sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Padrão mantido

                 


                                                           
A primeira pesquisa do segundo turno do Data Folha mostra que a tarefa do petista Fernando Haddad de superar  Bolsonaro continua sendo uma missão quase impossível. Somente se o inesperado fizer uma surpresa, como na música de Jonnhy Alf, será possível reverter essa tendência.

Ambos cresceram em proporções iguais, Bolsonaro 12 pontos percentuais e Haddad 13 pontos, mostrando que o eleitorado que saiu do primeiro turno tendo escolhido outros candidatos dividiu igualmente os votos entre os dois.

O resultado confirma o padrão das eleições anteriores, com quem saiu na frente mantendo a dianteira com uma votação próxima de 60%. Lula, em 2002 e 2006 venceu com 61,27% e 60,83 % dos votos respectivamente. A votação de Dilma foi de 56,05%, próximo disso, portanto, em 2010. A derrocada petista começou em 2014, quando Dilma teve 51% dos votos e ganhou a eleição por pouco mais de 3%.

Bolsonaro tem 58% dos votos válidos, enquanto o petista Fernando Haddad conseguiu 42%.  Bolsonaro vence com facilidade em todas as regiões do país, com exceção do nordeste, onde o petista tem 52% contra 32% de Bolsonaro. Mas esse resultado está longe da performance de Lula, que tinha quase 60% dos votos naquela região.

Confira outras análises de Merval Pereira
Revendo rumos
Quadro é favorável a Bolsonaro
Recomeço

Também informa que a transferência de votos de Lula e Ciro não se deu, pelo menos ainda, em sua plenitude. A soma, no Nordeste, dos votos de Haddad e Ciro daria ao petista 68%, 16 pontos abaixo do que ele conseguiu nesta primeira pesquisa. Nos números oficiais, Bolsonaro teve 26%; Haddad 51%, Ciro 17%. Nessa primeira pesquisa Datafolha quem subiu na região foi Bolsonaro, e Haddad ficou parado nos 52%. Restariam cerca de 11% de supostos eleitores de Ciro que ainda estão indecisos, e com o “apoio crítico” dado ao candidato do PT, não é provável que essa transferência se dê integralmente.

O nordeste é onde Haddad pode crescer, dado a força de Lula na região, mas, segundo os dados oficiais, a vitória de Haddad ali no primeiro turno, com cerca de 15 milhões de votos, foi neutralizada pela votação que Bolsonaro conseguiu na região sudeste.

O Datafolha mostra que o voto de Bolsonaro está bastante distribuído pelo país, ele vence com folga no principal  colégio eleitoral, o Sudeste: 55% a 32% dos votos totais, embora seu melhor desempenho seja no Sul, com 60% a 26%, seguido pelo Centro-Oeste (59% a 27%). No Norte, Bolsonaro vence por 51% a 40%.

Embora tenha proporcionalmente menos votos entre as mulheres do que entre os homens, 42% dos votos totais contra 57%, Bolsonaro continua tendo mais votos entre as mulheres do que Haddad. O eleitorado de Bolsonaro é baseado nos mais ricos (62% nos segmentos entre 5 e 10 salários mínimos e acima de 10) e escolarizados (58% de quem tem ensino superior). Haddad tem mais apoio no nicho dos que têm só o ensino fundamental e entre os mais pobres com renda familiar média mensal até 2 salários mínimos.

Não foi à toa, portanto, que Bolsonaro antecipou ontem sua decisão de pagar o 13º salário aos que recebem o Bolsa Família, um eleitorado cativo do PT. Essa medida, aliás, já tem projeto no Senado, de autoria do senador petista derrotado Lindbergh Farias, de quem Bolsonaro acaba de roubar a bandeira, transformando sua realização em ponto de programa eleitoral. Uma das fake news mais recorrentes, tanto nessa campanha quanto nas anteriores, é a denúncia, nunca confirmada, de que o adversário do PT vai acabar com o Bolsa Família.

