segunda-feira, 20 de junho de 2016

Impeachment - Professores usam sala de aula para defender governo indefensável


O coordenador do site Escola Sem Partido, Miguel Nagib, encaminhou-me cópia de um e-mail que lhe foi enviado por uma professora, conforme segue:


Sou professora de geografia e em sala de aula não tenho tendência ideológica, basta colocar para os alunos os dados do IBGE e eles percebem que os oito anos do governo LULA foram os melhores para o país após a ditadura. melhora na qualidade de vida, moradias populares, a frota de carros aumentou 72%nos últimos doze anos, etc.


Em uma aula uma aluna me disse que o seu pai teria votado na Dilma e agora queria que ela saísse, eu pedi para que ela perguntasse para ele como era no governo Sarney e FHC, resumindo ele voltou atrás.


Em primeiro lugar, discordo da interpretação que a professora faz dos dados do IBGE, conforme já expliquei no livro Não culpem o capitalismo. E acrescento outras evidências apresentadas neste blog, como pode ser lido, por exemplo, nos textos abaixo:


Não houve "salto no IDH-M", mas mudança na forma de cálculo
Redução da desigualdade começou com FHC e foi revertida pelo PT
Números provam que PT é um lixo
PT esconde números que provam que seus governos são lixo



Em segundo lugar, é preciso fazer algumas indagações: os alunos do ensino médio devem ser obrigados a assistir aulas de história e de geografia para que seus professores lhes "ensinem" qual governo foi o melhor? A função dessas disciplinas não deveria ser a de apresentar uma introdução a teorias científicas que tratam de fenômenos de longo prazo e que não ocorrem exclusivamente no Brasil?



Nesse sentido, o mais correto em termos éticos e científicos não seria deixar de lado qualquer consideração explícita sobre governos específicos e se concentrar em transmitir informações factuais sobre processos de longo prazo e que possam ser explicados pela história, geografia e outras ciências?


Partidarização do ensino


Além disso, o comentário da professora deixa claro que o seu ponto de vista não só é ideológico como também partidário e contraditório.


O teor partidário e contraditório fica claro quando se considera uma questão de lógica elementar: a política econômica dos dois governos Lula foi a mesma aplicada no segundo mandato de FHC (câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário). Por sinal, exatamente a mesma política que Lula, o PT e a maioria esmagadora dos professores tachavam de "neoliberal"... Mas, se a política macroeconômica foi continuísta, não tem nem cabimento supor que o período Lula poderia ter produzido um resultado muito melhor nessa área e menos ainda atribuir a diferença a qualidades próprias desse presidente ou de seu partido, pois qualquer resultado diferente só poderia ser efeito de mudanças na conjuntura internacional.


E os dados seguem a lógica, pois o crescimento da economia na era Lula foi puxado por uma dinâmica econômica internacional extremamente favorável. E, mesmo com o vento a favor, tal desempenho foi inferior ao de todos os outros Brics, à média de crescimento mundial e inferior também à média de crescimento da América Latina! Já nos governos de FHC, o desempenho da economia brasileira foi o mesmo da América Latina, demonstrando que, vis-à-vis a conjuntura internacional, esses governos foram melhores do que os petistas (Giambiagi; Schwartsman, 2014, p. 24) - e isso sem levar em conta o desastre posterior a 2013, pois aí é que o PT apanha mesmo.


Portanto, tentar usar indicadores de consumo para diferenciar qualitativamente os governos do PT daqueles que o precederam, como faz a professora, é cegueira ideológica a serviço de um partido que cometeu estelionato eleitoral, pois afronta tanto a lógica quanto o exame comparativo dos indicadores internacionais. E isso para não mencionar que, quando a conjuntura internacional mudou e a política econômica herdada de FHC foi sendo erodida pelo relaxamento progressivo das metas - algo que começou a acontecer em 2008, ainda no tempo de Lula - a inflação subiu e o crescimento econômico, que já era baixo para os padrões da época, declinou até se transformar na depressão que vivemos hoje.

Ideologia na veia

Já o momento em que o viés ideológico da professora se escancara mais plenamente é quando ela diz que convenceu o pai de uma aluna a se posicionar contra o impeachment de Dilma dizendo que os governos do PT teriam sido melhores do que os anteriores. Ainda que eu concordasse com essa avaliação do governo, teria de objetar o seguinte: o regime democrático é o império da lei, e a Constituição não diz que um presidente deve sofrer impedimento quando faz um governo "ruim" e nem que deve ser poupado disso caso seu governo seja "bom";  o que a Constituição determina é que um presidente sofrerá impeachment quando praticar algum crime, aí incluídos crimes de responsabilidade. E não há dúvida de que Dilma cometeu crime de responsabilidade por conta das "pedaladas fiscais", faltando ainda investigá-la para saber se cometeu também outras ilegalidades relacionadas ao "petrolão" e à possível "venda de medidas provisórias".



Portanto, ao dizer que Dilma merece ficar devido à suposta superioridade dos governos do PT, a professora deixa claro seu menosprezo pela institucionalidade, o que é uma atitude típica da esquerda radical, para quem os fins justificam os meios e as leis são apenas instrumentos de dominação de classe ou dos "grupos hegemônicos".



