terça-feira, 1 de novembro de 2016

O Brasil sobreviverá! Tomara que os corruptos, não!


Posted: 30 Oct 2016 02:50 AM PDT


Edição do Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Jorge Serrão - serrao@alertatotal.net

Sabe aquelas sofisticadas maletas de espionagem, que fazem escutas telefônicas e varreduras ambientais para descobrir se existe grampo telefônico ilegal? A Polícia Federal tem duas, de última geração, para investigações especiais. Agora como Freud pode explicar que a inconstitucional “Polícia Legislativa” disponha de 12 destes equipamentos que só são disponibilizados com autorização de órgãos do governo dos Estados Unidos da América?

Arapongagens, espionagens e extorsões à margem da lei são “negócios” comuns em Brasília e adjacências. Certamente, rendem informações privilegiadas e comprometedoras que favorecem políticos e empresários que têm acesso ou que podem pagar pelo serviço sujo de investigação da vida alheia. Existem transnacionais de “consultoria em segurança” especializadas até na arte de forjar documentos, obtidos com quebras ilegais de sigilos, que se transformam em “provas” para condenações judiciais.

A máquina de jagunçagem, que tem tentáculos públicos e privados, é uma das maiores preocupações da cúpula do Judiciário. Não só porque muitos processos correm risco de anulação porque usam provas obtidas de forma ilegal. Mas sim porque magistrados de cortes superiores, primeira instância e até membros do Ministério Público, são os principais alvos de monitoramento eletrônico pelas gangs do crime institucionalizado. As informações ilegalmente obtidas servem para inimagináveis chantagens nos bastidores.

É por tudo isso que o caso Renan Callheiros assume uma dimensão de extrema gravidade institucional. O poder do senador alagoano é tão imenso que, nos bastidores do Supremo Tribunal Federal, ontem se especulava que pelo menos dois ministros (José Dias Toffoli e/ou Luís Roberto Barroso) tenderiam a “pedir vistas” do processo que vai decidir, na próxima quinta-feira (dia 3), se réus em processos podem continuar ocupando cargos na linha de sucessão do Presidente da República. Se a votação não se efetivar, o beneficiário direto é Renan Calheiros – alvo de uns 12 processos. Segue a pergunta enigmática: “Quem tem medo do Renan Cabeleira?”

Não dá para tolerar que seja cometida uma desigualdade de tratamento entre Eduardo Cunha e Renan Calheiros. O poderoso evangélico, dono do domínio “Jesus.com”, responsável maior pelas articulações que efetivaram o impeachment de Dilma Rousseff, simplesmente foi afastado da Presidência da Câmara porque era réu e segundo na linha sucessória do Palácio do Planalto (depois do vice-Presidente). Renan, que é o terceiro na fila, deveria receber o mesmo tratamento dado ao Malvado Favorito que agora experimenta o cárcere gelado em Curitiba.

Se o STF amarelar na decisão, protelando-a em nome de uma “governabilidade” que não existe, estará contribuindo para agravar a gravíssima crise institucional brasileira, cada vez mais em ritmo de ruptura. Se Renan for poupado, ficará claro que é realmente mais poderoso que a maioria pode supor. Também ficará evidente que Cunha foi alvo do rigor seletivo. Agora é o momento do Supremo agir com a firmeza demonstrada pela sua presidente Carmem Lúcia. Ela tem sinalizado tolerância zero com a corrupção e os desmandos anti-republicanos.

Brasília já está apavorada com a colaboração premiada feita por 75 executivos da Odebrecht, sobretudo a do seu ex-presidente Marcelo Odebrecht. As denúncias, em 300 anexos, não poupariam ninguém. Sobraria até para o Presidente Michel Temer, sem falar nos ex Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Também mexeriam com os poderosos presidenciáveis tucanos Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin. Isto sem falar naqueles peemedebistas que dirigem a Nova República desde 1985, como Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco. Outros enrolados seriam o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes e seu amigão, o ex-governador fluminense Sérgio Cabral Filho.

O conjunto de denúncias da Odebrecht tem um potencial tão destrutivo para a governança do crime institucionalizado no Brasil que a revista Veja até captou e deu destaque a um comentário feito pelo juiz federal Sérgio Fernando Moro, responsável pela maior parte dos processos gerados pela Lava Jato. Moro teria comentado: “Espero que o Brasil sobreviva”.

