quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Tudo a ver: crimes da mineração e usinas nucleares, artigo de Heitor Scalambrini Costa








Tudo a ver: crimes da mineração e usinas nucleares, artigo de Heitor Scalambrini Costa


artigo de opinião


[EcoDebate] A cada nova tragédia humana, ambiental e econômica em nosso país, vivenciamos a vulnerabilidade da população mais pobre, da população nativa e tradicional, diante da força e da crueldade do capitalismo, da ganância do setor privado, enaltecidos por alguns como a “salvador da pátria”. A este, recai toda responsabilidade dos últimos acontecimentos, e que poderiam ser evitados, em que centenas de pessoas perderam suas vidas. E o meio ambiente totalmente devastado e contaminado por dezenas de anos.


Obviamente não se pode omitir a responsabilidade dos políticos, prefeitos, governadores, ministros, juízes, desembargadores, técnicos de órgãos ambientais, analistas, investidores, burocratas, que contribuíram para a matança verificada em Minas Gerais.


Me refiro ao crime que atingiu o município de Brumadinho, localizado a menos de 60 km de Belo Horizonte. Lembrando que há mais de três anos, no dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco (controlada através de uma joint-venture entre a Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton), deixou 19 mortos e causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas e contaminou o Rio Doce, no distrito de Bento Rodrigues, do município de Mariana.

Agora se repete um crime semelhante ao que a empresa Vale cometeu em Mariana, com o rompimento da Barragem 1 da mina do córrego do Feijão, no município de Brumadinho. Esta barragem, cuja construção foi iniciada em 1976, tinha 86 metros de altura e 720 metros de comprimento, com volume estocado de rejeitos da mineração de ferro de 11,7 milhões de metros cúbico. Mais de 300 desaparecidos, que com o tempo a grande maioria serão, lamentavelmente, declarados como mortos, devido ao tamanho devastador do evento. Muitos deles funcionários da própria empresa e terceirizados.

Riscos de ocorrer acidentes sempre existem em obras de engenharia, e não devem ser menosprezados para que tragédia como esta aconteçam. Dai o enorme acervo tecnológico disponível para minimizar a ocorrência de riscos de acidentes. Mas que pela cobiça pelo lucro fácil, negligência, certeza da impunidade não foram utilizados pela empresa. A mineração, sem dúvida, constitui em uma das atividades cujos desastres quando acontecem, tem uma capacidade extraordinária de destruição da vida.

Outra atividade danosa é o uso da energia nuclear para fins de produção de energia elétrica, de força motriz de submarinos, e de uso bélico. Principalmente, pelo fato de que não precisamos desta fonte de energia para garantir a segurança energética, e nem para o desenvolvimento sustentável que tanto almejamos.

Esta comparação hoje é necessária diante da discussão do uso da energia nuclear no Brasil, e diante de seu potencial destrutivo com a liberação de resíduos radioativos. Os pronunciamentos e ações dos responsáveis pela politica energética, tanto o presidente da república, quanto o seu ministro de minas e energia, são, no mínimo, preocupantes. Estas autoridades têm declarado que o país não pode prescindir da nucleoeletricidade para diversificar sua matriz energética, e garantir energia elétrica ao país; e que a construção e a ampliação do parque de usinas nucleares será prioritário no atual governo.

Hoje 2 usinas nucleares funcionam, ambas na praia de Itaorna, município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Uma terceira, também em Angra, contratada em 1983, parou as obras poucos anos depois, reiniciada em 2010, e novamente interrompida em 2016, por dificuldades financeiras e pela corrupção, Angra 3, é prometida para ter suas obras reiniciadas . Além do plano de construir entre quatro e oito novas usinas nucleares no país sendo (4 usinas no nordeste e 4 no sudeste), previstas no planejamento energético nacional para os próximos anos.

Movimentos sociais, cientistas, sindicatos, igrejas, personalidades públicas, especialistas têm denunciado os fatores de risco, e mesmo o perigo eminente que esta decisão significa, particularmente no caso das usinas nucleares do Nordeste, que seriam instaladas a beira do Rio São Francisco, que atende mais de 500 municípios nordestinos.

A definição do atual governo em relação a energia nuclear na verdade é motivada por interesses que não são explicitados claramente a sociedade. O que fica claro e cristalino, mostrado em distintos estudos, é que caso se amplie o uso da eletricidade nuclear as tarifas serão majoradas para todos os consumidores do país, para remunerar os custos astronômicos de tais empreendimentos. Além de aumentar a probabilidade de ocorrer tragédias catastróficas, devido à irresponsabilidade e insanidade de alguns. Tal perigo tem levado vários países a rever seus planos de construção de novas usinas nucleares.