A primeira pesquisa após o segundo turno confirma a manutenção da onda antipetista que favoreceu Bolsonaro no primeiro turno, provocando a maior reforma no Congresso dos últimos tempos, e reviravoltas em vários Estados. O antipetismo é tão forte no país que leva o eleitor a votar contra o candidato do PT no segundo turno, mesmo que não goste muito do adversário. Quando o PT não está em jogo, fica mais viável ganhar a eleição na disputa política e de idéias. Ao contrário, mostram as pesquisas, o bolsonarismo ajuda a quem se liga ao candidato do PSL.

Fonte: “O Globo”, 11/10/2018

A criação de super-humanos

A criação de super-humanos
                                                          
Yuval Noah Harari está com 42 anos de idade e completou com muito brilho a sua trilogia autoral. Depois do “Sapiens: uma breve história da humanidade” e “Homo Deus: uma breve história do amanhã”, que já venderam mais de 12 milhões de exemplares em 45 países, o autor israelense prepara-se para lançar o seu terceiro título, “21 lições para o século 21”, em que focaliza o nacionalismo e as correntes religiosas associadas a ele.

Leia mais de Arnaldo NiskierA música que educa
Números alarmantes
Educação, a prioridade

Segundo Harari, que é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, as principais barreiras a uma transformação da natureza humana por meio de biotecnologia e da inteligência artificial deixaram de ser técnicas e passaram a ser políticas e éticas, portanto mais frágeis.

Tomando por base os avanços na medicina e na biologia desde 1918, ele raciocina que em 2118 a bioengenharia e as interfaces diretas cérebro-computador mudarão os seres humanos, como hoje fazemos com animais: “A tentação de criar super-humanos será irresistível.” E a religião poderá nos ajudar a lidar com muitos desafios do século XXI. Com a certeza de que, sobre o clima, nenhuma nação é realmente independente.

Ao se debruçar sobre o presente, o autor focaliza temas de absoluta atualidade como tecnologia, política, religião, violência, educação, fake news, justiça, ficção científica, sem deixar de referir a autoajuda, humildade e meditação. Alguns temas são recorrentes: a tecnologia ameaça empregos e a própria identidade humana, pensando no horizonte dos próximos anos.

Harari, com o seu conhecimento de causa, cita o homem e sua incrível capacidade de criar ficções e acreditar nelas. Isso nos distingue de outros mamíferos. As fake news, de curta ou longa duração, podem ser exemplificadas no caso das religiões, o que nos obriga a procurar sempre fontes confiáveis de informação. Assim caminha a humanidade.

Fonte: “O Globo”, 01/09/2018

A educação e os presidenciáveis

A educação e os presidenciáveis


 
 
O Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular preparou um documento, em forma de decálogo, que será entregue aos candidatos à Presidência da República. São propostas do segmento privado que podem colaborar para a construção de programas de governo visando à melhoria o ensino em todos os níveis. São ações inadiáveis, levando-se em conta o estágio em que se encontra o setor no país.

Não é exagero afirmar que, no Brasil de hoje, a educação superior é, marcadamente, particular, quanto à sua oferta. Enquanto isso, o Poder Público não consegue suprir a necessidade da demanda educacional do país em nenhum nível de ensino. Apesar de defender os legítimos interesses do ensino superior particular, o Fórum tem se posicionado como um órgão formulador de propostas que visam ao desenvolvimento do setor educacional como um todo. É o que podemos inferir, analisando os dez itens que fazem parte do decálogo, que enumeramos abaixo:

1) Combater o analfabetismo e suas consequências ao longo do processo educacional: Segundo o IBGE, o analfabetismo das pessoas com idade acima de 15 anos alcançou 7,0% (11,5 milhões), em 2017, contra 7,2% em 2016 (11,8 milhões).