GIAMBIAGI, F.; SCHWARTSMAN, A. Complacência. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
* Professor do Departamento de Geografia da UFPR



O coordenador do site Escola Sem Partido, Miguel Nagib, encaminhou-me cópia de um e-mail que lhe foi enviado por uma professora, conforme segue:
Sou professora de geografia e em sala de aula não tenho tendência ideológica, basta colocar para os alunos os dados do IBGE e eles percebem que os oito anos do governo LULA foram os melhores para o país após a ditadura. melhora na quaidade de vida, moradias populares, a frota de carros aumentou 72%nos últimos doze anos, etc.
Em uma aula uma aluna me disse que o seu pai teria votado na Dilma e agora queria que ela saisse, eu pedi para que ela perguntasse para ele como era no governo sarney e FHC, resumindo ele voltou atrás.
Em primeiro lugar, discordo da interpretação que a professora faz dos dados do IBGE, conforme já expliquei no livro Não culpem o capitalismo . E acrescento outras evidências apresentadas neste blog, como pode ser lido, por exemplo, nos textos abaixo:
Em segundo lugar, é preciso fazer algumas indagações: os alunos do ensino médio devem ser obrigados a assistir aulas de história e de geografia para que seus professores lhes "ensinem" qual governo foi o melhor? A função dessas disciplinas não deveria ser a de apresentar uma introdução a teorias científicas que tratam de fenômenos de longo prazo e que não ocorrem exclusivamente no Brasil? Nesse sentido, o mais correto em termos éticos e científicos não seria deixar de lado qualquer consideração explícita sobre governos específicos e se concentrar em transmitir informações factuais sobre processos de longo prazo e que possam ser explicados pela história, geografia e outras ciências?

Partidarização do ensino

Além disso, o comentário da professora deixa claro que o seu ponto de vista não só é ideológico como também partidário e contraditório.



O teor partidário e contraditório fica claro quando se considera uma questão de lógica elementar: a política econômica dos dois governos Lula foi a mesma aplicada no segundo mandato de FHC (câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário). Por sinal, exatamente a mesma política que Lula, o PT e a maioria esmagadora dos professores tachavam de "neoliberal"... Mas, se a política macroeconômica foi continuísta, não tem nem cabimento supor que o período Lula poderia ter produzido um resultado muito melhor nessa área e menos ainda atribuir a diferença a qualidades próprias desse presidente ou de seu partido, pois qualquer resultado diferente só poderia ser efeito de mudanças na conjuntura internacional.



E os dados seguem a lógica, pois o crescimento da economia na era Lula foi puxado por uma dinâmica econômica internacional extremamente favorável. E, mesmo com o vento a favor, tal desempenho foi inferior ao de todos os outros Brics, à média de crescimento mundial e inferior também à média de crescimento da América Latina! Já nos governos de FHC, o desempenho da economia brasileira foi o mesmo da América Latina, demonstrando que, vis-à-vis a conjuntura internacional, esses governos foram melhores do que os petistas (Giambiagi; Schwartsman, 2014, p. 24) - e isso sem levar em conta o desastre posterior a 2013, pois aí é que o PT apanha mesmo.



Portanto, tentar usar indicadores de consumo para diferenciar qualitativamente os governos do PT daqueles que o precederam, como faz a professora, é cegueira ideológica a serviço de um partido que cometeu estelionato eleitoral, pois afronta tanto a lógica quanto o exame comparativo dos indicadores internacionais. E isso para não mencionar que, quando a conjuntura internacional mudou e a política econômica herdada de FHC foi sendo erodida pelo relaxamento progressivo das metas - algo que começou a acontecer em 2008, ainda no tempo de Lula - a inflação subiu e o crescimento econômico, que já era baixo para os padrões da época, declinou até se transformar na depressão que vivemos hoje.



Ideologia na veia
Já o momento em que o viés ideológico da professora se escancara mais plenamente é quando ela diz que convenceu o pai de uma aluna a se posicionar contra o impeachment de Dilma dizendo que os governos do PT teriam sido melhores do que os anteriores. Ainda que eu concordasse com essa avaliação do governo, teria de objetar o seguinte: o regime democrático é o império da lei, e a Constituição não diz que um presidente deve sofrer impedimento quando faz um governo "ruim" e nem que deve ser poupado disso caso seu governo seja "bom";  o que a Constituição determina é que um presidente sofrerá



 impeachment quando praticar algum crime, aí incluídos crimes de responsabilidade. E não há dúvida de que Dilma cometeu crime de responsabilidade por conta das "pedaladas fiscais", faltando ainda investigá-la para saber se cometeu também outras ilegalidades relacionadas ao "petrolão" e à possível "venda de medidas provisórias".


Portanto, ao dizer que Dilma merece ficar devido à suposta superioridade dos governos do PT, a professora deixa claro seu menosprezo pela institucionalidade, o que é uma atitude típica da esquerda radical, para quem os fins justificam os meios e as leis são apenas instrumentos de dominação de classe ou dos "grupos hegemônicos".

