sexta-feira, 29 de março de 2019

Folha de S. Paulo – Chanceler Ernesto Araújo diz que não houve golpe no Brasil em 1964


Ricardo Della Coletta
Brasília

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou nesta quarta-feira (27) que não considera que houve um golpe militar no Brasil em 1964.

"Não considero um golpe. Considero que foi um movimento necessário para que o Brasil não se tornasse uma ditadura. Não tenho a menor dúvida em relação a isso", declarou Araújo, durante seu primeiro comparecimento à Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.

Araújo respondeu a uma pergunta do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).

Mais tarde, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) quis saber como o chanceler classificava o regime que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Araújo foi evasivo: "Me parece que é uma discussão de conceitos e palavras que não é relevante para a nossa política externa".

Com a declaração, Araújo se alinha ao presidente Jair Bolsonaro, que determinou que os quartéis brasileiros festejem o aniversário de 55 anos do golpe militar que inaugurou a ditadura no Brasil.

A determinação do presidente da República gerou reações de parlamentares e de entidades, como a Defensoria Pública da União, que ajuizará uma ação civil pública para impedir que a data do 31 de março seja comemorada nas unidades militares.

Durante seu comparecimento na Comissão de Relações Exteriores, Araújo fez uma defesa da sua gestão no Itamaraty. Ele negou que a política de aproximação com os Estados Unidos represente uma ação de subserviência aos interesses norte-americanos, uma das críticas disparadas por congressistas da oposição.

"Eu acho que o que existia antes era um complexo de inferioridade em relação aos Estados Unidos, no qual tinha-se a sensação de que qualquer cooperação com os EUA viria em detrimento do Brasil", declarou o chanceler. "Esse complexo foi um gigantesco tiro no pé do Brasil durante décadas."

Ele rebateu ainda as queixas de que o Brasil estaria reduzindo a qualidade do seu relacionamento com a China, hoje o principal parceiro comercial do país. Segundo ele, o país não pode atender a todos os interesses que os chineses têm no Brasil.

"Não teremos entreguismo nem para a China nem para os EUA", declarou o ministro.

Ernesto Araújo foi questionado ainda, na comissão, sobre declarações que fez no passado, quando elogiou a política externa dos governos do PT.

Em fevereiro de 2015, por exemplo, Araújo defendeu o governo Dilma num debate com economistas em Washington. O chanceler também escreveu uma tese em 2008 sobre o Mercosul, na qual defendeu o bloco econômico regional e a política externa adotada após a chegada dos petistas ao poder.

Nesta quarta, Araújo disse que se “iludiu”, que “não sabia dos escândalos de corrupção” e que o crescimento econômico prometido nos anos do PT “não se materializou”.

“Eu não percebia o quanto a projeção econômica brasileira estava baseada no boom das commodities. Não percebia, realmente falha minha, deveria ter estudado mais. Eu acreditava um pouco na própria propaganda do governo, de que haveria um processo de transformação do Brasil”, disse Araújo. 

“Eu me iludi realmente, achava que havia certas realizações que eram sustentáveis”, concluiu.

O chanceler também detalhou na comissão as medidas que o Brasil está tomando para auxiliar a população de Moçambique, atingida pela passagem do ciclone Idai, que deixou centenas de mortos no país.

Além do envio de 100 mil euros que serão destinados ao país africano, Araújo disse que bombeiros brasileiros auxiliarão na resposta à emergência humanitária em Moçambique.

"Nas próximas 48 horas estamos enviando um avião com ajuda humanitária médica e uma equipe de bombeiros para ajudar Moçambique. Isso será uma primeira medida, e veremos o que mais pode ser feito", declarou o ministro.

Agência Brasil – Valores e julgamentos morais sustentam política externa, diz chanceler


Ernesto Araújo participa de audiência pública na Câmara

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse hoje (27), em Brasília, que a política externa brasileira é sustentada na defesa da democracia e da liberdade.

Segundo ele, as ações do governo brasileiro se baseiam em valores e julgamentos morais, não em ideologia.

Reiterou que a alternativa para o fim da crise na Venezuela é promover eleições democráticas no país, apoiou a criação do fórum do Prosul em substituição à Unasul e as negociações com os Estados Unidos.

