
Como membros do esquema revolucionário tricontinental montado por Fidel Castro, que os recrutou, treinou, equipou, comandou e protegeu, nossos guerrilheiros e terroristas dos anos 60-70 foram cúmplices do morticínio espalhado pela ditadura cubana na América Central, na América do Sul e na África, o qual não fez menos de cem mil vítimas (v. http://cubaarchive.org/home/).
 
Pelos critérios do Julgamento de Nuremberg, José Dirceu, Dilma Rousseff, José Genoíno e tutti quanti têm muito mais crimes pelos quais responder do que cento e poucos assassinatos praticados no Brasil, que são o máximo que a mídia paternal lhes atribui – desculpando-os aliás, implícita ou explicitamente, como reação ao golpe de 1964, embora as guerrilhas já tivessem começado  em 1962.
 
O que torna essa obviedade invisível não é só a deformação do julgamento histórico, mas a  falsificação geográfica do cenário onde os fatos se desenrolaram. Quando falam da violência militar, jornalistas e historiadores universitários jamais se esquecem de inseri-la no quadro internacional, descrevendo-a como manifestação local da articulação anticomunista montada entre vários governos do continente, com apoio dos EUA. 
 
Nessa perspectiva, nossos militares aparecem como cúmplices de todos os crimes praticados contra os comunistas em escala continental. Já as guerrilhas são invariavelmente mostradas como fenômeno apenas local, sem conexão internacional significativa nem, portanto, culpa nenhuma pelas misérias que o governo cubano andava aprontando em três continentes.
 
Essa dupla geografia baseia-se, por sua vez, numa falsificação radical da escala cronológica, pois os governos militares só se articularam para um combate conjunto às guerrilhas em 1975 – a chamada "Operação Condor" –, ao passo que o comando unificado das guerrilhas no continente já existia desde 1962, quando Fidel Castro fundou a OLAS, Organização de Solidariedade Latino-Americana, reforçada pela Conferência Tricontinental de Havana em 1966.
 
Ou seja: a reação militar ao avanço comunista ocorreu de início sob a forma de iniciativas nacionais independentes, só tardiamente se articulando em escala maior, ao passo que as guerrilhas surgiram desde o início como um empreendimento transnacional organizado. Na nossa mídia, tanto a escala geográfica quanto a cronologia dos fatos são sistematicamente invertidas há pelo menos duas décadas.
 
Acrescente-se a isso que, à margem dos grandes jornais, uma operação gigantesca de desinformação a respeito se desenvolve em livros escolares, programas de TV e sites da internet, a começar pela maldita Wikipedia, concebida precisamente para ser levada a sério só por meninos de ginásio, onde o início da "Operação Condor" aparece removido para datas  anteriores, às vezes até  para os tempos de João Goulart na Presidência, levando a falsificação ao extremo da mitologia propagandística mais torpe e descarada.
 
 Produzido com entusiasmo feroz e renitente por uma militância multitudinária, o volume desse material já ultrapassou de há muito, pela quantidade inabarcável, qualquer possibilidade de contestação racional. O advento da "Comissão da Verdade" foi preparado com bastante antecedência pela intoxicação goebbelsiana da opinião pública.
 
***
       
Se você estranha o descaramento com que os apóstolos do "mundo melhor" mentem, trapaceiam, metem a mão no bolso dos outros e ainda se acham as encarnações supremas da virtude, fique sabendo que isso não é nenhum desvio, nenhuma perversão do espírito revolucionário: é o próprio espírito revolucionário. 
 
Eis como Hippolyte Taine, o grande historiador da Revolução Francesa, descrevia,  em 1875 a mente dos jacobinos:
 
"Segundo o jacobino, a coisa pública é dele, e, a seus olhos, a coisa pública abrange todas as coisas privadas, corpos e bens, almas e consciências. Assim, tudo lhe pertence. Pelo simples fato de ser jacobino, ele se acha legitimamente tzar e papa. Sendo o único esclarecido, o único patriota, ele é o único digno de comandar, e seu orgulho imperioso julga que toda resistência é um crime... No entanto, resta-lhe pôr em acordo seus próximos atos com suas palavras recentes. A operação parece difícil, pois as palavras que ele pronunciou condenam de antemão os atos que ele planeja. Ontem, ele exagerava os direitos dos governados, ao ponto de suprimir os dos governantes; amanhã ele vai exagerar os dos governantes até suprimir os dos governados. "
 
E finaliza: "A dar-lhe ouvidos, o povo é o único soberano, e ele vai tratar o povo como escravo. A dar-lhe ouvidos, o governo não é mais que um criado de quarto, e ele vai dar ao governo as prerrogativas de um sultão. Ontem mesmo ele denunciava o menor exercício da autoridade pública como um crime, agora ele vai punir como um crime a menor resistência à autoridade pública.”

.






Comente este artigo no fórum:
http://www.seminariodefilosofia.org/forum/15