Leia mais de Arnaldo Niskier:
A criação de super-heróis
Educação, a prioridade
Uma crise sem fim


2) Avançar na reformulação da educação básica de forma a atender as metas do Plano Nacional de Educação: O Fórum afirma seu compromisso pela reforma do ensino médio, a partir das novas necessidades que serão criadas pela Base Nacional Comum Curricular. Sem educação básica de qualidade, não se consegue dar uma formação acadêmica e profissional qualificada.

3) Investir na formação de professores e estimular a carreira docente: O atendimento da educação fundamental está praticamente universalizado, mas há falhas no capítulo da qualidade. É preciso aumentar de 3 para 4 anos a duração da formação de professores e modernizar os currículos, para que todos fiquem sintonizados com as novas tecnologias.

4) Estimular a inovação na educação superior, modernizando o processo de ensino-aprendizagem: O Fórum entende ser necessário estimular a inovação através de uma legislação mais apropriada e de linhas de financiamento compatíveis com as necessidades requeridas nesta área, inclusive com benefícios fiscais que se somem ao esforço privado também necessário.

5) Fomentar a formação tecnológica para atender as novas profissões e potencializar a empregabilidade: Uma nova educação para o mundo do trabalho requer, hoje, a compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber tecnológico e a valorização da cultura do trabalho. A educação profissional deve ser colocada entre as prioridades da política educacional.

6) Defender o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, adequando a legislação vigente para que seja efetivamente cumprida: O padrão de avaliação do ensino superior continua subordinado a um modelo acadêmico incompatível com os requisitos de modernidade. O Fórum sugere que o novo governo promova ampla reforma na política de avaliação da educação superior.

7) Ampliar e diversificar o acesso ao ensino superior com ênfase em programas de inclusão social, como Fies e ProUni: O Fórum propõe a duplicação do número da oferta em programas de inclusão social, como Fies e ProUni, e o uso de critérios mais adequados na ampliação dos limites de renda: para até cinco salários mínimos no ProUni e para até 10 salários mínimos no Fies.

8) Fortalecer a educação à distância (EAD) como fator estratégico para o desenvolvimento regional, econômico e social do país: Ao se considerar as enormes distâncias continentais do país, associadas ao deficit da oferta de atendimento educacional no nível superior em regiões remotas do território nacional, a política para o incremento da educação à distância necessita estar na pauta prioritária da política pública educacional.

9) Ampliar a participação do setor privado na elaboração das políticas públicas para a educação superior: É sempre útil relembrar que o setor privado representa 88% das instituições de educação superior e é responsável por 75% das respectivas matrículas.

10) Estabelecer uma política de Estado e não de governo para a educação superior, conferindo segurança jurídica aos agentes envolvidos: O Brasil precisa estabelecer uma política de longo prazo na educação superior, sem que a eventual mudança dos ocupantes dos cargos governamentais incida necessariamente numa alteração nas diretrizes traçadas para o setor.


Fonte: “Site Arnaldo Niskier”, 20/08/2018

A arrancada de Bolsonaro

        
Jair Bolsonaro entra no segundo turno com larga vantagem sobre Fernando Haddad. São 18 milhões, no total de 107 milhões de votos válidos. Nas últimos 30 anos de democracia brasileira, ninguém venceu o primeiro turno e perdeu o segundo.
 
A arrancada fenomenal de Bolsonaro no final da campanha contribuiu para várias surpresas nas eleições estaduais e ao Senado. Ele arrastou o voto que elegeu apoiadores no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rondônia, Roraima e por todo o Brasil.
 
Quem olha para o mapa da votação também vê o naufrágio de vários nomes ligados ao petismo – de Lindbergh Farias a Eduardo Suplicy, de Jorge Viana a Fernando Pimentel, de Dilma Rousseff a Vanessa Grazziotin.
 