O Brasil tem potencial para sobreviver e se desenvolver de verdade. No entanto, isto só será plenamente possível se ocorrer uma mudança estrutural da máquina estatal. Não bastam meras reforminhas, que mais prejudicam o interesse público. É necessária uma faxina geral com um enxugamento legal que elimine o regramento excessivo, os infindáveis recursos judiciais e a prática hedionda do rigor seletivo (quando leis, regras e normas valem para uns, mas não para outros, em situações parecidíssimas de julgamento).

O aprimoramento institucional brasileiro só será efetivo com uma inédita Intervenção Cívica Constitucional, após amplo debate democrático. Qualquer outra medida, que não promova a mudança estrutural, será paliativa e beneficiará a máquina criminosa que opera a pleno vapor e tenta até se reinventar para sobreviver na Era Pós-Delação Premiada. Golpes legislativos podem quebrar a autonomia de magistrados. Também podem conceder anistias aos corruptos. É bom ficar de olho aberto...

A esperança dos brasileiros de bem e do bem é que o Brasil sobreviva e prospere, mas que os corruptos acertem suas contas com as leis humanas e divinas.

Aguenta, sim...


Tubarão Renan


Espantoso


Perdendo a calma



Se entrega, Corisco - FERNANDO GABEIRA


O Globo - 30/10

Renan está nervoso, o que era raro no passado.


Renan Calheiros, no passado, perdia cabelos mas não perdia a cabeça. Agora, ele ganhou cabelos mas perde a cabeça, com frequência. Recentemente, disse que o Senado parecia um hospício e afirmou que ajudou a senadora Gleisi Hoffman no seu embate com a Lava-Jato. Hoje, sabemos que ordenou varreduras em vários pontos estratégicos ligados aos senadores investigados pela roubalheira na Petrobras.

E Renan perdeu a cabeça de novo, chamando um juiz federal de juizeco e o ministro da Justiça de chefete de polícia. Sua polícia legislativa funciona como uma espécie de jagunços de terno escuro e gravata, a serviço de alguns coronéis instalados no Senado. Quando combatemos Renan e o obrigamos a deixar o cargo de presidente, os jagunços já estavam lá. Como o Brasil vivia num estado meio letárgico, tivemos de enfrentar a braço os jagunços de Renan para garantir a transparência de uma reunião sobre seu destino.

O sono brasileiro não é mais tão profundo como na época. Ainda assim, Renan sequer foi julgado pelos crimes de que era acusado na época. São as doçuras do foro privilegiado. Agora, ele quer que o foro privilegiado, que já era uma excrescência para deputados e senadores, estenda-se também aos seus jagunços. E que o espaço do Senado seja um santuário para qualquer quadrilha que tenha, pelo menos, um parlamentar como membro.

Talvez Renan esteja desesperado. Mas essa hipótese ainda precisa ser confirmada. Há sempre alguém que se acha o verdadeiro guardião das leis e se dispõe a defender Renan e o Senado, independentemente desse contexto bárbaro que presenciamos há anos. O próprio Gilmar Mendes, cujas posições são respeitáveis, saiu em defesa de Renan, sugerindo que a polícia não deveria entrar ali. Mas o que fazer quando a própria polícia do Senado comete uma delinquência? A resposta das pessoas que não foram atingidas pela Lava-Jato, mas se incomodam com o sucesso da operação, é sempre esta: falem com o Supremo. No caso do Renan, sob investigação em 12 processos diferentes, e sempre na presidência do Senado, o que significa falar com o Supremo?

Estamos falando com o Supremo há anos. Ele manda grampear senadores adversários, como fez com Marconi Perillo, orienta a agressividade e a truculência de seus jagunços contra deputados. Até hoje, para ele, o Supremo é apenas o cemitério de seus processos.

Renan, Gilmar Mendes e todos os defensores desse absurdo não conseguem me convencer que é preciso pedir licença ao Supremo para punir jagunços que usam equipamentos do Estado, diárias pagas pelo governo, para fazer varreduras na campanha de Lobão Filho, no Maranhão. Varreduras inclusive sob supervisão do genro de Lobão Filho, um homem chamado Marcos Regadas Filho, acusado de sequestro e mencionado no assassinato do blogueiro Décio Sá.

A diversão desse personagem para qual os jagunços trabalharam é usar o helicóptero para dar voos rasantes no Rio Preguiça em Barreirinhas, aterrorizando banhistas e pescadores.