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GIAMBIAGI, F.; SCHWARTSMAN, A. Complacência. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 

Flagrando o Doutrinador

De um modo geral, as estratégias da doutrinação ideológia são muito pouco sutis. 

(Link)Vejam, por exemplo, o que faz o Prof. Carlão, do Anglo Vestibulares de Tatuí-SP, filmado por uma de suas vítimas em pleno ato de incitação de ódio aos EUA.



Ao deparar-se, no entanto, com uma audiência intelectualmente mais sofisticada, o doutrinador pode também sofisticar sua abordagem, dissimulando a propaganda ideológica numa roupagem pseudo-científica. Selecionamos, neste espaço, alguns procedimentos utilizados por esses mestres da militância.


Você pode estar sendo vítima de doutrinação ideológica quando seu professor:
  • se desvia freqüentemente da matéria objeto da disciplina para assuntos relacionados ao noticiário político ou internacional;
  • adota ou indica livros, publicações e autores identificados com determinada corrente ideológica;
  • impõe a leitura de textos que mostram apenas um dos lados de questões controvertidas;
  • exibe aos alunos obras de arte de conteúdo político-ideológico, submetendo-as à discussão em sala de aula, sem fornecer os instrumentos necessários à descompactação da mensagem veiculada e sem dar tempo aos alunos para refletir sobre o seu conteúdo;
  • ridiculariza gratuitamente ou desqualifica crenças religiosas ou convicções políticas;
  • ridiculariza, desqualifica ou difama personalidades históricas, políticas ou religiosas;
  • pressiona os alunos a expressar determinados pontos de vista em seus trabalhos;
  • alicia alunos para participar de manifestações, atos públicos, passeatas, etc.;
  • permite que a convicção política ou religiosa dos alunos interfira positiva ou negativamente em suas notas;
  • encaminha o debate de qualquer assunto controvertido para conclusões que necessariamente favoreçam os pontos de vista de determinada corrente de pensamento;
  • não só não esconde, como divulga e faz propaganda de suas preferências e antipatias políticas e ideológicas;
  • omite ou minimiza fatos desabonadores à corrente político-ideológida de sua preferência;
  • transmite aos alunos a impressão de que o mundo da política se divide entre os “do bem” e os “do mal”;
  • não admite a mera possibilidade de que o “outro lado” possa ter alguma razão;
  • promove uma atmosfera de intimidação em sala de aula, não permitindo, ou desencorajando a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus;
  • não impede que tal atmosfera seja criada pela ação de outros alunos;
  • utiliza-se da função para propagar ideias e juízos de valor incompatíveis com os sentimentos morais e religiosos dos alunos, constrangendo-os por não partilharem das mesmas ideias e juízos.

Vídeo: A verdade sobre a "ditadura"!

http://www.oretrogrado.com.br/2016/06/18/a-ditadura-militar-do-canal-nostalgia/










Anticristianismo disfarçado de multiculturalismo




Vejo essa turminha do “estado laico” alvoroçada, enfiando goela abaixo das crianças as ideologias progressistas e multiculturalistas, porém vivem patinando em um discurso que não tem nada de tolerante, mas, sim, anticristão. Um exemplo claro do nível de incoerência desse pessoal foi o que me ocorreu ano passado na escola onde lecionava:


Um dia, para minha surpresa, a Diretoria de Ensino trouxe até a escola um rapaz para ensinar aos alunos sobre a cultura afro-brasileira (religião, danças, crenças, costumes, etc.). Você deve estar se perguntando: o que tem de errado nisso? O problema é que o estado laico da maneira que eles pregam deveria ser neutro quanto a todas as religiões, em tese, mas na prática isso só é contra a propagação da religião e moral cristã nas escolas públicas; qualquer outra pode ser ensinada porque é patrimônio cultural dos “oprimidos” e “excluídos” – se fosse um polaco dando uma palestra sobre a “cultura europeia ocidental opressora” seria um escândalo.


Aconteceu também, no mesmo ano, que fiz uma prova na faculdade em que estudo, a qual era totalmente racista. O tema da prova era de um coitadismo ridículo: negros eram apresentados como coitadinhos que precisam de uma ajudinha por cotas; porque, segundo eles, os “afrodescendentes” não conseguem uma vaga numa boa faculdade se não for dessa maneira. Não poderia faltar também a maravilhosa história da dívida história, como se qualquer pessoal de pele mais clara tivesse culpa de algo que aconteceu centenas de anos atrás.


E a dívida histórica para com as pessoas descendentes dos europeus da Península Ibérica, que foram escravizados por cerca de 400 anos por muçulmanos norte-africanos*; e a dívida histórica para com os judeus, italianos, japoneses… Se formos pesquisar, todo mundo tem dívida história com todo mundo, como poderia haver cotas e privilégios somente para negros?


Além disso, havia na prova o discurso dizendo que o cristianismo gera preconceito para com os negros e a melhor maneira de acabar com isso é proibindo o cristianismo de entrar nas escolas, colocando em seu lugar o ensino de cultura e religiões de origem africana. Ora, mas isso claramente é segregação cultural e anticristianismo. Se devemos para retirar o cristianismo das escolas, que seja retiradas as outras religiões também – isso sim seria igualitário!