Araújo participa de audiência pública na Comissão de Relações Exteriores na Câmara, presidida pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), na qual há 41 parlamentares inscritos para encaminhar perguntas. Na abertura da sessão, o chanceler destacou que a política externa brasileira encerra o período da “não indiferença”.

“A não indiferença é a faculdade de agir no mundo, baseada em valores e julgamentos morais, não simplesmente em interesses materiais”, afirmou o ministro. “Temos a convicção da grandeza do Brasil. Por muito tempo não tivemos essa convicção,” disse.

Princípios
O ministro das Relações Exteriores afirmou que o Brasil, como país democrático, “tem o interesse e o dever de promover a democracia na sua região e ao redor do mundo”. Destacou que “democracia não é ideologia” e negou que a parceria sul-americana, recentemente reiterada, seja uma proposta da direita.

O chanceler reiterou que a criação do Prosul, nova comunidade de países latino-americanos que deverá substituir a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), em cerimônia em Santiago, no Chile, demonstra o empenho de vários países da região.

“O Prosul se [sustenta em] pilares de integração econômica e no respeito ao Estado de Direito. Houve uma certa tentativa de colocar esse projeto como se fosse de direita, como se a esquerda tivesse dúvidas sobre a democracia”, destacou.

Diagnóstico
Às vésperas da viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel, Araújo defendeu a parceria com os israelenses. Segundo ele, as resistências à aproximação com Israel devem-se ao “ambiente de rivalidade” que representam uma “visão ultrapassada. “Falta o diagnóstico certo”, ressaltou.

Em relação à Venezuela, Araújo reiterou a preocupação com o regime do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Segundo ele, o caminho é o das eleições democráticas no país. Segundo disse, se o vitorioso for um candidato de esquerda, ótimo, terá apoio do Brasil.

“O regime Maduro só tem uma prioridade: reprimir seu povo”, destacou. “O regime Maduro alberga organizações criminosas de toda sorte”, acrescentou. A crise na Venezuela atinge vários setores como a política, a economia e a área social. Nos últimos meses, intensificou-se a migração venezuelana em direção a outros países.

Araújo reiterou apoio a Juan Guaidó, autodeclarado presidente da Venezuela, considerado líder legítimo do país.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Bolsonaro diz não ter nada contra LGBT: 'Mas quero minha casa em ordem'

Bolsonaro diz não ter nada contra LGBT: 'Mas quero minha casa em ordem'

Em entrevista nos Estados Unidos, presidente defendeu modelo de 'família da Bíblia'

Bolsonaro diz não ter nada contra LGBT: 'Mas quero minha casa em ordem'
Notícias ao Minuto Brasil
Há 21 Horas por Notícias Ao Minuto

Política Fox News


Em entrevista ao canal de TV americano Fox News, transmitida na madrugada desta terça-feira (19) no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro foi apresentado pela jornalista Shannon Bream, entre outras características, como alguém que já fez “comentários incompatíveis com os valores americanos”, sobretudo os dirigidos à comunidade LGBT.

+ Na CIA, Bolsonaro se encontrou com diretora acusada de tortura

O presidente se defendeu e disse se tratarem de comentários “tirados de contexto”. "Se eu fosse tudo isso, eu não seria eleito presidente. Há um grande número de notícias falsas, mas a população aprendeu a usar redes sociais e pessoas não mais acreditam nem confiam na imprensa tradicional", afirmou.

Bolsonaro está em viagem aos Estados Unidos e se encontra, nesta terça-feira (19), com o presidente Donald Trump

Ele também defendeu o modelo de família "da Bíblia". "Não tenho nada contra homossexuais nem contra mulheres e não sou xenófobo, mas quero ter minha casa em ordem. A definição de família para mim é uma só, aquela da Bíblia. Se você quer se envolver numa relação homossexual, vá adiante, mas não podemos deixar governo levar isso para a sala de aula e ensinar isso para crianças de cinco anos", completou.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Ricupero caiu por excesso de pureza.Será?

"Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde"

Ricupero caiu por excesso de pureza

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Erramos: 07/09/94

Está errada a legenda desta reportagem, que identifica Rubens Ricupero como "ministro demissionário da Economia". Ricupero deixa o ministério da Fazenda.