— Foge, meu preto, que isso é vendaval — ouviase o grito dos pescadores

O halo protetor do Supremo não se limita aos bandidos do Congresso, mas aos seus jagunços e cúmplices regionais. A Lava-Jato não é infalível. Está sujeita a críticas como todas as atividades de governo. Não se deve usar o êxito da Lava-Jato com intenções corporativas, inclusive num momento de crise econômica como a nossa. Até aí, tudo bem. Mas negar à PF o direito de entrar no Senado quando o crime está sendo cometido pela própria polícia parlamentar, isso me parece um absurdo. O foro privilegiado tem sido uma espécie de escudo para os bandidos eleitos. Se o espaço onde atuam torna-se também um santuário para todos os que trabalham lá, teremos não só a impunidade de indivíduos mas a liberação de espaços especiais para o crime.

Nas campanhas que fiz contra Renan, desenhamos um cartaz dizendo: “se entrega, Corisco”. Isso foi há muito tempo. Seus crimes não foram punidos na época. Ainda me lembro das imagens das boiadas se deslocando no sertão para fingir Renan que era um grande criador. Os crimes não apenas deixaram de ser punidos. Aumentaram exponencialmente ao longo dos anos, ancorando-se inclusive na pilhagem da Petrobras.

Eduardo Cunha foi preso. Não tinha mais mandato. Se Renan continuar solto, é apenas porque tem um. É justo cometer crimes em série, sob o escudo de um mandato parlamentar? Renan está nervoso porque percebe o crepúsculo de um sistema de impunidade tecido pela audácia dos coronéis e a inoperância do Supremo. A evolução do país o levou a perder a cabeça, algo raro no passado. Espero que não chegue a arrancar os cabelos e ouça o meu conselho de anos atrás: se entrega, Corisco.


Exploração política da pobreza - PERCIVAL PUGGINA


ZERO HORA - RS - 29-30/10

Tem sido comum entre nós que grupos políticos em disputa atribuam apelidos uns aos outros. A versão mais atualizada desse hábito surgiu nas manifestações públicas a favor e contra o impeachment de Dilma Rousseff. Quem era a favor ganhou o designativo "coxinha". Quem era contra virou "mortadela". 


Conquanto as coxinhas fossem meramente simbólicas e não aparecessem fisicamente, a mortadela, essa sim, chegava em cestos, servida com pão. Em torno desses sanduíches se comprimiam manifestantes trazidos em ônibus para atuarem como figurantes nos eventos governistas. Faziam lembrar os filmes épicos do cineasta norte-americano Cecil B. DeMille, nos quais multidões eram contratadas para povoar a tela em cenas que causavam grande impressão. Nas manifestações contra o impeachment, quando a câmera dava um close, viam-se homens e mulheres humildes, em camisetas vermelhas, atacando com disposição o prometido sanduíche.



Não raro, alguém se infiltrava nessa multidão, entrevistando-a e testando-a sobre suas convicções. As respostas, como seria de se esperar, mostravam que a quase totalidade não tinha ideia sobre a razão de ali estar. Embora muitos assistissem a essas cenas, posteriormente exibidas nas redes sociais, como coisa jocosa, tratava-se, na verdade, de algo constrangedor e triste. Triste e constrangedor. 



Como não se constranger ante a falsificação da cidadania? Como não se entristecer quando seres humanos têm sua dignidade rebaixada à condição de figurante de cidadão, ao preço de um sanduíche e alguns vinténs, num ato presumivelmente político? 




Nada contra quem foi levado a esse nível de carência. Apenas dó e respeito. Mas tudo contra quem se vale dessas pessoas e de suas precariedades para difundir uma mensagem de araque em comícios com figurantes. Após tantos anos no poder, precisam valer-se dos apelos da pobreza para atribuir vigor e atrair adesão à falácia de que acabaram com ela.



Pobre pobreza, sempre tão na ponta da língua e longe dos corações! Eleição após eleição, governo após governo, com crescente vigor a partir do "Tudo pelo social" do companheiro José Sarney, a pobreza ganhou o primeiro plano da retórica eleitoral. Na prática, os resultados são tão escassos quanto pode ser percebido tão logo se dissipa a algaravia dos discursos. 



Tudo se passa como se o discurso fosse capaz de superar os fatos e a autolouvação alterasse as estatísticas, proporcionasse emprego aos desempregados, salário e renda aos devedores. E pão com mortadela a quem tem fome. Sim, porque o pão com mortadela sumiu com o desinteresse pelas massas de figurantes. A volta vem e os "calaveras" se secam, ensinam os fronteiriços.