Soçobraram também senadores que tiveram papeis de destaque ao longo das gestões Lula e Dilma, como o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira, Romero Jucá ou Edison Lobão. Políticos tradicionais foram varridos do Parlamento pela onda conservadora ligada a Bolsonaro.
 
Leia mais de Helio Gurovitz:Todos já de olho no segundo turno
Precisamos de outra Constituição?
Por que o ódio toma conta da democracia

Ele não levou no primeiro turno por pouco. Ficou 16 pontos percentuais à frente de Haddad e, em média, 5,5 pontos acima das pesquisas da véspera (a maior diferença já registrada entre essas pesquisas e as urnas foram 6,8 pontos, com Aécio Neves em 2018).
Excluídas as duas eleições que Fernando Henrique Cardoso venceu no primeiro turno, em 1994 e 1998, a distância de Bolsonaro para Haddad só perde para a que separou Luiz Inácio Lula da Silva de José Serra em 2002, superior a 23 pontos percentuais.
 
O patamar de votos obtido por Bolsonaro, 46%, foi inferior ao de Lula em 2006 (48,6%), mas é comparável ao do próprio Lula em 2002 (46,4%) e ao de Dilma em 2010 (46,9%). Pela primeira vez nas oito eleições presidenciais em que chegou ao segundo turno, o PT enfrentará um rival com capacidade de mobilização popular similar, ou mesmo superior – e em posição de desvantagem.
 
Haddad tem alguma chance? Existe algo que ele possa fazer para convencer os brasileiros de que outro governo do PT seria melhor que uma gestão Bolsonaro?
 
Na primeira entrevista que deu depois de confirmado o segundo turno, ele adotou um tom conciliador e tentou posar como um candidato sereno diante da convulsão que atravessa a democracia brasileira.
 
“Nós não portamos armas”, afirmou, numa referência ao rival. “Vamos com a força do argumento para defender o Brasil e seu povo.”
 
A rejeição a Bolsonaro é alta. Contra qualquer outro rival, é provável que fosse derrotado por causa dela. Mas Haddad é o único que atinge um nível de rejeição quase tão elevado. Não se trata tanto de rejeição a ele, mas de rejeição ao PT, a Lula e a tudo o que os 13 anos de governos petistas significaram para o Brasil.
 
O principal fator responsável pela ascensão de Bolsonaro não é seu programa de governo, nem sua visão de país – muito embora parte do eleitorado possa concordar com ela. É sua oposição visceral e indiscutível ao PT. A maior parte de seus eleitores não é composta de bolsonaristas convictos, mas de antipetistas.
 
Bolsonaro parece ter perfeita noção disso. “Temos de unir os cacos que nos fez o governo da esquerda no passado: negros e brancos, nordestinos contra sulistas, até mesmo quem tem opção sexual homo contra hétero”, afirmou no vídeo que gravou ao lado do economista Paulo Guedes depois do resultado. “Vamos unir o nosso povo.”
 
Para tentar vencer a onda Bolsonaro, Haddad teria de se afastar da mitologia petista, das fabulações sobre o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. Teria de se apresentar como um candidato de consenso, capaz de promover as reformas de que o país precisa melhor do que Bolsonaro. Será essa uma estratégia viável?
 
A marca da gestão econômica desastrosa de Dilma Rousseff – derrotada ontem na eleição para o Senado – e a corrupção petista desmascarada pela Operação Lava Jato – cujo ápice foi a prisão de Lula – destruíram a imagem no PT em setores da sociedade que haviam se beneficado dos governos Lula, em especial na camada que ficou conhecida como “nova classe média”. Dá para reconquistá-los em três semanas?
 
O desafio que Haddad enfrenta não é trivial. Seu adversário tem óbvios pontos fracos: a falta de experiência política ou administrativa (que tenta compensar afirmando já contar com o apoio de mais de 300 parlamentares), a apologia da ditadura, a proximidade de militares que não parecem ter lá muito apreço pela democracia, o modo como trata mulheres ou minorias, o discurso extremista, inaceitável em qualquer ambiente civilizado. Mas as urnas mostraram que a repulsa ao PT parece ainda maior que qualquer ojeriza que Bolsonaro possa despertar.
 