Ricupero caiu por excesso de pureza

Foi uma injustiça demitirem Rubens Ricupero. Deviam é ter demitido a Rede Globo. Deslizes morais, numa conversa em "off", quem não os comete? Mas a "falha eletrônica" de que foi vítima o ex-ministro –uso de suas próprias palavras no discurso de despedida– é coisa imperdoável para a Rede Globo. Transmitir toda a conversa! Onde está o padrão de qualidade da emissora?

Como todo mundo, levei um choque ao ler a transcrição da conversa entre Ricupero e Monforte. Como todo mundo, eu gostava de Ricupero. Sua beatitude o punha acima de qualquer suspeita. O sotaque simples, os olhos azuis, o cabelinho branco, o perfil magro, a fé: tínhamos um santo no ministério.

Funaro era mais um pastor evangélico, um mártir; tinha a dureza dos heróis, a pertinácia dos perseguidos, o olhar fixo dos visionários. Ricupero era uma versão católica, cordata, modesta e pura do salvador da pátria.

Lendo o que disse a Monforte, o choque foi enorme. Sob as vestes de beato, entreviu-se o cínico, o duende, o sujo, o pagão. Mas será que não estamos exagerando um pouco?

Quero entender Ricupero, estou decidido a desculpá-lo. Desconfio que ele se perdeu pela pureza da própria alma. Pecou –mas quem peca, por definição, é inocente.

Sem ironia: imagino um homem digno, reto, para quem a santidade não é uma palavra vazia, arremessado de repente ao Ministério da Fazenda. Imagino, além disso, que esse homem não é nenhum idiota, que sabe das imensas pressões eleitorais em curso, do entrechoque dos interesses "reais" em jogo. Imagino também que, após uma carreira discreta e abnegada, esteja experimentando um súbito contato com a mídia.

Suas declarações em "off" foram ouvidas pelo público e transcritas na Folha (o "Estado de S. Paulo" só as reproduziu no dia seguinte). Cabe aqui uma explicação quanto ao fenômeno do "off".

"Off", ou "off the records", é como se chamam as declarações impublicáveis de qualquer autoridade, que não obstante merecem ser ditas a um jornalista. De certo modo, são o grande tesouro de que dispõe um ministro ou presidente.

Não há quem resista à tentação. A autoridade, exausta de manter ternamente a máscara oficial, abre repentinamente um segredo valioso ao jornalista que a cerca. Valoriza-se, assim. Tem a oportunidade de encetar um diálogo inteligente com alguém.

O "off" se torna a vingança da autoridade contra uma imprensa que publica tudo. Torna-se também a vingança de uma autoridade forçada pelas conveniências políticas a ser mais burra do que é. Envaidece ao mesmo tempo a inteligência do jornalista e a inteligência da fonte.
Cria-se então uma comunidade ilusória entre pessoas "experientes", "vividas", que sabem como o mundo funciona. Na conversa com Monforte, Ricupero demonstrou plenamente que sabe como o mundo funciona. Sabe que a Globo pode apoiar FHC usando o ministro da Fazenda como álibi da operação.

Claro que, encantado pelo poder, Ricupero caiu ingenuamente no gozo do "off". Falou o que não devia. Mas devo corrigir a frase: ele não estava encantado pelo poder, ou só em parte. Estava, o que é normal, preservando com Monforte a própria inteligência, antes de uma entrevista oficialesca. Vaidade? Não. Amor-próprio, tingido de realismo maquiavélico. Mas como ele não é nenhum Maquiavel, desafortunou-se quando suas afirmações foram divulgadas.

Repito: por excesso de pureza é que Ricupero se perdeu. Foi inteligente no momento errado. Foi malicioso num momento em que um verdadeiro malicioso ficaria calado. Não aguentou o cinismo que dele era exibido.

A Rede Globo, por sua vez, é cínica até o fim. Basta ler a coluna diária de Nelson de Sá para perceber o grau de manipulação eleitoreira, de descompromisso com os fatos, de desonestidade e de oficialismo nos noticiários da emissora. É simplesmente nojento. No episódio Ricupero, tudo foi tratado no condicional: o ministro "teria dito que..."

É o pior jornalismo da televisão brasileira; lembro-me de comentaristas econômicos ficarem negando choques e congelamentos quando todo mundo sabia que eles iriam acontecer.