A economia nacional, que surfou sobre a crise no mar da China compradora crendo que o céu seria sempre azul e a brisa suave, se espatifou contra os rochedos da realidade. Era inevitável. A casa foi assaltada. O poço secou. A responsabilidade fiscal foi demitida das contas públicas. 




As maiores empreiteiras no Brasil abasteceram seus cofres diretamente do PIB nacional. A turma do Pixuleco enricou como Tio Patinhas jamais imaginou. Com o dinheiro do BNDES, o Brasil se transformou em mecenas ideológico de nossos satélites ibero-americanos e africanos. Mas tudo foi feito, dizem-nos, por incondicional amor aos pobres.



Pior do que isso. Agora, quando se pretende reerguer o país e medidas de austeridade se impõem, retomam o discurso da irresponsabilidade fiscal. Exigem que não se pague a dívida que quintuplicaram, cobram que se baixe a taxa de juros que elevaram e que o novo governo faça logo e faça bem, pela saúde e pela educação, tudo que não foi feito em 13 anos. Por amor e em defesa dos pobres.


O zelo pelos mais necessitados não é saliva de discurso. Antes de tudo é criar condições para que as pessoas, elas mesmas, promovam seu desenvolvimento humano e social. A pobreza, por si só, é uma chaga nacional. Explorá-la politicamente, em nome dela, é perverso.



PT saudações - VERA MAGALHÃES

Segunda-feira, outubro 31, 2016



ESTADÃO - 31/10

Derrota do partido é tão avassaladora que não permite nenhuma leitura atenuante



Se alguém ainda acreditava na possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato novamente à Presidência da República em 2018, mesmo depois da Lava Jato e do impeachment de Dilma Rousseff, o eleitor brasileiro tratou de dizer de forma clara e cristalina: não vai acontecer.

A derrota do PT é tão avassaladora que não permite nenhuma leitura atenuante. Não se salvou nada nem ninguém no partido. Mesmo o rosário da renovação da sigla, que começou a ser desfiado por Tarso Genro e outros, não sobrevive a uma constatação dura: não há candidatos aptos à tarefa.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, citado como opção na terra de cegos que virou o partido, não quer assumir a missão nem seria um nome com trânsito suficiente para desbancar os caciques de sempre e enterrar de vez o lulismo – do qual, diga-se, foi um dos últimos produtos exitosos.

Sim, porque a única remota chance de o PT se reerguer seria enterrar o lulismo, mas o partido há muito tempo fez a opção oposta, a de se enterrar se for preciso para defender Lula, em uma simbiose que as urnas acabam de rechaçar de maneira fragorosa.

Tanto que o partido não consegue pensar em uma alternativa para 2018 que não seja seu “comandante máximo”, para usar a designação que a Lava Jato deu ao ex-presidente.

A insistência na tese de que Lula é vítima de perseguição – com lances patéticos como queixa à ONU e manifestações internacionais bancadas por “sindicatos” que nada mais são que versões da CUT para gringo ver – mostra que o PT decidiu atrelar seu destino ao do ex-presidente.

Dilma já parece ter sido esquecida pelos petistas na mesma velocidade com que o foi pelos brasileiros. Tanto que, com exceção de Jandira Feghali, ninguém se lembrou dela nas eleições municipais.

A presidente cassada tem sido vista fazendo compras tranquilamente no Rio, em um sinal inequívoco de que o discurso de que houve um golpe era uma fantasia, a única saída para um partido que perdeu o poder porque já não tinha condições de governar nem apoio popular, como o resultado das eleições tratou de deixar evidente.

É essa reflexão que o PT terá de fazer se quiser se refundar. Isso pressupõe admitir que patrocinou um esquema de corrupção cuja dimensão ainda está por ser inteiramente conhecida. Admitir que levou a economia do País à maior recessão da história. Que perdeu a governabilidade antes de Dilma perder a cadeira. E que Lula não é uma vítima de uma perseguição implacável que envolve Judiciário, imprensa, Ministério Público e sabe-se lá mais quem.

Quais as chances de o partido fazer isso seriamente? Remotas, para não dizer inexistentes.

Do outro lado do pêndulo político, o PSDB sai do pleito municipal como o grande vencedor mais por memória do eleitorado de décadas de polarização com o PT do que por força própria. Mas o fim dessa alternância, pelo simples fato de que um dos polos se esfacelou, também obrigará os tucanos a reverem sua estratégia para voltar a ter chance de governar o País.

Isso significa trocar as disputas de bastidores entre caciques para ver quem será o candidato da vez, uma constante desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso, por alguma nitidez programática capaz de mostrar ao eleitorado que o partido tem um projeto para tirar o País do buraco.