Mas os progressistas são assim mesmo: querem retirar crucifixos e símbolos cristãos de estabelecimentos públicos, mas não cogitam em retirar, por exemplo, a estátua da Têmis do Superior Tribunal de Justiça, ou retirar das escolas os mitos e lendas do folclore brasileiro quais vêm de religiões indígenas e africanas. Para a reflexão fica a pergunta: por que só o cristianismo incomoda tanto? – claro, é muito mais fácil ir contra uma religião que diz para darmos a outra face.


* Fonte: Folha Online


http://www.oretrogrado.com.br/2015/12/16/anticristianismo-disfarcado-de-multiculturalismo/?

África escravizou 1 milhão de brancos, diz historiador



  da Reuters, em Washington

Mais de 1 milhão de europeus foram escravizados por traficantes norte-africanos de escravos entre 1530 e 1780, uma época marcada por abundante pirataria costeira no Mediterrâneo e no Atlântico. A informação é do historiador americano Robert Davis, que falou sobre o assunto anteontem.

Segundo ele, embora o número seja pequeno perto do total de escravos africanos negros levados às Américas ao longo de 400 anos --entre 10 milhões e 12 milhões--, sua pesquisa mostra que o comércio de escravos brancos era maior do que se presume comumente e que exerceu um impacto significativo sobre a população branca da Europa.

''Uma das coisas que o público e muitos especialistas tendem a dar como certa é que a escravidão [na Idade Moderna] sempre foi de natureza racial --ou seja, que apenas os negros foram escravos. Mas não é verdade'', disse Davis, professor de história social italiana na Universidade Ohio State

"Ser escravizado era uma possibilidade muito real para qualquer pessoa que viajasse pelo Mediterrâneo ou que habitasse o litoral de países como Itália, França, Espanha ou Portugal, ou até mesmo países mais ao norte, como Reino Unido e Islândia."

Piratas

Davis escreveu um livro sobre o tema, recém-lançado, chamado "Christian Slaves, Muslim Masters: White Slavery in the Mediterranean, the Barbary Coast, and Italy, 1500-1800" (escravos cristãos, senhores muçulmanos: a escravidão branca no Mediterrâneo, na costa Berbere e na Itália). Nele, o historiador calcula que entre 1 milhão e 1,25 milhão de europeus tenham sido capturados no período citado por piratas conhecidos como corsários e obrigados a trabalhar na África do Norte.

Os ataques dos piratas eram tão agressivos que cidades costeiras mediterrâneas inteiras foram abandonadas por seus moradores assustados.

"Boa parte do que se escreveu sobre o escravagismo dá a entender que não houve muitos escravos [europeus] e minimiza o impacto da escravidão sobre a Europa", disse Davis em comunicado.

"A maioria dos relatos analisa apenas a escravidão em um só lugar, ou ao longo de um período de tempo curto. Mas, quando se olha para ela desde uma perspectiva mais ampla e ao longo de mais tempo, tornam-se claros o âmbito maciço dessa escravidão e a força de seu impacto."

Remadores em galés

Partindo de cidades como Túnis e Argel, os piratas atacavam navios no Mediterrâneo e no Atlântico, além de povoados à beira-mar, para capturar homens, mulheres e crianças, disse o historiador.

Os escravos capturados nessas condições eram colocados para trabalhar em pedreiras, na construção pesada e como remadores nas galés dos piratas.

Para fazer suas estimativas, Davis recorreu a registros que indicam quantos escravos estavam em determinado local em determinada época.

Em seguida, estimou quantos escravos novos seriam necessários para substituir os antigos à medida que eles iam morrendo, fugindo ou sendo resgatados.

"Não é a melhor maneira de fazer estimativas sobre populações, mas, com os registros limitados dos quais dispomos, foi a única solução encontrada", disse o historiador, cujos trabalhos anteriores exploraram as questões de gênero na Renascença.


http://www1.folha.uol.com.br/folha/reuters/ult112u32556.shtml

Gasta muito e gasta mal - PAULO GUEDES


O GLOBO - 20/06

As investigações da Lava-Jato e a guilhotina midiática só vão perder o ímpeto com o fim da impunidade e a reforma política


Acorrupção sistêmica é hoje fato estabelecido. A classe política está sob suspeita. As principais lideranças petistas e peemedebistas estão às voltas com a Justiça. O presidente interino, Michel Temer, não consegue sequer montar um ministério acima de qualquer suspeita. As investigações da Lava-Jato prosseguem com enorme apoio da opinião pública esclarecida. Aonde vai levar tudo isso? A um aperfeiçoamento

institucional de uma democracia emergente. Quando vão perder o ímpeto essas investigações e a guilhotina midiática? Quando uma reforma política acenar com um futuro diferente, e as condenações das principais lideranças do Antigo Regime saciarem a opinião pública. Apenas o fim da impunidade e a mudança desse degenerado regime político decretariam o fim da Lava-Jato.