Fonte: “G1”, 07/10/2018
        


O Congresso vira à direita

        
                                                          
A primeira eleição sob a vigência da nova clásula de desempenho aumentou de 25 para 30 o número de partidos na Câmara nos Deputados. No Senado, a fragmentação não é muito diferente: são 21 partidos. Quem quer que seja o novo presidente – com probabilidade maior, Jair Bolsonaro – terá que montar uma base que lhe permita governar a partir dessa confusão.


Duas caraterísticas têm sido apontadas no Parlamento eleito no domingo. Primeira, a renovação. Pelas contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas 49% dos deputados se reelegeram, a menor taxa desde pelo menos 1994. No Senado, apenas 8 dos 32 que tentaram um novo mandato conseguiram.

Isso não quer dizer que os 243 eleitos deputados pela primera vez sejam propriamente novatos na política. Muitos eram vereadores, deputados estaduais ou já ocupavam cargos na máquina pública. Mesmo assim, nomes como Kim Kataguiri (DEM) ou Tábata Amaral (PDT) contribuirão para rejuvenescer o rosto da política brasileira.


Leia mais de Helio Gurovitz:A arrancada de Bolsonaro
Precisamos de outra Constituição?
Por que o ódio toma conta da democracia


A segunda característica é a nítida inclinação conservadora do novo Parlamento. Pela primeira vez desde a redemocratização, partidos identificados com o campo que se convencionou chamar de direita terão presença majoritária sólida na Câmara e forte também no Senado.

O novo Congresso marca o fim da hegemonia das legendas oriundas do combate à ditadura, em especial PT, MDB e PSDB, cujas bancadas somadas encolheram quase 30% para menos de 120 cadeiras.

No lugar deles, o destaque óbvio é a ascensão do PSL, de Bolsonaro, cuja bancada soma 52 deputados (antes eram 4) e 4 senadores (antes nenhum). A ele se somam deputados que integram a base evangélica, aqueles que defendem o liberalismo econômico e os tradicionalmente identificados com a segurança pública. Foram eleitos ao menos 22 deputados (eram 10) e 3 senadores com vínculo militar.

Para Bolsonaro, seria mais bem mais fácil montar uma coalizão capaz de governar do que para Haddad. Seu líder informal para negociar com o Congresso, o deputado Ônyx Lorenzoni (DEM), falou que 300 parlamentares já declararam apoio ao novo governo, caso o segundo turno confirme a eleição de Bolsonaro.


Partidos declaradamente identificados com o projeto dele – PSL, PRB, PR e outras siglas menores – somam 148 eleitos. Formariam o núcleo do governo. Partidos declaradamente contrários – PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL e siglas menores – somam 160. Seriam o núcleo da oposição.


No meio, há um centro com tendência a alinhamento com o governo, dependendo do tipo de acordo e projeto, incluindo partidos como PSD, DEM, Podemos ou PTB. Esse bloco soma 142 eleitos. Se vencer, Bolsonaro teria aí 290 votos, ainda insuficientes para somar os três quintos (308) exigidos para aprovar emendas constitucionais.


Por fim, restam, encolhidos, dois partidos tradicionais, MDB e PSDB, com 63 deputados que poderão ser decisivos para aprovar as reformas. A importância deles cresce no Senado, onde continuam a ter as maiores bancadas, com 12 e 9 cadeiras respectivamente.


No Senado, a situação de um futuro governo Bolsonaro seria bem menos confortável que na Câmara.

As mesmas legendas que lhe garantiriam 290 deputados somam menos de 40 senadores, insuficientes até mesmo para aprovar leis ordinárias. A bancada anti-Bolsonaro tem pelo menos 20 senadores. Sem os 21 de MDB e PSDB, nenhum presidente conseguiria aprovar nada.


