C. S. Lewis e a Lei Natural Humana. Parte 1

Lewis argumenta em favor de uma lei natural, ou lei de dignidade de comportamento, que se trata de uma noção singular impressa nas consciências, seja direta ou indiretamente. Essa lei pode ser observada no cotidiano e é expressa por pessoas cultas ou incultas, adultos ou crianças quando dizem, por exemplo: “Eu cheguei primeiro” ou: “Você prometeu, mas não cumpriu” “Deixe-o em paz porque ele não te fez nenhum mal”.

Tais afirmações demonstram que os interlocutores devem conhecer um padrão moral de comportamento (seja direta ou indiretamente), o qual um exige do outro. Ora, não haveria sentido na discussão de dois indivíduos a respeito de como o outro deveria agir em uma determinada situação se ambos não concordassem (ainda que inconscientemente) com um padrão moral objetivo, padrão esse que decorre da lei natural ou Lei da Natureza Humana.

Lewis compara esse tipo de discussão como o fato de um jogador receber falta em uma partida de futebol. Esse tipo de penalidade só se torna possível quando há uma concordância prévia com as regras do jogo. Quando uma pessoa exige de outra (ou de outras) um determinado comportamento e recebe de seu interlocutor (ou interlocutores) uma justificativa – sempre inválida pelo fato da responsabilidade do agente subsistir – para a má conduta praticada, fica clara a concordância de ambas as partes em um padrão objetivo de comportamento.

A lei natural abordada por Lewis foi compreendida pelos antigos como natural, pois eles entendiam que esse padrão moral de comportamento era entendido por todos e, por conseguinte, não precisava ser ensinado. Lewis argumenta que assim como há a lei gravitacional e a lei biológica que subordinam os corpos e os organismos à égide delas, a lei natural ou lei de dignidade de comportamento subordina as consciências humanas ao seu governo. A diferença entre a lei natural em apreço e as leis biológicas se encontra no fato de que, enquanto as leis biológicas subordinam os corpos sem que eles possam escolher não obedecê-las, a lei natural de comportamento pode ser obedecida ou desobedecida.

 Lewis explica que essa lei natural não é compartilhada entre os humanos e os demais seres (animais, vegetais e entes inorgânicos), como ocorre em relação às leis biológicas e à lei gravitacional. Algum ser vivo pode escolher desobedecer à circulação sanguínea ou aos batimentos cardíacos que drenam as suas veias e artérias? Algum corpo pode escolher violar aos ditames da gravidade? Decerto que não. Mas a Lei Natural Humana, pelo fato de ser designada e percebida de modo exclusivo aos seres humanos, pode por eles ser desobedecida, caso queiram.

Supondo que o certo e o errado não fossem entes reais as críticas à guerra ou ao nazismo, por exemplo, não teriam o menor sentido. Somente pelo entendimento da realidade de um padrão moral objetivo (composto por ações corretas e incorretas), o qual deve ser obedecido por todos os humanos, torna-se possível culpar os nazistas por suas ações desumanas e à guerra por suas consequências funestas.

Se bem que a guerra pode ocorrer para a salvaguarda de valores dignos e justos, mas não desejo aqui me aprofundar nesse ponto. Lewis responde às objeções feitas à lei natural de comportamento que ele apresenta. Muitos críticos dizem que essa lei natural não existe, pois a doutrina moral das civilizações e povos se mostrou muito diferente ao longo da história. Lewis desenvolve uma refutação a esse argumento.

É certo que existem diferenças entre as doutrinas morais dos povos, mas não há uma diferença total.


Lewis convoca os leitores a examinarem os códigos de moralidade dos antigos egípcios, babilônicos, gregos, hindus e compará-los aos nossos. Veremos que há elevados níveis de semelhança entre eles. Mas é preciso considerar a pergunta: o que seria um código moral totalmente diferente dos demais? Bem, a resposta dada por Lewis fundamenta outra indagação: conhecemos ou temos a ciência de algum país onde seja nobre fugir da guerra ser egoísta ou traidor e seja abominável ou, ao menos, desagradável praticar o autossacrifício ou a fidelidade? Não há. Pode-se diferenciar o objeto do altruísmo de alguém: se família, amigos, compatriotas ou o gênero humano. Mas em nenhuma civilização tribo ou contexto cultural, o egoísmo foi ou é admirável. Pode-se discordar sobre o número de esposas com que um homem pode se casar. Mas, em nenhuma cultura, um homem pode ter qualquer mulher que simplesmente lhe apeteça.


Os homens que negam a existência do certo e errado logo mudam de opinião quando julgam algum ato como sendo justo ou injusto. De onde eles tiraram essa noção de justiça? Alguns homens não cumprem os seus acordos, mas se sentem lesados quando a outra parte não os cumpre. Negam a moral objetiva, mas culpam outros homens quando agem de uma determinada maneira, por acreditarem que a ação deles é injusta ou desonesta. Ora, afirmar que uma conduta é justa ou injusta, honesta ou desonesta, implica na realidade de um padrão de justiça, caso contrário essa afirmação não tem qualquer sentido. Lewis encerra a argumentação voltada à comprovação da existência de uma lei natural de comportamento e se volta para outra defesa, a de que todos os homens conhecem a lei natural de comportamento (de modo consciente ou não), mas nenhum consegue praticá-la à risca. (Continua)

Referência:
LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. 5ª ed. São Paulo: ABU, 1997, pg. 9-11.