Mal eu havia acabado de escrever que os alunos das
escolas americanas são “sitting ducks”, e um dos sobreviventes do
massacre da Virginia Tech apareceu no show “Today”, da MSNBC, dizendo a
mesma coisa. Mas justamente esse, Zach Petkewicz, não foi pato nem ficou
sentado. Encostou uma mesa na porta e impediu que Cho Seung Hui fizesse
na sua sala de aula o que acabara de fazer nas salas vizinhas. Salvou
uma classe inteira. Por que tão poucos, entre milhares de alunos,
professores e funcionários, tiveram idêntica presença de espírito? Por
que ninguém atacou o coreano maluco enquanto ele recarregava sua pistola
automática ou trancava as portas com corrrentes?
Meu filho Pedro, que suportou pacientemente um ano e meio
de escola pública na Virginia, garante: “É uma educação para boiolas.” O
equivalente inglês da palavra é
sissies . Uma
sissy não é necessariamente um
gay . Sujeitos que nunca tiveram um único impulso homossexual podem ser
sissies
perfeitas. Basta lhes ensinar que o macho branco heterossexual cristão
americano é o bicho mais desprezível da face da Terra e que, se ele for
exatamente um deles, deve fazer o possível para parecer outra coisa. Aos
mais sortudos dentre eles ocorrerá a idéia, ridícula mas inofensiva, de
usar trancinhas afro nos cabelos louros.
Outros tentarão formas de
adaptação mais incisivas – e, dentre elas, a mais popular e
politicamente correta é tornar-se tão tímidos, fracotes e efeminados
quanto possível. Depois de alguns anos desse adestramento, o sujeito
está pronto para desmaiar, ter crise histérica ou ficar paralisado de
medo ante o agressor, exibindo ainda mais fragilidade na esperança
insensata de comovê-lo.
Impossível, diante do espetáculo de pusilanimidade
coletiva na Virginia Tech, não recordar aquela vovó tagarela e empombada
do conto “A Good Man is Hard to Find”, de Flannery O'Connor, que,
diante do assassino armado que acaba de matar a tiros toda a sua
família, se apega até o último instante à crença idiota de que ele é no
fundo um homem bom, incapaz de lhe fazer dano. Mais ou menos a mesma
idéia com que aqueles cabeças-de-toucinho do “Viva Rio” subiram o morro
levando flores no “Dia do Carinho” – e foram expulsos a bala.
Há
gays valentes e heterossexuais boiolas. A
quintessência da boiolice não tem nada a ver com sexo. É uma covardia
abjeta, um desfibramento da alma, uma pusilanimidade visceral – que os
educadores de hoje em dia consideram o suprassumo da perfeição moral e
os engenheiros sociais da ONU gostariam de espalhar por toda a
humanidade. É a fórmula da pedagogia usada nas escolas públicas
americanas. É por isso que o pessoal cristão foge delas, preferindo o
homeschooling .
Os meninos educados em casa só vão à escola no fim do ano, fazer exame,
e tiram sempre melhores notas do que os trouxas que ficaram lá o ano
inteiro só aprendendo boiolice.
Para os negros, as mulheres, os
gays e os membros de “minorias” em geral, o
establishment
usa uma outra receita corruptora, simetricamente inversa. Lisonjeia-os
até enlouquecê-los por completo. Infla seus egos até à divinização.
Ensina-os a achar que são credores do universo, que o simples fato de
dirigirem a palavra a um branco adulto é um ato de generosidade
imperial. O fato de que negros e asiáticos, aqueles vindos nas tropas
muçulmanas, estes nas hordas bárbaras, tenham atacado e escravizado
milhões de europeus séculos antes de que o primeiro português
desembarcasse na África é suprimido da História como se jamais tivesse
acontecido.
O branco – e, por ironia, especialmente o americano, dos
povos ocidentais o que escravizou menos gente e por menos tempo – é
definido como escravagista por natureza, o escravagista eterno, herdeiro
de Caim, só digno de viver por uma especial concessão da ONU.
Cada
página dos manuais didáticos usados nas escolas americanas traz essas
crenças insinuadas nas entrelinhas. Cada vez que um professor abre a
boca em sala de aula, espalha mais um pouco desse entorpecente
pedagógico nos cérebros infanto-juvenis. A coisa foi evidentemente
calculada para estragar as almas, para alimentar o ódio e o
ressentimento, para destruir o país por desmontagem sistemática.