Haverá um claro incentivo, tanto ao Executivo quanto ao Legislativo, para um acordo que permita ao governo funcionar, pelo menos no início. É natural, também, que os recém-eleitos integrantes do novo Parlamento tentem aprovar itens da agenda conservadora, como a facilitação ao porte de armas, o projeto Escola Sem Partido ou a redução da maioridade penal


Mas a realidade poderá frustrar os mais afoitos. A economia será o primeiro item da pauta quase por gravidade. Uma vez no Planalto, o novo presidente, quem quer que seja, terá de encontrar uma forma de aprovar a reforma da Previdência (caso Temer não consiga fazer isso para ele até o fim deste ano) e de reequilibrar as contas públicas o mais rápido possível.

O avanço na agenda econômica dependerá do grau de apoio que o novo presidente obtiver, sobretudo no MDB e no PSDB. Só no momento em que a casa estiver em ordem, o Parlamento terá espaço político para as “guerras culturais” que opõem direita e esquerda no mundo todo. Ter ambas representadas por partidos legítimos e capazes de mobilização popular é uma ótima notícia para a democracia brasileira.


Fonte: “G1”, 09/10/2018  

A hora é agora

A hora é agora


                                                                
Um desavisado que desembarcasse no Brasil hoje e analisasse as campanhas dos candidatos à Presidência da República não diria que o País enfrenta a mais grave crise fiscal e econômica de sua história. Muitas campanhas se esquivaram dos problemas econômicos.

Do lado dos eleitores, apesar da renovação da política em curso, nós não mudamos tanto assim. Ainda nos iludimos com políticos que infantilizam a sociedade.

O foco da campanha do primeiro turno de Fernando Haddad foi vender a imagem de que ele é o escolhido de Lula. Para manter a fidelidade do voto de esquerda, repetiu mantras do passado e negou a culpa de Dilma na crise econômica. Para o Brasil voltar a crescer, bastaria aumentar os gastos públicos, o que significa uma negação da crise fiscal.

Já a campanha de Jair Bolsonaro foi concentrada em temas relacionados a costumes, segurança e corrupção. Seu discurso na economia passa a mensagem subliminar de que não será necessário grande esforço para equilibrar as contas públicas e promover o crescimento. Bastaria acabar com a corrupção e conchavos políticos, e avançar em algumas privatizações.

Evitar temas econômicos polêmicos em campanhas é algo esperado, mas se foi longe demais. Diante da grave crise, há elevados riscos envolvidos nessa estratégia, pois se reduz a legitimidade para conduzir as necessárias reformas adiante.

Leia mais de Zeina Latif
A ironia do cenário econômico
Balzaquiana, mas flexível  

Exemplo recente foi a campanha de 2014. Dilma Rousseff negou os problemas fiscais e, como resultado, defrontou-se com a resistência de seu próprio partido para a aprovação do ajuste fiscal e teve ainda de lidar com a participação de parlamentares petistas na aprovação da chamada pauta-bomba do Congresso.

Segundo a imprensa, nem mesmo Lula conseguiu convencer os petistas sobre a importância das medidas de ajuste e, assim, evitar dissidências. A campanha do segundo turno deveria ser a oportunidade para os candidatos exporem e ajustarem suas plataformas econômicas. Alguma descida de palanque é necessária e recomendável, deixando de lado bravatas e omissões oportunistas.

Alguns ajustes no discurso começaram após o resultado do primeiro turno. Haddad negou a intenção de uma nova Constituição e defendeu a reforma da Previdência para acabar com privilégios, que é o que não falta em nossas regras previdenciárias. Para conquistar a confiança de investidores e produtores, mais ajustes no seu discurso serão necessários, como na aceitação da agenda de privatizações e concessões. O discurso de Bolsonaro não traz grandes mudanças, mas reforça a tendência de afastamento da agenda liberal do economista Paulo Guedes.