A pulverização de votos por uma miríade de siglas mostra que o eleitor, embora ainda enxergue no PSDB e PMDB as alternativas mais seguras à ruína petista, começa a procurar opções.

A negação da política é uma das marcas indeléveis de 2016. O único político de expressão nacional que saiu vitorioso, Geraldo Alckmin, acertou ao perceber o Zeitgeist e apostar em um candidato em São Paulo com o discurso da não política. Em escala nacional, no entanto, o País já viu o estrago que a eleição de um outsider pode provocar. Com Fernando Collor, antes. E com Dilma depois.


Estamos nos estertores de um sistema político moribundo que teima em respirar. Todo cuidado com ele é pouco.

segunda-feira, outubro 31, 2016


O que de fato importa - RICARDO NOBLAT

O Globo - 31/10

“Não podemos jamais cair na praga maldita da vingança. O processo eleitoral termina aqui” 


MARCELO CRIVELLA, prefeito eleito do Rio

Nada vai superar o que a Lava-Jato nos reserva. De volta à Lava-Jato, que há dois anos e meio não sai de cena, mas que nos últimos quatro meses dividiu o protagonismo com a Olimpíada, a Paraolimpíada e, por último, as eleições municipais, encerradas ontem com a mais avassaladora derrota já colhida pelo PT em todos os seus anos de vida, a vitória do PSDB nas maiores cidades do país e o fortalecimento, por ora, do governo de Michel Temer.

TUDO O MAIS de previsível que possa acontecer pelo menos nos próximos seis meses dificilmente será capaz de superar o que a Lava-Jato nos reserva em termos de fortes emoções. O destino de Lula, por exemplo, será definido até o fim do ano ou início de 2017. O juiz Sérgio Moro, na segunda quinzena de novembro, tomará o depoimento de quem delatou Lula por corrupção.

EM SEGUIDA, a confirmar-se o que o próprio PT espera, Moro condenará Lula. Poderá mandar prendê-lo ou não. Se não prender, Lula aguardará em liberdade a decisão posterior do Tribunal Federal de Recursos com sede em Porto Alegre. Até aqui, o tribunal avalizou ou agravou as sentenças de Moro. Caso isso se repita, Lula deverá ser preso e, como ficha-suja, não disputará a eleição de 2018.

A DELAÇÃO DE Marcelo Odebrecht e de cerca de 70 executivos da maior empreiteira do país ainda não foi fechada, mas falta pouco para que seja. Apontada desde já como “a delação do fim do mundo” e, certamente, a maior de todos os tempos aqui ou em qualquer lugar, ela parece destinada a varrer como um tsunami o que ainda resta de pé do atual e carcomido sistema político.

VIDA INGRATA! Lula — sempre ele — será alvo da delação daqueles a quem tanto ajudou como presidente da República e, depois, como lobista internacional. Nada de pessoal, é claro. Foi bem recompensado pelo que fez. Mas, além de Lula, a delação atingirá cabeças coroadas de quase todos os partidos, algumas delas aspirantes à sucessão de Temer.

O GOVERNO NÃO escapará incólume. Temer talvez se veja obrigado a promover uma pequena reforma ministerial. Talvez promova uma reforma de médio porte, aproveitando para livrar-se de alguns ministros que não correspondem às exigências dos seus cargos. Estilhaços da delação poderão alcançar o próprio Temer. Embora protegido pelo exercício do mandato, ele não ficará bem.

O SUPREMO TRIBUNAL Federal (STF) não ficará bem se ali continuarem seguindo devagar, quase parando, as denúncias e os processos que envolvem políticos e autoridades com direito a foro especial. Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, é um desses políticos. Responde no STF a onze processos. O primeiro, depois de sete anos emperrado, está pronto para ser julgado.

QUANDO CHEGAR ao seu final, a Lava-Jato de pouco terá servido, na ausência de uma reforma política que de fato desmonte o que a provocou. Políticos que se imaginam a salvo da Lava-Jato, ou que rezam para se salvar, falam em reforma política a ser aprovada para produzir efeitos em 2018. Mas serão eles (cruzes!) que votarão tal reforma. É de se acreditar que produzirão algo decente?

OUTRO DIA, EM meio a uma sessão da Câmara dos Deputados, tentou-se aprovar uma anistia para quem se elegeu com dinheiro não declarado à Justiça. E também para os doadores do dinheiro. A proposta de anistia está sendo revista. Deverá ser reapresentada em breve. Estamos nos estertores de um sistema político moribundo que teima em respirar. Todo cuidado com ele é pouco.

