terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Correio Braziliense – Com a benção da elite global / Editorial


20 Jan. 2019

O presidente Jair Bolsonaro terá uma grande oportunidade de alavancar sua imagem como líder global ao fazer sua estreia, nesta semana, no Fórum Econômico Mundial, encontro que reúne, em Davos, na Suíça, a elite econômica do mundo. A expectativa é grande em relação ao que o chefe do Executivo brasileiro dirá, sobretudo diante da polêmica criada em torno de sua eleição. Há o temor de retrocessos no país, sobretudo em relação às minorias e às questões ambientais.

Além de reforçar seu compromisso com a democracia, Bolsonaro mostrará que o Brasil, durante o seu governo, se tornará um grande polo para investimentos. O presidente se comprometerá com uma rápida aprovação da reforma da Previdência Social. Apresentará um grande programa de concessões e privatizações, que resultará em um significativo enxugamento do Estado. Um discurso que soa como música aos ouvidos dos investidores.

Bolsonaro também dirá que o Brasil fará uma reforma da estrutura de impostos, de forma a tornar a economia mais eficiente e competitiva. Por tabela, promoverá uma ampla abertura comercial. A promessa é de incentivar aqueles que desejam empreender, criar empregos e gerar renda. O Brasil enfrentou, entre 2014 e 2016, uma das mais severas recessões da história, que desempregou mais de 12 milhões de pessoas e aumentou a pobreza.

Acompanhado dos dois mais importantes ministros do governo, Paulo Guedes (Economia) e Sérgio Moro (Justiça e Segurança), o presidente pretende restabelecer o lugar que o Brasil perdeu nos grandes fóruns mundiais. Entre as 10 maiores economias do planeta, o país deixou de ser ouvido nos principais centros de decisão, viu sua relevância diminuir na carteira dos principais investidores. Pior: sua participação no comércio global estagnou em insignificante 1,2% do total.

Mais do que um bom discurso, Bolsonaro terá de passar confiança. O capital está escaldado com o país. O Brasil despontou, no governo Lula, como um forte candidato a integrar a elite do mundo. Tornou-se referência na questão social, ao incorporar, em curto espaço de tempo, mais de 50 milhões de pessoas — quase uma Espanha — no mercado de consumo. Decisões equivocadas na gestão de Dilma Rousseff e a explosão do maior caso de corrupção da história, desvendado pela Operação Lava-Jato, abortaram esse movimento. O Brasil foi escanteado.

A boa notícia é de que os donos do dinheiro estão dispostos a dar um voto de confiança ao Brasil. Isso pode ser medido pelo surpreendente comportamento da Bolsa de Valores de São Paulo, na qual o capital estrangeiro tem peso expressivo. Apenas nas três primeiras semanas do ano, o pregão paulista subiu quase 10%, cravando um recorde atrás do outro. Nada disso se sustentará, porém, se o país não conseguir provar que é uma nação séria, que respeita contratos, preserva o meio ambiente, não se deixa dominar pela ideologia e está aberta ao diálogo. Davos tem tudo para mudar Bolsonaro e o país de patamar.

Correio Braziliense – Soberania no território


O criminalista e professor de direito da Universidade de Brasília (UnB) Cléber Lopes de Oliveira atribui o aumento na quantidade de brasileiros presos no exterior ao incremento dos mecanismos de segurança. “Quando um brasileiro é preso, ele é submetido à lei do país onde foi detido. Cada nação tem soberania para aplicar sua legislação para àqueles que praticam crimes em seu território”, explica.

Oliveira alerta para legislações severas em que países aplicam aos crimes mais comuns cometidos por brasileiros. “O tráfico está diretamente ligado ao termômetro social. Ele tem um agregado muito forte, homicídios, lavagem de dinheiro, furtos e roubos. Esse crime, diferentemente do Brasil é punido com pena de morte, prisão perpétua e penas altíssimas”, adverte.

O sociólogo Antônio Carlos Mazzeo, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), ressalta que, nos últimos 30 anos, o brasileiro virou imigrante. “Muitos procuram a cidadania em casos de descendência, isso na busca de alternativas que possam ser melhores que as dificuldades financeiras e de justiça social que o Brasil oferece”, pondera.

Para ele, o envolvimento com o crime é um indicador do que ocorre no país. “É comum o envolvimento do imigrante com grupos de crime organizado em momentos de dificuldade financeira. Eles cooptam o imigrante que está fragilizado, oferecendo meios para ele viver. Não é uma prática que abate somente brasileiros. Muitos são especializados nesse recrutamento”, ressalta. (OA).

O Globo – Cidade cresce no vazio da falta de Estado / Editorial


20 Janeiro 2019

Leniência de políticos e agentes públicos permite que o crime atue em áreas de expansão imobiliária.
O Rio tem uma longa história de ocupação desordenada do espaço urbano. Não que seja uma exclusividade carioca, pois favelização é um mal brasileiro. Mas, no Rio, a convivência, lado a lado, de “comunidades” e residências de luxo é algo pouco visto e se tornou marca local.

Esta diversidade deixou traços positivos na cultura carioca, mas entrou em metástase: na saúde pública, na segurança, nas moradias em áreas de alto risco, e assim por diante. Governos perderam oportunidades para a realocação eficiente de famílias de baixa renda. Por falta de planejamento na ampliação a seu tempo da infraestrutura de transportes de massa, para permitir que as pessoas pudessem morar de forma confortável longe de seus lugares de trabalho. Vieram, ainda, ciclos populistas nos governos locais que reforçaram a falta de cuidado com a expansão da cidade.