A verdade é que se revelou à luz do dia uma fabulosa engrenagem para a coordenação de tráfico de influência e desvio de recursos públicos. Maus empresários, funcionários públicos corruptos e políticos inescrupulosos aperfeiçoaram essa engrenagem de administração centralizada para o financiamento das campanhas políticas, a compra de sustentação parlamentar e a apropriação indébita de recursos públicos. Grupos de interesses privados financiam políticos corruptos, que por sua vez nomeiam funcionários públicos corruptos para postoschave dessa engrenagem, que devolvem então aos corruptores privados recursos públicos suficientes para compensar seus “investimentos” na captura de influência política. 


O programa econômico que preparei em 1989, para uma campanha presidencial nas primeiras eleições diretas após a redemocratização, previa programa de privatização para resgate integral da dívida interna. A participação do governo nas empresas estatais teria sido suficiente para zerar a dívida pública federal interna. Quantos Prounis e Bolsas-Famílias poderíamos estar hoje financiando com os R$ 500 bilhões pagos anualmente como juros da dívida? 


Pior, o descontrole de gastos públicos, de um lado, e a meta de inflação, de outro, produziram juros astronômicos que nos levaram ao endividamento interno em bola de neve. O governo federal gasta muito, rouba muito e gasta mal, enquanto faltam recursos para saúde, segurança, saneamento e educação em estados e municípios falidos.

Nem de brincadeira - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 20/06

Um grupo de deputados discutia o que vai sobrar depois das delações da Lava Jato, quando um deles soltou uma proposta: votar um projeto anistiando todos os políticos que receberam doações legais vindas de grana de propina.

Diante da incredulidade dos presentes na viabilidade da ideia, que seria motivo de críticas gerais, ele disse que haveria uma contrapartida. Todos os beneficiados teriam que abandonar a carreira política.

Reflexo do clima de pânico geral que domina a política, o "sacrifício" em troca da anistia teve aprovação unânime entre os presentes da reunião –o pessoal anda topando tudo para fugir das garras da Lava Jato.

Um participante do encontro diz que a ideia, por enquanto, é apenas uma ideia, lançada quase em tom de brincadeira. Diz ele, porém, ter certeza que hoje contaria com o apoio de mais de 90% do Congresso.

Sinceramente, não duvido. Afinal, as próximas delações, de Odebrecht e OAS, prometem provocar um cenário de terra arrasada na política brasileira. Pelo andar da carruagem da Lava Jato, quase nenhuma reputação ficará intacta.

A ideia da anistia surge, de forma discreta, porque muitos candidatos alegam que não sabiam que sua doação legal teve origem em propina. Em alguns casos, pode ser fato. Mas como separar o joio do trigo?

Não custa lembrar, contudo, o que disse o delator Sérgio Machado. Segundo ele, todos sabiam, em maior ou menor grau, que as doações vinham de contratos de empreiteiras com a Transpetro. Ou seja, ninguém é totalmente inocente.

Por sinal, a delação de Machado mostra por que políticos disputam nomeações para direção de estatais. Nada a ver com projetos de interesse do país. Tudo a ver com esquema para angariar recursos de campanha e, pior, até para o próprio bolso.

O mais inacreditável é que, em tempos de Lava Jato, esta turma segue brigando por cargos. Não por acaso os escândalos se repetem.



A política morreu. Viva a política! - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Mesmo ameaçada por investigados e réus, a Lava Jato parece estar acima de governos e siglas



Não imaginei que viveria para ver um procurador-geral da República pedir a prisão de José Sarney e Renan Calheiros. Espero viver para ver um pedido oficial de prisão de Lula e Dilma Rousseff – e do restante da camarilha. Espero ver a refundação da República sobre bases moralmente compatíveis com a verdadeira Política, com P maiúsculo.

A delação explosiva do ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras) e ex-senador tucano Sérgio Machado envolve 25 políticos de seis partidos: PT, PSDB, PP, DEM, PCdoB e PMDB. Traz minúcias de datas, nomes, codinomes, lugares, pedidos de propina em dinheiro vivo e até mesadas de R$ 300 mil ao presidente do Senado, Renan Calheiros.

Os detalhes provocaram na nação um misto de estupor, nojo e alívio. Alívio por perceber que a Lava Jato, mesmo ameaçada pelos investigados e réus, parece estar acima de governos e siglas. Quantas vezes os militantes petistas clamaram que a investigação seria asfixiada se Dilma fosse afastada. E agora? Tanto o impeachment quanto as semanas que se seguiram provam que ninguém está fora do alcance da lei. E isso é inédito no Brasil.

O estupor vem da dimensão pantagruélica dessa engrenagem podre. “Pantagruélica” quer dizer mais do que gigantesca – um adjetivo que normalmente acompanha “ambição” ou “gula”. O cidadão se pergunta: por que homens e mulheres eleitos e ricos, que já ganham supersalários e mordomias inaceitáveis, se sujeitam a tanta sujeira? O que essa dinheirama toda, que precisa ser escondida, traz de benefício real a uma pessoa ou a uma família de políticos? O que o roubo de dinheiro público, num país com tantas carências, com tantos pobres e analfabetos, traz de sossego à consciência?