Todos os preconceitos que existem no mundo surgiram
espontaneamente dos conflitos entre os seres humanos. Agora, pela
primeira vez na História, há o preconceito planejado, calculado
matematicamente por engenheiros comportamentais e inoculado com
requintes de técnica pedagógica nas cabeças da molecada. É por isso que
há aqui um verdadeiro abismo entre as gerações.
As pessoas de quarenta
anos para cima são simpáticas, prestativas, generosas e patriotas. Os
jovens são ranhetas insuportáveis, tanto mais pretensiosos e arrogantes
quanto mais dependentes, incapazes de cuidar de si próprios e
defender-se nas situações difíceis. Falo, é claro, daqueles que foram
educados nas escolas públicas. Os que não querem ficar como eles buscam
refúgio nas escolas particulares conservadoras (que existem aos montões
mas são caras), nas igrejas, no
homeschooling e nas Forças Armadas.
Alguns anos atrás, a escritora Christina Hoff Sommers, em
The War Against Boys: How Misguided Feminism is Harming Our Young Men
(Simon & Schuster, 2000) já advertia contra a epidemia de frescura
planejada que educadores e psicólogos feministas, desarmamentistas,
pacifistas, gayzistas etc. estavam montando, muitos deles imbuídos da
alta missão de amansar por meio da castração generalizada a “cultura
americana da violência” – um estereótipo hollywoodiano em cuja realidade
acreditavam piamente pelo simples fato de ter sido inventado por
feministas, desarmamentistas, pacifistas, gayzistas iguais a eles.
“Asinum asinus fricat”, já observavam os romanos: o asno afaga o asno –
um panaca esquerdista inventa uma lenda difamatória, os outros levam a
coisa mortalmente a sério, e dali a pouco há milhares de teses
universitárias a respeito, com ares de profunda ciência social, e
comissões técnicas pagas a peso de ouro pelas fundações beneméritas para
criar soluções geniais. O resultado é Cho Seung Hui.
Cada um desses
garotos que de repente saem matando gente a esmo tem a cabeça cheia de
ódio ao país que lhe deu tudo. Tim McVeigh queria derrubar o sistema, os
meninos de Columbine eram gays intoxicados de falatório anticristão,
Cho Seung Hui sonhava em tornar-se um vingador ismaelita para fazer o
Ocidente em cacos. Cada um foi educado e doutrinado para fazer o que
fez. Enquanto uns intelectuais iluminados lhe infundiam o desejo de
vingança contra quem nunca lhe fez mal algum, outros votavam leis que
desarmavam os professores e funcionários nas escolas, os padres e
pastores nas igrejas.
Uns preparavam psicologicamente o assassino,
outros amarravam as mãos das vítimas. Vocês já repararam que os
invasores armados de pistolas e rifles só atacam igrejas e escolas? Já
ouviram falar de algum que invadisse um clube de caça, um estande de
tiro, uma assembléia da National Rifle Association? Aí vigora o
princípio do “loco si, pero no tonto”.
O país está repleto de estandes
de tiro ao pato – e os Zachs Petkewicz se tornam cada vez mais raros. E
depois aqueles que criaram propositadamente essa situação saem
diagnosticando o fenômeno como produto da “cultura americana”,
recomendando mais desarmamento civil, mais anti-americanismo, mais
efeminamento compulsório da juventude nas escolas. Tiram proveito
publicitário retroativo da sua própria maldade.
É a receita infalível da
propaganda revolucionária: “Xingue-os do que você é, acuse-os do que
você faz.”
Mas o pessoal por aqui já começou a perceber o truque,
ainda que com um bocado de atraso. Allen Hill, um consultor de segurança
entrevistado no mesmo programa que divulgou o episódio de Zach
Petkewicz, declarou alto e bom som que as escolas têm de ensinar os
meninos a ser mais valentes e agressivos.
“Os bandidos estão contando
com que os americanos fiquem sentados e não façam nada.”
“Os maus planejam seus ataques. As escolas têm de
planejar sua defesa e reagir com igual agressividade. O treinamento tem
de ser tão intensivo e levado tão a sério quanto o assassino leva a
sério sua missão de matar.”
Há um país da América do Sul que, se ouvisse esse
conselho, talvez não fosse vítima de cinqüenta mil homicídios por ano.