Até chegarmos ao ponto em que estamos, no qual a ausência do Estado na gestão dos espaços — para tratarmos apenas da questão urbanística — faz com que não haja mais poder público, no sentido real do termo, à frente do crescimento da cidade, sendo este espaço ocupado pela criminalidade. Já há algum tempo, caso da Zona Oeste — Barra, Jacarepaguá, Santa Cruz, para citar apenas alguns bairros onde isso é mais claro —, milícias, um braço do crime organizado, crescem nos negócios imobiliários ilegais. Nas Vargens, outra região típica, imóveis de alvenaria também são construídos e comercializados pelo crime. Ninguém os impede, porque o Estado já está muito débil. Ou infiltrado.

É assombroso que um crime da gravidade do assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes, de repercussão mundial, possa estar relacionado ao avanço de milicianos nesses bairros, contra o qual se opunha Marielle. Ausente o Estado, tudo pode acontecer. Como mostrou reportagem do GLOBO de quinta-feira: entre o Morro do Timbau e as favelas Salsa e Merengue, no Complexo da Maré, às margens da Linha Vermelha e Avenida Brasil, não muito longe do Centro, traficantes constroem, sem medo, casas de alvenaria em um terreno que havia sido reservado pela prefeitura para escolas públicas.

O espaço que seria usado para evitar que jovens fossem cooptados pelo crime está sendo utilizado, sem qualquer repressão, para elevar os lucros do próprio tráfico. Chega a ser cruel. A situação ultrapassa limites perigosos, quando bairros passam ase expandir tendo como incorporadores imobiliários o crime.

Não faltam leis e códigos para ordenara cidade, inexiste é vontade de aplicá-los. Deveria haver a mobilização de agentes públicos — promotores, procuradores, juízes etc. —, e não apenas das esferas estadual e municipal, para recolocar o Estado nas suas funções. É o que tem de ser feito para evitara anarquia geral que se aproxima.

O Estado de S. Paulo – Falta de pudor / Editorial

20 Jan 2019

Quem ganha um salário superior a R$ 30 mil por mês, tem direito a carro oficial com motorista e ainda recebe gratificações financeiras pagas sob os mais variados pretextos é pobre, podendo assim reivindicar o acesso gratuito aos tribunais, sem pagar as custas processuais?

Por mais absurda que seja, essa indagação foi objeto de uma longa discussão na última reunião de 2018 da 1.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante o julgamento de um pedido de justiça gratuita formulado por um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). E o mais espantoso foi que, por muito pouco, a Corte não respondeu a essa pergunta de modo afirmativo, acolhendo a pretensão do magistrado, cujo advogado – José Paulo Sepúlveda Pertence, exprocurador-geral da República e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal – integra um dos mais prestigiosos e caros escritórios de Brasília. O caso tem causado perplexidade nos meios forenses.

O caso começou quando o desembargador Sérgio Xavier de Souza Rocha abriu processo contra a União, pedindo indenização por ter sido nomeado tardiamente para o cargo de juiz do Distrito Federal. Como a indenização pedida era de R$ 2.510.000,00 e a lei obriga o depósito prévio de 5% do valor da causa, para que possa tramitar, o magistrado teria de depositar R$ 125.901 em juízo. Para não efetuar esse depósito, o desembargador alegou que sustenta uma companheira e é pai de cinco filhos de mães distintas, três deles em idade escolar, o que consumiria substancialmente seus ganhos. Também disse que, por sustentar três antigas esposas, foi obrigado a contrair um empréstimo de R$ 700 mil na Caixa Econômica Federal, o que o obriga a pagar R$ 6.500 mensais para amortizá-lo. E ainda afirmou que, por ser cidadão, tem direito à proteção e às garantias que a Constituição e o Código de Processo Civil oferecem aos mais necessitados. Ou seja, o ilustre magistrado acha que suas vicissitudes conjugais devem ser repartidas com cada um dos contribuintes brasileiros.

Pela diferença de apenas um voto, o pedido de gratuidade do desembargador Souza Rocha foi rejeitado pela 1.ª Seção do STJ. Os cinco ministros que votaram contra alegaram sensatamente que, pela documentação constante dos autos, não identificaram “a hipossuficiência econômica do magistrado, a ponto de comprometer o sustento próprio e de sua família”. Também afirmaram que o conceito de gratuidade, para efeito de dispensa de pagamento de custas processuais, não pode ter “extensão indiscriminada”. Houve ainda quem dissesse, lembrando antigos julgamentos dos tribunais superiores, que a concessão da gratuidade a quem ganha muito bem e gasta excessivamente, por causa da escolha do padrão e do estilo de vida, seria a consagração judicial do “princípio da irresponsabilidade”.

O mais ilustrativo, contudo, foram os argumentos dos quatro ministros que votaram a favor da concessão da gratuidade a um colega de toga. Em seus votos, eles revelaram não apenas o corporativismo arraigado da magistratura, como também evidenciaram o irrealismo que caracteriza parte significativa da corporação. Um desses ministros, Og Fernandes, afirmou que existe na sociedade um falso entendimento de que a realidade salarial do Poder Judiciário seria um “mar de rosas”. A verdade, segundo ele, é que os juízes acabam tendo muitos problemas de ordem financeira pois têm der arcar com as obrigações inerentes ao “status de magistrado”. Na mesma linha corporativa e irrealista, o ministro Napoleão Nunes Maia, depois de sugerir um balanço para saber o quanto o desembargador do TJDFT ganha e o quanto gasta, disse que o requisito para a concessão da gratuidade não é a “miserabilidade”, mas a impossibilidade material de pagar as custas do processo.

Ainda que tenha prevalecido o bom senso na decisão da 1.ª Seção do STJ, este caso mostra como certos setores da magistratura não têm pudor nas suas pretensões financeiras, à custa de quem paga impostos com o suor de seu trabalho.