Não basta aos acusados reagir como Dilma e Lula sempre reagiram, chamando as delações de “levianas, irresponsáveis e criminosas”. Assim fez o presidente interino, Michel Temer, acusado de pedir doação para a campanha de seu pupilo Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo em 2012. Uma imoralidade até branda, diante do manancial de propinas que, segundo Sérgio Machado, engordou, ao longo de anos, a cúpula do PMDB, muitas vezes a pedido do PT.

Depois de uma década escrevendo para ÉPOCA sobre malfeitos de nossa classe política, poderia não estar surpresa. Mas estou. Deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes deveriam rir das denúncias de farras com passagens aéreas, reformas milionárias, 15 salários no Legislativo, jetons, milhares de apadrinhamentos em cargos comissionados. Coisas ridículas diante das fortunas passadas por baixo do pano, dos milhões ou bilhões que empreiteiras “doaram” a políticos.

Em abril, escrevi que o grande jogo de traições do PMDB impediria o impeachment. Estava errada, felizmente. Era claro, porém, que Renan Calheiros não queria o afastamento precoce de Dilma. Apostava no statu quo. Renan criticou Temer da mesma forma que, agora, o cobre de elogios. Afilhado de Sarney, Renan sempre foi olhado como uma raposa política. Sarney, o padrinho de todos, foi chamado por Lula, em 1986, de “grileiro do Maranhão” e, em 1987, de “o maior ladrão da Nova República”. Depois, Lula beijou sua mão e impediu seu afastamento.

“A política morreu”, disse em abril, para estudantes de economia, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Foi pouco depois de o PMDB de Temer romper com o governo Dilma. “Nós temos um sistema político que não tem o mínimo de legitimidade democrática. (...) Deu uma centralidade imensa ao dinheiro e à necessidade de financiamento. E se tornou um espaço de corrupção generalizada. (...) Quando o jornal exibia que o PMDB desembarcou do governo e mostrava as pessoas que se erguiam as mãos, eu disse: meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de poder. (...) Não tem para onde correr.”

As pessoas que “se erguiam as mãos” eram o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje prestes a ser cassado, após ser traído pela nega e pelo caboclo, e o então vice-presidente do PMDB Romero Jucá, réu na Lava Jato e afastado do ministério interino. Com o do Turismo, Henrique Alves, já são três os ministros de Temer afastados em cinco semanas. Por enquanto.

Reli o artigo “Sobre política e jardinagem”, do mineiro Rubem Alves, nascido em Boa Esperança, psicanalista, educador, escritor e teólogo. Ele morreu em 2014, em Campinas. No artigo, de 2000, faz um apelo aos jovens: “De todas as vocações, a política é a mais nobre... De todas as profissões, a profissão política é a mais vil (...) Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs”.


Viva a Política por vocação. Essa é a nota de esperança.

Na angústia da espera - J. R. GUZZO


REVISTA EXAME

Poucas vezes o Brasil viveu, como neste primeiro semestre de 2016, um período de tanta incerteza quanto à situação real de seu governo, com as inevitáveis consequências que isso traz para a economia e para a estabilidade material dos brasileiros. Quem governa? Ou melhor, há governo?

O que se tem no momento, e por um período de tempo ainda mal definido, é umpresidente interino e uma presidente afastada. Há um tiroteio diário, sem trégua, contra o primeiro, e uma angústia geral diante da campanha feita pela segunda e por seu sistema de apoio para influir no rumo das decisões.

A Câmara dos Deputados tem um presidente que procura o tempo todo não comparecer ao trabalho; não se sabe direito se ele preside mesmo alguma coisa. O presidente do Senado é alvo de sabe Deus quantas denúncias e, ultimamente, de uma ofensiva por parte do procurador-geral da República — junto com dois dos mais importantes personagens do partido ao qual pertence o chefe de Estado interino, um deles ex-presidente do Brasil.

O Supremo Tribunal Federal está envolvido em questões políticas de primeiríssimo grau, para a solução das quais nenhum de seus 11 ministros foi eleito. Há, sem dúvida, um governo montado em Brasília, e seu núcleo mais decisivo, a equipe econômica, é de qualidade incomparavelmente superior a tudo que havia na área até o afastamento da presidente em maio — mas não existe segurança suficiente sobre sua permanência definitiva.

Políticos, às dúzias, estão ameaçados por algum tipo de desgraça súbita por causa da corrupção em massa praticada ao longo dos últimos dois governos; ou pertencem ao partido ora afastado do poder, ou foram seus sócios na administração do país. A Operação Lava-Jato continua produzindo efeitos diretos na vida pública, e não vai parar.

É uma situação de anarquia? Não se pode dizer tanto, mas não há as certezas indispensáveis em relação ao exercício da autoridade, à eficácia das decisões do governo, ao cumprimento da lei e a grande parte de tudo aquilo que fornece a previsibilidade básica sem a qual a economia simplesmente não funciona — aliás, nem a economia nem o resto.

Obviamente, o chão está se movendo; o grande problema é que ninguém sabe para onde. Como poderia ser diferente, quando não se sabe nem mesmo quem vai para a cadeia ou fica solto entre as figuras públicas mais notáveis do Brasil? Não há chão que possa ficar firme desse jeito.