A Globo é uma fábrica de mentiras; fábrica burra, à medida que nega até o último momento aquilo que acontece e, no dia seguinte, tem de dar conta daquilo que negou na véspera.

Manipulação evidente pró-Collor, pró-FHC, pró-Plano Real. Mas não acho que a Globo deva ser encarada como "demônio". O fato é que as pessoas assistem à Globo.

Deveriam ter deixado de acreditar em Alexandre Garcia e Cid Moreira há muito tempo. Mas as pessoas acreditam. Querem acreditar. Assim como querem votar em FHC. Os espectadores da Globo não são inocentes, não são cretinos manipulados pelo poder. Assistem a um noticiário que sabem dirigido à imbecilidade brasileira.

Não é que vão votar em FHC dirigidos pela Globo. Antes de escolher FHC já escolheram a Globo. Pensar dói, disse um filósofo. A Globo nos presta esse grande serviço, o do emburrecimento coletivo, e graças a isso podemos ser burros em paz, votar em quem ela manda, aprovar o real.

Claro que o real é ótimo. Não quero fazer aqui a defesa da candidatura Lula.

As opções de voto são respeitáveis em si. Pode-se votar em FHC sem ser um manipulado pela Globo, pode-se votar em Lula sabendo dos riscos que isto implica. E é claro que toda população brasileira quer o fim da inflação.

Mas também me parece claro que o Plano Real foi milimetricamente adotado com vistas às eleições presidenciais. Teoricamente, o regime das URVs deveria ter sido prolongado até que as "condições prévias" (saneamento das contas públicas, reforma na Previdência, privatização) fossem decididas pelo Congresso.

Não. Inventou-se uma nova moeda "estável" antes dessas reformas, simplesmente porque uma precária estabilidade de preços viria a anteceder as eleições presidenciais. Isso é óbvio, a Rede Globo martela essa obviedade, e o ex-ministro Ricupero também.

Ridículo dizer que no caso do Plano Real é importante obter o apoio, a mobilização do cidadão comum. Não é um plano que exija fiscais como os de Sarney. O cidadão precisa ser mobilizado apenas para votar em FHC.

O que é óbvio, à medida que Lula não demonstrou ter respostas concretas para a inflação. O Plano Real tampouco, mas parece ter.
As ilusões globais valem mais que a realidade. O pretenso plano de governo de FHC foi brandido, no horário eleitoral, sob a forma de um livro grosso e consistente. A Folha denunciou a farsa: sob a capa brilhante, escondia-se um miolo de páginas de livro esotérico, que falava do poder anímico dos objetos. Ou seja, contava casos em que as coisas andam por si mesmas. Carros dão partida sozinhos, enceradeiras funcionam sem ordem humana.

É a força inercial das coisas. Metáfora do conservadorismo de uma campanha fernandohenriquista onde, para garantir o progresso e a justiça social, é preciso aliar-se aos que mandam, ACM, Marco Maciel, oligarquias. FHC proclama a todo custo "a força das coisas": é assim, o Brasil é assim, vamos aceitar.

O nome de "real" para o plano econômico foi bem dado. Sejamos realistas, prometamos o impossível. Lula promete o mais-que-impossível: a utopia da revolta. FHC fica no "realismo".

Mas em matéria de "realismo" foi o ex-ministro quem deu a última palavra. Foi "realista" demais.

Texto Anterior: ENTRELINHAS

"Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde".





MANCADA - Quem tinha antena parabólica e via o canal 23 por volta das 20h30 do dia 1º de setembro acompanhou um acontecimento histórico: depois de participar do Jornal Nacional, o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, se preparava para gravar uma entrevista para o Jornal da Globo. Enquanto as câmeras eram ajustadas, Ricupero conversava com o jornalista Carlos Monforte. Mal sabia ele que o papo estava sendo captado pelas parabólicas. Descuidado, declarou: "Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde".







REPERCUSSÃO - Três dias depois da célebre mancada, Ricupero afastou-se do governo Itamar Franco. Ciro Gomes assumiu o posto.



https://acervo.oglobo.globo.com/frases/eu-nao-tenho-escrupulos-que-bom-gente-fatura-que-ruim-esconde-18904449