A lama assassina derramada pela Vale, e que ceifou a vida de mais de 300 pessoas, deve servir de exemplo para que a construção de novas usinas nucleares pelo poder público seja abandonada. Tem tudo a ver o sofrimento da população atingida pela Vale, com o que poderá acontecer em um futuro breve provocado pelas usinas nucleares, caso a sociedade brasileira não se rebele frente a decisões equivocadas, que representam riscos trazidos ao meio ambiente e a vida dos brasileiros pelo novo governo.

O Brasil e o Nordeste não precisam de usinas nucleares.

Heitor Scalambrini Costa
Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco
Membro da Articulação Antinuclear Brasileira

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/01/2019
"Tudo a ver: crimes da mineração e usinas nucleares, artigo de Heitor Scalambrini Costa," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/01/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/01/29/tudo-a-ver-crimes-da-mineracao-e-usinas-nucleares-artigo-de-heitor-scalambrini-costa/.


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O Estado de S. Paulo – Mesmo após Mariana, projetos buscam afrouxar legislação


Pelo menos 6 propostas que chegaram ao Congresso desde 2015 buscam flexibilizar o licenciamento ambiental

Marcelo Osakabe

Desde a tragédia ambiental do rompimento da Barragem do Fundão em 2015, no município de Mariana (MG), em 2015, ao menos seis novos projetos apresentados na Câmara e no Senado propuseram flexibilizar, de alguma maneira, o licenciamento ambiental no Brasil. É o que mostra um levantamento feito na plataforma Inteligov.

O mais recente deles, o 168/2018, foi proposto pelo senador Acir Gurgacz (PDTRO), e dá nova redação ao licenciamento ambiental. Entre as mudanças que foram alvo de críticas por parte de movimentos ambientalistas estão a supressão do parágrafo que obriga Estados a adotarem as mesmas regras de aplicação nacional. O PL também limita o alcance do licenciamento ao fazê-lo se ater somente a área de influência direta dos empreendimentos e não também as indiretas, como consta no texto original.

Gurgacz também foi autor, em 2016, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65, que ficou conhecida como “PEC da Samarco” por ser apresentada apenas seis meses depois da tragédia ambiental em Mariana. Relatado pelo então senador Blairo Maggi (PRMT). O texto estabelecia que uma obra não poderia ser embargada a partir da apresentação do Estudo Impacto Ambiental (EIA).

Como o EIA é feito pelo próprio empresário e apresentado no início de qualquer obra, nenhum processo seria interrompido e o licenciamento ambiental perderia o sentido. O texto chegou a ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), mas foi engavetado posteriormente.

Deputados. Na Câmara, outros quatro projetos foram apresentados desde o episódio envolvendo a barragem da Samarco, empresa ligada à Vale. Um deles, o 4429/2016, de autoria do deputado Wilson Filho (PTB-PB), cria um “licenciamento ambiental especial” para obras de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional. A classificação, que seria concedida pelo Poder Executivo, poderia beneficiar todo tipo de obra de grande porte: desde transporte de todos os modais a portos até obras de energia, telecomunicações e exploração de recursos naturais.

O PL 7143/2017, apresentado por Beto Rosado (PP-RN), isenta de licença a exploração de campos marginais de exploração de petróleo e gás por produtores independentes. Já o PL 7143/2017, de Francisco Floriano (DEM-RJ), prevê “procedimentos diferenciados” para o licenciamento de atividades de baixo impacto ambiental por pequenas e médias empresas. O 9177/2017, de autoria de Lucio Mosquini (MDB/RO), isenta de licenciamento obras de manutenção em aeroportos, portos, e estradas.

Os quatro PLs que tramitam na Câmara estão apensados ao 3729/2004, nova versão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que tramita em regime de urgência e teve sua última redação apresentada pelo deputado Mauro Pereira (MDB/RS). Entre outras medidas, o texto, que contou com apoio da Frente Parlamentar Agrícola (FPA), impõe restrições a demarcações de terras indígenas, abre espaço para que o empreendedor questione ações de compensação ambiental e libera Estados e municípios para criarem as próprias regras de licenciamento.

O Estado de S. Paulo – Brasil atinge sua pior nota em ranking de corrupção


Índice da Transparência Internacional coloca o País no 105º lugar entre as 180 nações avaliadas anualmente pela entidade

Breno Pires / BRASÍLIA

O Brasil atingiu no ano passado a sua pontuação mais baixa e a pior colocação no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), divulgado anualmente pela Transparência Internacional, desde que a metodologia passou a permitir a comparação anual, em 2012. Com 35 pontos – em uma escala de 0 a 100 –, o País é agora o 105.º colocado entre 180 nações avaliadas. Em 2017, estava com 37 pontos no 96.º lugar.