O resultado prático dessa desordem generalizada é que o consumo trava. Oinvestimento para. O planejamento, das pessoas ou das empresas, é colocado em modo de “espera”. A arrecadação emagrece. O emprego não melhora em nada. O câmbio fica balançando. Quem pode decidir não decide; quem não pode tem apenas a perspectiva de tentar se segurar onde está.

O mundo exterior não se mexe em relação ao Brasil. Parece se desenhar, em pesquisas, uma vaga retomada de confiança no futuro, mas tudo ainda é muito difuso, incipiente e incerto para ver alguma coisa com mais clareza.

Diante disso tudo, parece que a única pergunta cuja resposta realmente interessa no presente momento seja a seguinte: quando a presidente afastada vai mesmo embora, de uma vez por todas?

A ideia de que possa ficar, é claro, só poderá ser definitivamente enterrada quando um mínimo de 54 senadores decidirem pelo impeachment; trata-se de algo tão intragavelmente complicado, pelas dificuldades de ordem prática que isso colocaria para o país ser gerido com um mínimo de lógica, que é melhor só falar do assunto se a reencarnação da presidente acontecer.

Até lá, o Brasil terá de viver esse apocalipse de São João anunciado todos os dias. Só o fim do processo, e nada mais, permitirá que haja um governo de verdade; só aí começará o novo jogo, agora para valer. Tudo muda, porque após pelo menos um ano de acefalia, o país voltará, enfim, a ser governado — e começará a viver com as escolhas reais que serão feitas para enfrentar as calamidades do presente. Será possível ver, então, para onde estaremos realmente indo.



Nós que amávamos o golpe - GUILHERME FIUZA


REVISTA ÉPOCA


DAQUI A 50 ANOS, ESTUDARÃO COMO UM BANDO USOU BANDEIRAS SOCIAIS PARA ROUBAR SEM PERDER A TERNURA

O álbum de figurinhas com os personagens que ficarão na história por defender Dilma Rousseff e seu mandato delinqüente está crescendo. Fora as consciências que agem como pessoa jurídica - com ou sem recibo há o exército de mandrakes da bondade. São figuras tristes que penduraram sua reputação em meia dúzia de clichês ideológicos e vivem esta trágica missão: adaptar seu caráter a um slogan. Não pensem que é fácil.

Daqui a 50 anos, o Brasil de 2016 será estudado desta forma: uma avassaladora operação policial e judicial desmascarou um bando que estava usando as bandeiras sociais e humanitárias para roubar o país sem perder a ternura. O estudante de 2066 custará a crer que, depois de flagrada a quadrilha, os mandrakes da bondade continuaram a defendê-la bravamente - num esforço épico para salvar seus slogans. Tudo, menos rasgar a fantasia.

Esta coluna criticou, em sua edição passada, a postura de parte da imprensa internacional na cobertura do impeachment de Dilma Rousseff. E citou o jornal americano The New York Times como um dos veículos que vêm adotando a tese de que há um golpe de Estado no Brasil. Afirmar que a democracia brasileira está em risco por conta de uma manobra política ilegítima é muito grave. É o tipo da afirmação que requer demonstração cabal - se o autor pretende ser levado a sério.

Não há demonstração cabal - nem pálida - sustentando essa tese gravíssima. Vá ao Google, caro leitor, e tente encontrar qualquer matéria publicada na imprensa internacional que explique por que a ordem institucional no Brasil estaria sendo violentada. Você não encontrará. A base científica é sempre a mesma: o choro dos que não querem largar o osso. Eles dizem que o crime fiscal de Dilma Rousseff não foi nada de mais.

A alguns milhares de quilômetros de distância - em Nova York, por exemplo - o desfalque de Dilma não deve doer nada mesmo. A não ser nos americanos lesados pelas negociatas na Petrobras. Mas esses não escrevem editoriais.

Discutir como os crimes de responsabilidade estão demonstrados no pedido de impeachment, e até apresentar as lamúrias petistas sobre supostas falhas jurídicas no processo, estaria dentro do exercício jornalístico. Mas bancar a tese do golpe num processo conduzido absolutamente dentro das regras, com todos os ritos cumpridos e avalizados pelo Supremo Tribunal Federal (de maioria petista), é uma leviandade.

Esta coluna fez então uma ironia - referindo-se à famigerada imprensa de aluguel bancada pelo governo Dilma - perguntando se o NYT, por seu posicionamento espantoso, também estaria no bolso do PT. É sabido que os mandrakes da bondade detestam a liberdade e sonham com um mundo que caiba em suas cartilhas. São os talebans envergonhados. Mas, até onde se saiba, a ironia ainda não foi revogada. E qualquer leitor semialfabetizado saberá que um dos maiores jornais do mundo não cabe no bolso de um partido de picaretas tropicais.

Mas eis que o correspondente do New York Times no Brasil, Simon Romero, decide enviar a referida coluna a sua rede de contatos, acusando este signatário de sugerir que o NYT foi subornado pelo PT. Claro que Romero entendeu a ironia - qualquer estagiário entenderia-, mas preferiu oferecê-la a sua claque como uma acusação séria (e, portanto, bizarra). Não deixa de ser coerente com a postura do jornal que representa.