Apesar de Guedes defender o prosseguimento da proposta de reforma da Previdência de Michel Temer, com possível aprovação ainda este ano, Bolsonaro a rejeitou. O candidato fala em propor uma nova reforma, com foco nos “marajás” do funcionalismo, com uma transição bastante lenta e mantendo o tratamento diferenciado a membros das Forças Armadas e da polícia militar. Ele não cita a necessária reforma do INSS. Tudo muito tímido diante do tamanho do desafio, inclusive nas finanças estaduais.

+ Eleições 2018: A surpresa que vem das urnas

Bolsonaro promete ainda reduzir a carga tributária, com isenção do imposto de renda para quem recebe até 5 salários mínimos – algo também defendido por Haddad –, sem dizer de onde virão os recursos. Sobre o programa de privatizações, o deputado nega aquela que deveria ser prioritária: a da Eletrobrás; uma empresa deficitária e sem capacidade de investimento, ameaçando a oferta de energia elétrica em todo o País.


A visão de que não é necessário fazer um ajuste estrutural nas contas públicas é bastante disseminada na sociedade. De um lado, há aqueles que defendem mais gastos e manutenção de privilégios. De outro, os que acreditam que o combate à corrupção resolve a crise e que basta vontade política para privatizar empresas estatais e cortar gastos.

A campanha presidencial nos empurrou ainda mais para esta armadilha e poderá custar caro ao novo presidente.

Fonte: “Estadão”, 11/10/2018

Um eleitor chamado revólver

Um eleitor chamado revólver


                                                           
Nas redes sociais e em grupos de WhatsApp circulam vídeos e fotos de armas dentro das indevassáveis cabines eleitorais. Num dos filmetes, um cidadão usa o cano de uma pistola para apertar o 1 e depois o 7. O retrato do candidato do PSL aparece ao fundo. Então, o eleitor exibe o trabuco para a câmera, num perfil em que se podem ver detalhes do modelo. O pistoleiro balança seu fetiche de um lado para o outro, num vaivém suave. A impressão que fica no espectador é de que o trabuco faz que sim com a cabeça que não tem.

Talvez não fique por isso mesmo. No domingo mesmo, dia do primeiro turno, o vice-procurador eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Humberto Jacques de Medeiros, afirmou à reportagem deste jornal que as autoridades tomarão providências. Tomara que a investigação não se perca ad infinitum, como aconteceu com o inquérito sobre o assassinato de Marielle Franco, no Rio de Janeiro, até hoje sem conclusão alguma. Tomara que o TSE consiga localizar e punir os infratores. Mesmo assim, porém, mesmo que cumpra seu papel, a Justiça Eleitoral não tem como refrear a avalanche destruidora (tanática) que se encontra em marcha. As tampas dos bueiros cederam e, lá do fundo, das trevas, dos subterrâneos dos nossos piores ressentimentos, irrompe a lava que vai reduzir a cinzas o pensamento, as instituições e a cultura política.

Na madrugada do dia 8, por volta das 3 da manhã, pouco depois do fechamento das urnas, o mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, de 63 anos, o Moa do Katendê, personagem ilustre da Cidade da Bahia, levou 12 facadas e morreu num bar da Avenida Vasco da Gama, próximo ao Dique do Tororó, em Salvador. Segundo o boletim de ocorrência, o crime foi precedido de uma discussão eleitoral. Moa tinha declarado seu voto em Fernando Haddad. O suspeito, que foi preso, também segundo os registros da ocorrência, entrou no bar gritando o nome de Bolsonaro.