O índice está sendo divulgado nesta terça-feira no mundo todo. O IPC é elaborado por meio de cruzamento de até 13 fontes de dados que tratam das percepções de profissionais do mercado e de especialistas sobre o nível de corrupção no setor público. Quanto menor a nota, maior a percepção de corrupção no país.

O relatório avalia que a sucessão de escândalos no País nos últimos anos tende a aumentar a percepção de que a corrupção está piorando. Foi no ano passado, por exemplo, a prisão do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção na Operação Lava Jato, e o oferecimento de uma terceira denúncia contra o então presidente Michel Temer, em dezembro, no chamado inquérito dos Portos.

“O resultado ruim deste ano foi certamente influenciado pela total inércia do governo Temer e do Congresso em fazer avançar políticas públicas e reformas anticorrupção”, afirmou o diretor executivo da Transparência Internacional Brasil, Bruno Brandão, que também criticou o indulto natalino editado pelo ex-presidente.

Procurado por meio da assessoria de imprensa para responder sobre a crítica de inércia e de favorecimento à impunidade, Temer informou que o indulto não se enquadrava em casos de integrantes do governo, sob investigação. “É absurdo que entidade como a Transparência divulgue informação incorreta e distorça os fatos.”

O ex-ministro da Justiça Torquato Jardim rebateu críticas e disse que as instituições de combate à corrupção continuam trabalhando normalmente.

Correio Braziliense – A sociedade exige respeito / Editorial


A tragédia provocada pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho torna premente que os Três Poderes — Executivo, Judiciário e Legislativo — deem respostas rápidas à sociedade. Não é possível que, com tantos mortos e tantas famílias destruídas, se repitam o descaso, o protelamento, o jogo de empurra e os conchavos nos bastidores que sempre imperaram no país para proteger o poder econômico. A população não mais tolerará esse tipo de comportamento.

Espera-se, do Judiciário, agilidade no julgamento dos processos contra a mineradora. Como se sabe, passados mais de três anos do desastre provocado pela companhia em Mariana, ninguém foi punido. As indenizações às vítimas continuam empacadas. Com uma banca de advogados caríssimos, a Vale adia ao máximo as decisões nos tribunais. 

Acredita que, dessa forma, o crime prescreverá e nada será pago.

A sensação de impunidade, por sinal, está por trás da repetição da tragédia, agora, muito mais violenta — é possível que os mortos no vale de lama passe dos 300. Como domina os meandros da Justiça, a mineradora não se preocupou em adotar medidas de segurança que pudessem evitar o rompimento da barragem de Brumadinho. É essa postura arrogante — não só da Vale, ressalte-se — que precisa ser defenestrada pelos tribunais.

Do Legislativo, a demanda é simples: pede-se agilidade na votação dos projetos que estão parados pelo lobby fortíssimo das mineradoras. Há várias propostas no sentido de se apertar as regras para a concessão de exploração do solo do país e de tornar ainda mais rígida a fiscalização. Mas nada anda. Todas as tentativas nesse sentido são frustradas pelos movimentos de deputados e senadores, sob a alegação de que mais amarras podem inviabilizar as empresas, grandes geradoras de empregos e impulsionadoras do Produto Interno Bruto (PIB).

Em relação ao Executivo, é importante que se saia do discurso para a prática. E que um caso tão dramático não seja tratado com viés ideológico. É notório que os integrantes do atual governo sempre se mostraram contrário à adoção de mecanismos mais rígidos para a proteção do meio ambiente. Falou-se muito, inclusive, sobre a retirada de poderes do Ibama, apontado como um entrave para o desenvolvimento ao dificultar a concessão de licenças ambientais.

O que se está vendo em Brumadinho não só reforça a importância de órgãos reguladores fortes, como exige ações concretas para punir, de forma efetiva, todos os que transgridem as leis. Não é possível que o país continue sendo obrigado a assistir, de tempos em tempos, a pessoas morrerem vitimadas pela omissão do Estado. O Brasil precisa dar mostras efetivas de que os interesses da sociedade, da maioria, estão acima de tudo.

O Globo – Tragédia força recuo em crítica à fiscalização / Editorial


Bolsonaro atacou na campanha cuidados com o meio ambiente que fizeram falta em Brumadinho

É comum governantes reverem alguma promessa de campanha quando assumem o poder. Pois a realidade sempre se impõe, e vai depender da sensibilidade do político fazer correções de rota, de forma mais rápida ou não, para não insistir com ideias equivocadas, inviáveis.