Perseguir a covardia é perda de tempo. Ela já é, em si, a punição ao covarde. O sujeito que opera com meias verdades e corteja mal-entendidos para parecer virtuoso já tem um problemão para resolver. E isso demora.

A coluna fazia também um convite aos irresponsáveis que dizem ao mundo ser Dilma Rousseff a resistência democrática (morra de rir, estudante de 2066): que se mandassem para a bucólica Venezuela, para narrar a resistência democrática do sanguinário Nicolás Maduro. Adivinhe, caro leitor, o que a claque do companheiro Romero gritou para este colunista? Acertou: xenófobo!

Sem querer estragar a brincadeira progressista da criançada, segue novo adendo ao dicionário taleban: quem quiser fazer proselitismo de político canastrão, vá à luta do seu chavista de estimação - e ceda gentilmente o lugar a quem queira fazer jornalismo. Ainda há muitos desses pelo mundo afora.


'Quando ousaste foste homem!' - LUIZ FELIPE PONDÉ

segunda-feira, junho 20, 2016



FOLHA DE SP - 20/06

Quem disse essa frase que está no título acima? Se você conhece a obra do autor em questão, já sabe quem disse essa famosa frase. Ela foi dita num contexto de uma peça em que a personagem feminina, uma das mais famosas da literatura clássica, fala para seu marido, que naquele momento se encontra reticente em levar adiante o plano que apresentara a ela momentos antes.

Essa frase carrega em si uma concepção de homem (gênero) que sempre foi muito comum em nosso imaginário: aquele, como diz nossa famosa personagem, que tem coragem de seguir seu desejo e suas ambições.

Essa mulher diz essa frase porque seu marido recuou num projeto específico, que faria dele rei. Mas qual concepção de homem é esta? Trata-se da concepção segundo a qual um homem é medido pela ousadia e coragem acima de qualquer limite moral.

O filósofo Adam Smith, no século 18, temia que o avanço da sociedade comercial (o que alguns chamam de sociedade de mercado, outros de capitalismo) destruísse as chamadas virtudes guerreiras do homem, fazendo dele um "contador de dinheiro" sem ambição nenhuma além de acumular riquezas materiais por meio dos negócios.

Interessante observar que muitos estudiosos da pré-história levantam hipótese semelhante quando da nossa passagem da condição de caçador coletor para a de agricultor, preso à terra, sem poder "ser ousado", sempre escravo da colheita a vir. Na condição de agricultor, o homem tornara-se temeroso dos riscos de perder todo o cultivo sob a ameaça de invasores. A perda da mobilidade em nome do "patrimônio" teria feito o agricultor mais covarde do que o caçador coletor.

No mundo contemporâneo, o processo de acovardamento do homem é crescente. Mas isso é apenas consequência da civilização enquanto tal, no seu modo crescente de domesticação dos afetos e dos humores.

De volta à nossa personagem feminina. Sua frase magnífica cobra de seu marido que volte à ousadia que demonstrara quando de sua ideia "genial" de matar o rei Duncan da Escócia, a fim de tomar seu trono. Já sabe de qual mulher estou falando?

Seu marido, guerreiro reconhecido como virtuoso pelo próprio rei (estamos na Idade Média), se pergunta, afinal, por que ele não poderia ser rei, uma vez que era absolutamente acima da média em comparação aos outros homens à sua volta.

Momentos depois, quando o rei Duncan se encontra na casa do casal em questão, o marido de nossa famosa personagem, em conversa com ela, demonstra dúvidas com relação ao plano inicial de matar o rei e tomar seu trono. Demonstra ter medo das consequências do seu ato.

Sim, estamos falando do casal Macbeth, da peça homônima de Shakespeare. A frase em questão é dita pela Lady Macbeth diante das dúvidas de seu marido quanto a levar a cabo o assassinato do rei.

A frase "quando ousaste foste homem" representou para a fortuna crítica o reconhecimento dessa mulher como a maior vilã da literatura ocidental, talvez equiparada a Medeia, na tragédia homônima, com a diferença que Medeia, ao assassinar seus filhos com Jasão, tinha pelo menos a desculpa do ciúme e do desespero diante do fato de ser trocada pela princesa, mais jovem e mais bela, que ela também matará. O ódio de Medeia é de alguma forma compreensível.

A fala de Lady Macbeth não teria a mesma justificativa. Ela, em vez de apoiar seu marido em suas dúvidas morais, se desespera diante da aparente covardia dele.

Ao dizer que ele era mais homem quando ousava, Lady Macbeth falava da mais atávica das expectativas de uma mulher para com seu homem. Claro que, diante da monstruosidade que seu marido realizará, ela se arrependerá do que disse.

Nunca achei a Lady Macbeth um monstro. Sempre vi nela apenas uma expectativa feminina para com a masculinidade, expectativa esta já há muito inexistente.

O mundo contemporâneo jamais produzirá uma Lady Macbeth. Não haverá mais quaisquer expectativas quanto à masculinidade. O conceito caducará. Restará apenas o estuprador, o frouxinho e o menino bonzinho. O futuro próximo nos legará uma vida pequena, farta de cacarecos e cheia de tédio.