Com uma diferença: ali os jovens não são tão fracotes. A boiolice está
espalhada entre os homens adultos, nas ruas, nas fábricas, nos
escritórios. Essa gente tem medo de armas até quando vistas pelo lado do
cabo. E o governo, a Rede Globo e a
Folha de S. Paulo querem
lhe infundir mais medo ainda. É uma situação muito mais desesperadora
que a dos americanos. Com o dobro da população brasileira, os EUA têm
cinco vezes menos crimes violentos do que o Brasil.
Teses sobre o movimento revolucionário mundial
Para informação dos leitores, transcrevo abaixo umas
notas que tomei para a conferência que vou pronunciar hoje para oficiais
de Estado-Maior, americanos e brasileiros, na Academia Militar de West
Point. Elas são só um esquema para desenvolvimento oral, mas nos
próximos artigos darei mais detalhes a respeito.
1. O movimento revolucionário é um fenômeno único e
contínuo ao longo do tempo, pelo menos desde o século XV. Cada geração
de revolucionários tem consciência de ser herdeira e continuadora das
anteriores. Isso está abundantemente documentado nos seus escritos. É um
fato, não uma interpretação minha.
2. O movimento é contínuo mas não linear nem
unidirecional. Ele progride através de mutações e revoluções internas e
alimenta-se de seus próprios fracassos, que fornecem â geração seguinte
uma poderosa motivação para o aprofundamento crítico das metas e da
estratégia.
Como suas metas declaradas mudam de geração em geração, o
movimento geral tem flexibilidade bastante para absorver ou repelir os
movimentos parciais, conforme as necessidades estratégicas e retóricas
de cada situação. Um mesmo movimento parcial pode ser considerado
revolucionário num momento e contra-revolucionário no momento seguinte.
3. A continuidade consciente do movimento revolucionário
não implica de maneira alguma que as gerações subseqüentes assumam a
responsabilidade pelos erros e crimes das anteriores. A consciência de
continuidade histórica que é afirmada no plano dos fatos é negada no
plano do julgamento moral. Como na perspectiva do movimento
revolucionário as culpas pertencem ao passado, a inocência de cada nova
geração de revolucionários é um pressuposto da própria existência do
movimento.
Por isso mesmo, os revolucionários antigos, se alguma culpa
têm, a têm enquanto personagens do passado, e não enquanto
revolucionários. Suas culpas são imputáveis ao “seu tempo”, não à sua
atividade revolucionária em si. O inimigo do movimento, ao contrário,
arca não só com suas próprias culpas mas também com as de seus
antepassados reais ou figurados, isto quando não é acusado também pelos
crimes da revolução: o revolucionário, depois de matar meia dúzia de
reacionários, os odeia mais ainda porque esses malvados o obrigaram a
matá-los, sujando de sangue suas mãos puríssimas.
4. O movimento revolucionário não se identifica com
nenhuma de suas metas em particular, mas também não sabe definir de uma
vez por todas a “essência” permanente por trás de todas elas. Essa
essência, de fato, não pode ser definida substantivamente, só
negativamente: (1) o movimento é efetivamente um
movimento ,
uma agitação permanente em busca de (2) uma meta móvel que não pode ser
definida no presente porque só o futuro que a realizar a terá diante dos
olhos como objeto de conhecimento. O movimento revolucionário é
portanto
movimento permanente e
movimento futurista . O
futuro, por definição, permanece futura. O dia do ajuste de contas do
revolucionário com sua própria consciência é adiado automaticamente. A
coisa mais próxima de um exame de consciência, na mente de um
revolucionário, é a crítica aos antecessores.
5. O movimento revolucionário é, desde suas origens, um
esforço para tomar o lugar do Cristo anunciado no Apocalipse e
substituí-lo por um agente terrestre no papel de salvador da humanidade.
Os fins concretos do movimento prevalecem-se assim da dignidade de um
mistério que pode ser vagamente anunciado mas não pode ser revelado
antes do fim dos tempos. Daí o descompromisso do movimento
revolucionário para com suas próprias metas concretas, que ele muda ou
abandona à vontade.
6. É inútil usar contra o movimento revolucionário, em
qualquer das suas épocas ou versões, a retórica que opõe os ideais aos
feitos. O movimento revolucionário troca de ideais com a mesma
desenvoltura com que se isenta de responsabilidade pelos seus próprios
feitos. Ele vive da tensão entre ideais indefinidos e feitos não
assumidos. A essa tensão articulam-se duas outras (v. diagrama): entre o
culto dos santos do panteão revolucionário e a crítica devastadora das
revoluções; e entre o movimento perpétuo e a esperança num “fim da
história”, paraíso estático da justiça e da paz universais.