sábado, 16 de julho de 2016

E ela ainda quer manter as mordomias




Mesmo afastada da Presidência pelo Senado, Dilma Rousseff pretende usufruir das benesses do poder. Quem paga a conta é você


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Na quarta-feira 11, o Senado deverá afastar Dilma Rousseff da Presidência da República por até 180 dias, período em que será julgado o processo de impeachment. Apesar de, já na quinta-feira 12, não ser mais a chefe da Nação, Dilma quer continuar usufruindo das benesses do poder. 


Nos últimos dias, ela dedicou parte de seu tempo preparando uma lista de exigências endereçadas a Renan Calheiros, presidente do Senado e responsável por atender ou não aos pedidos. Eles não são poucos. Dilma vai solicitar, para uso pessoal, uma frota de dez automóveis oficiais e cinco motos, além de helicópteros e aviões da FAB para viagens no Brasil e no exterior (os custos com hospedagem, combustível e tripulação serão, portanto, bancados pelos contribuintes). 


Não é só. A petista exige uma equipe de 20 assessores diretos, e uma verba para alugar uma casa de luxo em Brasília para abrigar o que chama de “governo paralelo”. Dilma já declarou a pessoas próximas que, por ora, não vai arredar pé do Palácio do Alvorada, a residência oficial da Presidência, enquanto o Senado não concluir o julgamento do impeachment. Significa que terá, ao seu dispor, os cerca de 80 funcionários do Palácio, entre cozinheiros, jardineiros, motoristas e seguranças. 


Ela também está incomodada com o corte do salário pela metade, conforme prevê a legislação. Em um encontro recente com Renan, Dilma pediu que os rendimentos sejam mantidos integralmente. Em 1992, afastado pelo impeachment, o ex-presidente Fernando Collor fez reivindicações semelhantes. Todas recusadas (leia box).


As reivindicações exageradas de Dilma são ainda mais inadequadas em um momento em que toda a sociedade discute – e exige – austeridade com os gastos públicos. Basta um olhar atento às manifestações dos últimos tempos para entender como os brasileiros não suportam mais políticos que desrespeitam o Erário. Qual é o sentido de continuar voando em aeronaves da FAB se ela não será mais a presidente em exercício? 



O que justifica o apoio de 20 assessores diretos se, no período em que estiver afastada, Dilma não terá a caneta presidencial? Mais grave ainda: a petista declarou mais de uma vez que, enquanto o Senado não julgar o impeachment, ela se dedicará a atazanar o governo Temer. Ou seja, o sagrado dinheiro dos contribuintes será gasto em projetos que não atendem aos interesses do País, mas aos propósitos de uma pessoa em particular.


O tema tem provocado debates no meio jurídico. “Dilma estará suspensa das funções de presidente caso o processo seja admitido pelo Senado. Administrativamente, não terá direito a qualquer estrutura”, afirma o constitucionalista Ives Gandra Martins. “Uma vez que a lei é omissa, ela teria direito exclusivamente aos privilégios de um ex-presidente, com o acréscimo de poder receber metade dos vencimentos.” O especialista também questiona o uso do Palácio do Alvorada por Dilma, caso o afastamento seja confirmado.



 “O Alvorada é a residência oficial do presidente da República e, no período de afastamento, quem responderá pelas funções é o vice Michel Temer. Então, ele deveria deixar o Palácio do Jaburu e se instalar no Alvorada.” Professor de Direito do Mackenzie, Gustavo Rene Nicolau pensa diferente. “Até o julgamento final, Dilma continuará sendo a presidente. Como a lei não define as prerrogativas válidas para tal período, é razoável que ela continue ocupando o Palácio do Alvorada.”



Além de garantir mordomias para si própria, Dilma trabalha em prol dos ministros mais próximos. O governo estuda uma maneira legal de garantir salário e imunidade ao primeiro escalão durante o período que durar o processo no Senado. A lei não deixa claro se deve haver remuneração oficial nesse período, mas Dilma diz que vai lutar por isso. A ideia da petista é montar o que chama de “tropa de choque” contra o governo Temer. 


Farão parte desse grupo a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, responsável pelo programa Bolsa Família e pelas políticas de combate à miséria, o ministro da Aviação Civil, Carlos Gabas, que comandou a pasta da Previdência, e a presidente da Caixa, Miriam Belchior, que comandou o Planejamento. Também integram a turma os assessores especiais Giles Azevedo e Marco Aurélio Garcia, peça importante para manter viva no exterior a tese de golpe encampada pelo PT. 



Jaques Wagner e Aloizio Mercadante deverão atuar como conselheiros, mas sem função pública em Brasília. O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, tentará autorização para continuar defendendo a petista no processo de impeachment, mas sem remuneração.

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Sem direito a regalias

Depois do impeachment, Collor foi proibido de usar bens da União


No dia 2 de outubro de 1992, um helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) pousou nos fundos do Palácio do Planalto para o embarque do então presidente Fernando Collor e sua mulher, Rosane Collor. Foi a última vez que Collor (na foto, pouco depois de perder o cargo) usufruiu de um bem público na condição de chefe do Poder Executivo. No dia anterior, o Senado aprovara a admissibilidade do processo de impeachment contra ele, o que resultou no seu imediato afastamento das funções. 


Collor se refugiou na Casa da Dinda, mansão às margens do Lago Paranoá que pertence à sua família e que foi usada como residência oficial durante o exercício da Presidência. Na Dinda, o antes cortejado presidente passou a receber poucos amigos e ainda mais raros aliados políticos.


Collor quis montar um gabinete de trabalho na Granja do Torto, outra residência oficial da Presidência. Reivindicou também motocicletas com batedores e passagens aéreas para o exterior. Mas uma decisão judicial proferida por uma juíza da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro o proibiu de utilizar bens da União enquanto estivesse afastado de seus funções, incluindo helicóptero, carros e avião oficiais.


Nice, a narrativa e a Lava Jato


Por Mario Sabino
O ataque em Nice é mais uma prova de que o governo francês é uma porcaria, assim como a polícia e os serviços de informação. Como jornalista, no entanto, eu não posso deixar de admirar o ritual narrativo que segue cada atentado.
Depois de descoberta a identidade do terrorista, ou terroristas, e esclarecidos o número de vítimas e as circunstâncias gerais do ataque, o procurador de Paris chama a imprensa para descrever tudo aquilo que as autoridades sabem a respeito do assunto até aquele momento, bem como o que não sabem.
O texto é cristalino e lido no tom certo — nem emotivo, nem monocórdio. A gramática também escapa completamente ilesa, como sói acontecer nestas latitudes. Tradição literária ajuda nessas horas.
A descrição do procurador de Paris confere sentido ao que parece não ter o menor sentido. Organiza a investigação policial que ganhará mais detalhes nas semanas seguintes, serve de ponto de partida para as interpretações políticas que tomarão o noticiário e esboça outro capítulo da história do país. Não menos relevante, dá início ao luto nacional e aos lutos individuais de quem perdeu familiares e amigos. De certa forma, é como o epílogo de uma tragédia grega.
Tudo é o exato contrário do que costuma ocorrer no Brasil. Quase não temos narrativas e, quando tecidas, elas pecam pela obscuridade ou mentira deslavada.
É na falta de tradição narrativa que Lula e os seus aliados apostam para deturpar o que a Lava Jato vem contando de maneira ainda demasiado técnica.

Talvez seja o caso de a República de Curitiba contratar o procurador de Paris para lhe dar mais clareza. O nome dele é François Molins.