quarta-feira, 25 de maio de 2016

Há um Brasil que não se presta para otário


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Ouvindo os dois pronunciamentos da presidente Dilma, tive a clara percepção de que, de fato, estávamos sendo governados por uma pessoa que derrubou limites na sua relação com a realidade. Era algo que já se identificava durante a campanha eleitoral. À época, essa conduta foi inteiramente atribuída a um esforço para esconder do eleitorado a crise já em curso. Certamente havia bastante disso, sim, na publicidade eleitoral e nas orientações que, a peso de ouro, produzia João Santana. Mas evidenciou-se nos últimos meses que algo mais grave envolvia pessoalmente a presidente. Para todos os efeitos práticos, Dilma presidia um país diferente. Exercia um outro governo.


Mesmo diante de indicadores gravíssimos, que diagnosticavam a maior crise nacional em oito décadas, a presidente jamais lhe dedicou a atenção necessária. Erro imperdoável! Quem não se acautela ante um inimigo desse porte será implacavelmente abatido por ele. Essa é uma crise cujo enfrentamento cobra ações sérias e responsáveis. Dilma desconsiderou as mais prudentes advertências, desdenhou as reações das agências de risco. Condenou os críticos da política econômica. O navio afundava e ela ouvia a orquestra dos companheiros.



A corrupção grassava no governo. Fortunas se acumulavam no seu entorno. É bom lembrar: esses escândalos não foram "descobertos" pela Lava Jato. 


 Eles já enchiam as páginas das revistas semanais bem antes de caírem nas mãos diligentes da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. E o que fazia a presidente? Estimulava a reação de sua militância contra as publicações, sem enfrentar os fatos escabrosos que eram denunciados.



Quantas matérias foram produzidas sobre os negócios de seu anjo da guarda, Luís Inácio Lula da Silva, com empreiteiras nacionais em arranjos bolivarianos e africanos envolvendo o BNDES? Quantas denúncias sobre o enriquecimento da família Lula da Silva? Quantas informações circularam no país, durante anos, sobre os desmandos da Petrobrás? Ela sempre ocupando postos, caneta e cadeira de mando. E quanta prosperidade ao seu redor! Não, não me impressionam as alegações da presidente afastada sobre a própria honestidade. Não há mérito em não furtar. Os crimes que se gaba de não ter praticado aconteceram com o que estava sob seu zelo! Ademais, mentir não é honesto. Ocultar a verdade, tampouco. Já a tolerância, a imprudência, a omissão, a negligência e a vista grossa compõem gravíssimos deméritos.



Nos dois pronunciamentos com que se despediu, Dilma Rousseff reincidiu nos mesmos equívocos. Buscou sacralizar um mandato conquistado no mais destapado estelionato eleitoral, tão escandaloso e tão rapidamente evidenciado que levou a nação às ruas já antes de sua posse. Atribuiu seu afastamento a um complô golpista e não a um justificado clamor popular e a um correto procedimento constitucional. 




Afirmou que seus adversários são inconformados com as "conquistas sociais" e com a "prosperidade dos mais pobres". Somente alguém destituído de juízo pode crer que investidores, empresários, profissionais liberais, por exemplo, se beneficiem da pobreza dos pobres. Fosse assim, o mundo dos negócios se mudaria para Serra Leoa e para a Somália. Quem não sabe disto? Ao contrário, o que de melhor aconteceu para a economia mundial neste século foi proporcionado por 400 milhões de chineses que começaram a produzir, consumir, e saíram da pobreza. Até o Brasil petista cresceu, mas a riqueza foi consumida pelos piores meios e fins, e seus benefícios, hoje, atendem pelo nome de desastre brasileiro.




No entanto, no cérebro da presidente afastada, não há esse tipo de registro. Ali só têm lugar meia dúzia de chavões ideológicos que compõem os mandamentos de seu grupo político. Então, é melhor suportá-los na oposição do que nos submetermos por mais tempo ao desastre que foi a gestão petista.


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O negócio é permanecer vivo

Dia desses, relendo Cervantes, deparei-me com uma singular reflexão: “não há recordação que o tempo não apague, nem dor que a morte não faça cessar”. Bons tempos, aqueles de Cervantes - uma época na qual o mundo fazia mais sentido.

Hoje, é bem verdade, saboreamos incontáveis avanços. Já fomos à Lua, e nos preparamos para ir a Marte. Mas o fato é que o aprimoramento de nossa tecnologia sobrepujou a evolução dos nossos cérebros, arrisco dizer que mesmo das nossas almas. Nossos espíritos, infelizmente, não tem conseguido acompanhar a fascinante velocidade dos avanços tecnológicos - e assim vamos nos tornando, sem que o percebamos, uma sociedade a cada dia mais confusa e perplexa.

Sustento minha tese com a morte. Antigamente, nos sábios dias de Cervantes, era mais simples morrer. Morria-se, e pronto. A morte era permitida em qualquer lugar e a qualquer momento.

 Tudo isto mudou. Assim, por exemplo, os habitantes da cidade de Sarpourenx, na França, só podem morrer se dispuserem de uma cova no cemitério local - acredite, esta proibição consta de um decreto municipal.

A sanha invasiva dos burocratas não ficou só na França. Chegou à Espanha, onde, na cidade de Lanjaron, por conta de obras de reforma feitas no cemitério municipal, simplesmente proibiu-se a morte. Transcrevo o texto do decreto: “Está proibido morrer em Lanjaron. Os infratores responderão por seus atos”. Eis aí a prova de que a burocracia tudo pode e tudo supera - até mesmo a morte.

E o bom e velho capitalismo? Antigamente restrito a esta vida, hoje já alcançou o além. Que o diga uma empresa norte-americana que lançou no mercado “ingressos para o Paraíso”. Por uns R$ 30, mais R$ 9 de frete, você recebe em casa o bilhete, pessoal e intransferível, que deverá ser colocado em seu caixão. Detalhe: a empresa avisa que não devolverá o valor pago caso o Paraíso não exista.

Naqueles velhos tempos mortos eram coisa séria. As pessoas tiravam o chapéu à mera passagem de um cortejo fúnebre. O ambiente nos velórios era circunspecto e respeitoso. Mas até isto já começa a mudar, conforme indica a atividade de uma empresa norte-americana especializada em adquirir espaço publicitário em caixões. Ela paga até uns R$ 190 por cada espaço publicitário.

Assim, por exemplo, se o morto era motorista de caminhão, pense em um caixão enfeitado com propagandas de postos de gasolina e óleos lubrificantes. Se veterinário, com adesivos de marcas de ração para cachorros e por aí vamos. Fico a pensar na urna funerária de um profissional do circo - um palhaço ou um domador...

Houve um tempo no qual pessoas morriam e eram sepultadas ou cremadas em paz, sem maiores problemas - e eis aí um sinal de respeito tanto ao morto como aos seus entes queridos. Isto acabou. Hoje não raramente há que se esperar dias até que a burocracia libere os corpos para suas famílias - principalmente se forem miseráveis. E assim, nos confusos tempos atuais, até a paz dos cemitérios depende da eficiência dos burocratas.

Este o tratamento que temos dispensado aos mortos. A partir dele, que tal meditarmos sobre como temos atendido os vivos? A quantas anda, afinal, o espírito cristão por esta humanidade que tanto celebra seus avanços e descobertas?

O fato é que diante de tantos exemplos, todos eles oriundos de países absolutamente civilizados e altamente desenvolvidos, cheguei a uma conclusão: o negócio é nunca precisar de ninguém, ser sempre saudável e jamais morrer!

Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.