Com Jair Bolsonaro não será diferente, e, em menos de um mês de Planalto, acontece a tragédia de Brumadinho, no rompimento de uma represa de rejeitos de mineração da Vale, na Mina do Feijão, sendo contabilizados até ontem à tarde quase 300 desaparecidos e já com 65 mortes confirmadas. Deverá ser o maior acidente de trabalho da história do país.

A catástrofe atinge em cheio promessas do ainda candidato Bolsonaro de flexibilizar a fiscalização ambiental, para melhorar a vida dos empresários. Intenção louvável em si, se o objetivo for depurar o ambiente de negócios no país, deteriorado, segundo pesquisas, entre outras causas, pela espessa cultura burocrática do Estado brasileiro.

Mas Brumadinho força o presidente e equipe a fazerem uma reflexão. Afinal, há três anos, ocorreu acidente idêntico, também em Minas Gerais, na região de Mariana, em que o rompimento de uma barragem de mineração da Vale riscou do mapa a localidade de Bento Rodrigues e enlameou o Rio Doce, jogando rejeitos de minério no Atlântico, a 600 quilômetros de distância. Até então o maior desastre ambiental do país, responsável por 19 mortes.

Bolsonaro foi pródigo em críticas à estrutura de fiscalização e punição por crimes ambientais, sem deixar de agredir organizações não governamentais que atuam no setor e recebem parte das penalizações financeiras.

Em uma de suas críticas ao Ibama e ao ICMBio, o ainda candidato prometeu tirar o Estado do “cangote de quem produz”. Logo após o primeiro tuno das eleições, disse que acabaria com a “indústria de multas” lavradas por organismos de defesa do meio ambiente.

Sabe-se como são campanhas eleitorais. A tomar ao pé da letra o que afirmou o candidato, seu governo seria de absoluta liberdade para a produção. Desejável, mas, é certo, considerados alguns limites ditados pelo bom senso.

A tragédia de Brumadinho, na sexta, inspirou declarações equilibradas de autoridades. Por exemplo, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, esclareceu: “Flexibilizar para que algumas obras saiam do papel não significa afrouxar”. Em entrevista no domingo ao G1, por sua vez, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, execrado por ambientalistas, defendeu que o projeto da lei de licenciamento que está no Congresso precisa ter rigor e foco em projetos de alto impacto, caso da mineração. Tem lógica.

Ficou comprovado, de forma dramática, ilustrado por dezenas de mortos, que todo o aparato burocrático de preservação ambiental, pelo menos na mineração, é pouco ou nada eficaz. A solução não é eliminá-lo, mas reformá-lo.

O Estado de S. Paulo – Quando a impunidade mata / Editorial


Urge que o Estado aja com firmeza para que os culpados realmente paguem pelo que fizeram – dos empresários que colocaram vidas em perigo até os funcionários públicos, que se omitiram criminosamente.

O Brasil parece incapaz de punir quem age de maneira irresponsável e coloca em risco a vida de terceiros. Se o fizesse, conforme mandam a lei e os imperativos morais, quase com certeza tragédias como a ocorrida em Brumadinho (MG) não ocorreriam.

Em meio à comoção geral que esses terríveis eventos suscitam, autoridades se apressam a prometer rigor na investigação dos fatos, na identificação dos culpados e na edição de medidas para impedir que os desastres se repitam. As empresas envolvidas pedem desculpas e se comprometem a renovar seus protocolos de segurança, e o Ministério Público promete caçada implacável aos criminosos. O País já viu esse filme incontáveis vezes, sempre com o resultado da impunidade geral.

Espera-se que, ante as centenas de vítimas soterradas sob 12 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de mineração, nesse desastre de proporções inéditas que cobriu o País de vergonha e indignação, os responsáveis sejam devidamente castigados, à altura do crime cometido. Pois é de crime que se trata.

Mas o fato é que, passados alguns dias da ruptura da barragem da mineradora Vale, tudo se repete como nas tragédias anteriores. O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, pediu “desculpas a todos os atingidos, à sociedade brasileira”, embora considere o desastre “indesculpável”. Em seguida, porém, assegurou que a Vale, “uma empresa muito séria”, “fez um esforço imenso” e tomou “uma lista infindável de ações” para “deixar nossas barragens na melhor condição possível” – tudo isso, disse o executivo, “especialmente depois de Mariana”.