Gente 'cult' tende a ser chata e afetada em suas opiniões - LUIZ FELIPE PONDÉ

segunda-feira, outubro 31, 2016



FOLHA DE SP - 31/10

O mundo pós-moderno em que vivemos é um prato cheio para frescuras. A palavra "frescura" pode soar um pouco estranha para quem não possui um repertório um pouco mais sofisticado em filosofia. Se isso acontece com "frescura", quanto mais com a palavra "desconstruído", que tem em sua história gente chiquérrima, como o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004). Quanto a "pós-moderno", então, nem me fale. Nada é mais chique do que algo ser pós-moderno. Voltaremos já ao que seria "pós-moderno".

Vamos por partes. Dizer que algo é uma "frescura" implica dizer que ela tem um frescor que lhe é peculiar, um certo tom de "novo", "avantgardiste", diria alguém versado em teoria da arte moderna. Portanto, sua raiz está no âmbito da natureza e da arte, ao mesmo tempo! Talvez, lá atrás, encontremos algum fenômeno a ver com mudança de estação do ano. Tal conceito também afeta qualquer teoria da moda.

Um detalhe: "frescura" sempre carrega alguma nuance de afetação. Quando algo ou alguém é "fresco", quer dizer que ele ou ela é um tanto exagerado (afetado) nas suas ações. Os mais velhos diriam: uma nota acima do necessário.


Na sua evolução semântica ("evolução semântica" quer dizer mudança de significado de uma palavra ao longo do tempo), a palavra "frescura" acabou assumindo um sentido próximo a "wannabe". O que quer dizer isso? Simples: "(to) want to be", em inglês, significa "querer ser algo","wannabe" significa "querer ser algo chique que não se é de verdade". Tipo gente que queria ser culta e por isso frequenta lugares "cult" para todo mundo pensar que é culta. Sacou? Conhece alguém assim? Aposto que sim. Gente "cult" tende a ser chata e afetada em suas opiniões.

E "descontruída"? Essa tem a ver com nossa época pós-moderna. Filósofos franceses chiques do final do século 20 se puseram a dizer (Jean-François Lyotard entre eles) que nossa época havia se cansado de "grandes narrativas". Em língua dos mortais, isso quer dizer ficar de saco cheio de muita teoria complicada e que é preciso ler muito para entender e, por isso mesmo, gastar o cérebro demais. Para os pós-modernos tudo é relativo e Shakespeare é igual a alguém batendo tambor repetidas vezes em algum recanto perdido do mundo.

Os pós-modernos começam então a misturar coisas que normalmente não iriam juntas, como bolsa Prada com pijamas no Iguatemi, paletós caros com sandálias Havaianas no Copacabana Palace e, assim, desconstruir tudo o que foi tomado como evidência antes deles. Daí chegamos a "frescuras desconstruídas" de nossa conversa de hoje.

Uma coisa que se adora desconstruir hoje em dia é a comida. Quando todo mundo acha que pode fazer comida gourmet, é melhor você se ater à comida da sua avó. Vou dar um exemplo real que me foi contado por uma amiga, recentemente. Olha só que primor de frescura (comida fresca que quer parecer inteligente e chique).

Um restaurante "top" na França. Num dado momento, é servido a ela uma "espuminha" com uma coisa escura e dura no meio do prato, completamente indecifrável. Mulher educada e com trânsito no mundo sofisticado, fica perplexa diante da dificuldade de identificar tamanha "desconstrução" do que seria muito banal, como carne, peixe, salada ou algo semelhante. Na sua modéstia típica de quem é de fato elegante, pergunta para o inteligente chef o que viria a ser aquilo.

Surpresa! Você não imaginaria a resposta, assumindo que você não seja uma dessas pessoas frescas que acham que comida deve ser inteligente.

A revelação máxima: a coisa escura era uma pedra. Pedra com espuminha. A desconstrução máxima do que seria comida: uma pedra. Nenhum animal come pedra. Mas humanos desconstruídos, sim. Hoje em dia está na moda fazer espuminha de tudo na comida. De todas as cores: vermelho, amarelo, azul, verde, marrom...

A ideia dessa comida desconstruída é que você chupe a pedra molhando ela na espuminha até secar o prato e a pedra. Alguém poderia se perguntar qual o limite da desconstrução gourmet. Que tal baratas africanas com espuminha de fezes seca?