Leia mais sobre eleições
Voto branco ou nulo também é se posicionar 
Merval Pereira: Revendo rumos
Roberto DaMatta: O formidável ritual democrático 


Nas ruas, gente comum relata incidentes alarmantes. Uma jovem motorista, sozinha em seu carro com um adesivo “#elenão” no vidro, foi intimidada por outro motorista que bateu em seu para-choque traseiro e gritou desaforos. Ameaças verbais de estupro se alastram. Infâmias se amontoam.

Um dos responsáveis por quebrar a placa em homenagem a Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e depois posar para fotos com a placa partida nas mãos, o jovem Rodrigo Amorim, foi eleito para a Assembleia Legislativa do Rio com 140 mil votos. A profanação – o ato de violar a memória fúnebre de um semelhante – vira palanque.


A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) traz um cômputo também alarmante. Segundo a entidade, profissionais de imprensa que cobriam as eleições sofreram 137 agressões durante a campanha. Dessas, 75 foram feitas virtualmente, pela internet. Entre estas, duas são especialmente repulsivas. Marina Dias, de Minas Gerais, foi enxovalhada nas redes por ter sido confundida com a repórter homônima da Folha de S.Paulo, autora de reportagem sobre a ex-mulher de Jair Bolsonaro, que durante o processo de divórcio se declarou ameaçada e acusou o parlamentar de roubo – hoje ela nega essas acusações e diz que, na época, mentiu. Miriam Leitão, da Globo, que identifica em Bolsonaro um “risco à democracia”, sofre hostilizações covardes.


Dentro do total de 137 agressões, a Abraji arrola 62 ataques físicos. A violência campeia. Vai saindo de controle. O próprio Jair Bolsonaro, que a toda hora brinca de bangue-bangue com os indicadores em riste, gesticulando como se atirasse, e toma emprestado um tripé de câmera fotográfica para fazer de conta que dispara com uma metralhadora, o próprio presidenciável que enaltece a truculência policial como solução para a criminalidade, foi vítima, ele mesmo, de um atentado à faca que quase o matou. Salvou-se – ainda bem -, mas não dá sinais de ter entendido a natureza da erupção vulcânica que se avizinha e produzirá mutilações em gente de todos os lados e em todos os níveis da vida institucional do País. Bolsonaro segue em sua toada incendiária, de forma tão convicta quanto alienada.

Supor que uma liderança política disponha dos meios para dirigir cirúrgica e meticulosamente a violência para alvos isolados é o mais comum entre os muitos erros do delírio autoritário. Uma vez destampada – e destampada pelo destempero dos discursos de ódio -, a truculência pulsional não se civiliza mais. Ao contrário, ela incinera também os resquícios de civilização que encontra. Ninguém está a salvo da devastação que se desenha no horizonte. Não haverá um lado vencedor, pois a própria configuração cultural que nos fornece o paradigma para divisar o que é um lado e o que é o outro vai virar pó no meio disso tudo.

O delírio em curso – que, em vez de sublimar a violência pulsional em atos políticos, vem dissolvendo a política em violência generalizante – faz crer que o autoritarismo resolve os problemas da corrupção na política. Ora, o que deveríamos buscar é justamente o oposto. A única esperança estaria no oposto. Olhemos para o mundo ao redor. Nos grandes países da atualidade, a corrupção só foi combatida com eficiência onde se preservaram a transparência dos atos de gestão praticados no âmbito do Estado, a independência total do Poder Judiciário, a liberdade de imprensa para fiscalizar o poder e a autonomia administrativa do Ministério Público para propor ações contra quem quer que seja. Sem esses institutos a corrupção se agravará. E só a democracia os assegura. O autoritarismo os atropela.

Não, o revólver que vota na urna eletrônica não pode “animar” a democracia. Pode matá-la, isso sim. Simbolicamente e fisicamente. A violência generalizada, cujo agente é o homem comum, autorizada e abençoada por um discurso de poder, eclode como a expressão terminal da sociedade civil corrompida, desejosa de formas ainda piores de corrupção.

Fonte: “Estadão”, 11/10/2018