A cidade mineira de Mariana virou sinônimo de tragédia ambiental em novembro de 2015, quando houve ali a ruptura de uma barragem de rejeitos de mineração, soterrando sob 43 milhões de metros cúbicos de lama vários distritos da região, matando 19 pessoas e causando o que até agora era considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil. A barragem era de responsabilidade da mineradora Samarco, controlada por uma joint venture entre a Vale e a mineradora anglo-australiana BHP Billiton. Na ocasião, a direção da Samarco também garantiu ter cumprido todas as exigências de segurança para prevenir acidentes como aquele.

Ou as empresas envolvidas nessas tragédias faltam com a verdade quando dizem ter seguido todos os procedimentos de segurança, ou esses procedimentos são evidentemente insuficientes. Tanto em Mariana como em Brumadinho, as barragens eram consideradas de “baixo risco” de acidente pelas autoridades responsáveis pela fiscalização. Não é preciso ser especialista para concluir que há algo de errado nessas avaliações, até porque, nos dois casos, não houve acidente natural. O que houve foi a escolha deliberada de tipos de barragem de baixo custo e alto risco, acrescida de fiscalização e controle no mínimo desidiosos.

Depois do que aconteceu em Mariana, esperava-se que a comoção nacional gerasse ações concretas para impedir sua repetição. Na ocasião, constatada a insuficiência da fiscalização, foram feitas promessas de maior rigor na manutenção das barragens e garantiu-se que haveria reparação para as famílias atingidas. Três anos depois, a fiscalização continua insuficiente, poucas famílias receberam indenização e nenhum executivo ou autoridade respondeu por seus atos ou omissões.

O governo montou um “gabinete de crise” para acompanhar os desdobramentos do desastre de Brumadinho, mas a maior crise a ser administrada é moral, e isso “gabinete de crise” nenhum será capaz de fazer.

A tragédia de Mariana, os deslizamentos de terra que mataram centenas de pessoas em morros do Rio de Janeiro, o incêndio da boate Kiss, que matou 242 pessoas há cinco anos, e outras catástrofes que revoltaram os brasileiros nos últimos tempos têm algo em comum entre elas, além do grande número de vítimas: em nenhum dos casos, os responsáveis foram punidos. E a sequência dos casos sinistros é a evidência de que “fiscalização”, para o poder público, é um amontoado de letras sem qualquer significado.

Agora, no caso de Brumadinho, urge que o Estado aja com firmeza para que os culpados realmente paguem pelo que fizeram – dos empresários que, além de arriscar seus capitais, colocaram vidas em perigo, até os funcionários públicos, que se omitiram criminosamente. Aí está a chave para evitar que tais desastres se repitam.

Folha de S. Paulo – Papa defende que escolas deem educação sexual sem 'colonização ideológica'


Pontífice afirmou que educação sexual com colonização ideológica 'destrói a pessoa'.

Anna Virginia Balloussier
SÃO PAULO

É preciso dar aula de educação sexual nas escolas, mas uma que seja livre de “colonização ideológica”, disse nesta segunda-feira (28) papa Francisco.

“Você precisa de uma educação sexual objetiva, sem colonização ideológica. Se você começar a dar educação sexual repleta de colonização ideológica, você destrói a pessoa.”

O pontífice deu a declaração a jornalistas a bordo do avião que o levou de volta ao Vaticano, encerrando sua participação na Jornada Mundial da Juventude, neste ano realizada no Panamá.

“Sexo é um dom de Deus, e não um monstro”, disse o papa. A sentença vem sendo celebrada por setores conservadores do Brasil, adeptos da teoria da "ideologia de gênero", que julgam ser uma criação da esquerda para defender que sexo biológico e gênero são coisas distintas.

Em 2016, o papa já havia dito que a teoria de gênero é um “grande inimigo” do casamento tradicional e da família, uma “guerra global” que teria como meta, “não com armas, mas com ideias”, propagar a “colonização ideológica”.

A expressão já foi empregada pelo argentino em mais de uma ocasião. Para Francisco, seria uma tática aplicada por países do Primeiro Mundo para oprimir outras nações.

Há três anos, o pontífice relatou um encontro com um pai francês que tinha um filho que queria ser menina após ler sobre essa possibilidade num livro. "Isso é contra a natureza”, afirmou o papa. “Uma coisa é alguém ter essa tendência… E outra é ensinar isso na escola.”

A declaração conversa com o debate brasileiro sobre o Escola Sem Partido, uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que repudia a doutrinação partidária e ideológica por parte de professores. Se por um lado há quem a defenda, por entender que há temas que não devem ser tratados em sala de aula, para críticos trata-se de um mecanismo de censura e intimidação.

O Escola sem Partido foi arquivado depois de meses de discussão em uma comissão especial da Câmara, mas deve voltar a ser discutido pela nova legislatura em 2019.