sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Efeito profilático - MERVAL PEREIRA

sexta-feira, novembro 04, 2016



O Globo - 04/11

O que está decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a efetivação suspensa pelo pedido de vista extemporâneo do ministro Dias Toffoli, é que, uma vez réu, o integrante da linha de substituição tem que ser afastado dessa posição, que o habilita a exercer a Presidência da República. Se o próprio presidente não pode ser réu, muito menos alguém que tenha que substituí-lo eventualmente pode sê-lo.

Isso implica que, se for recebida uma denúncia contra o presidente do Senado, da Câmara ou do STF, esse agente automaticamente deve ser afastado dessa presidência, podendo, porém, permanecer no exercício do cargo de origem (senador, deputado ou ministro do STF). O mérito da medida é impedir que uma pessoa nessas condições exerça a liderança institucional máxima.

Suposta “linha sucessória” não existe, pois há apenas um sucessor legal do presidente brasileiro, que é seu vice, que o substitui em eventualidades, ou sucede a ele em caso de vacância permanente, por doença, morte ou impeachment. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Renan Calheiros, assim como a presidente do STF, Cármen Lúcia, portanto, não fazem parte da linha sucessória, mas substituem o presidente por no máximo 90 dias, para convocar eleições.

Do ponto de vista constitucional, portanto, Michel Temer não tem vice-presidente, assim como Itamar Franco e Sarney não tiveram, mas a Rede, que impetrou a ação que foi julgada ontem pelo plenário do STF, defende que um réu não pode substituir o presidente da República, mesmo em caráter provisório.

Após o STF confirmar o julgamento, Renan perderá automaticamente a presidência do Senado se tiver denúncia contra si recebida, e já há uma aguardando pauta. Ele não pode simplesmente “abrir mão” de assumir a Presidência da República e passar para o próximo, afirma o juiz Márlon Reis. Essa prerrogativa não é dele, mas do cargo. Por isso ele sai do cargo para que o Senado não perca a prerrogativa.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada pela Rede Sustentabilidade foi arquitetada na Faculdade de Direito da Uerj pelos advogados Daniel Sarmento, principal autor da ação no Supremo, e Eduardo Mendonça, que ficou com o escritório de advocacia do hoje ministro do STF Luís Roberto Barroso, que por essa razão declarou-se impedido de participar do julgamento.

O pedido de vista feito por Toffoli, após 5 ministros já terem dado seus votos a favor da tese, teve o efeito prático de ajudar Renan a permanecer na presidência do Senado mais tempo, provavelmente até o fim de seu mandato, em janeiro.

Como o recesso do Judiciário é de 20 de dezembro a 20 de janeiro, dificilmente haverá tempo útil para o caso voltar a julgamento nesse período, mesmo que nele seja julgado, o que é improvável, um dos 11 processos contra ele já liberado por Edson Fachin. Trata-se de decidir se a empreiteira Mendes Junior pagou pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com quem o parlamentar tem uma filha fora do casamento. O escândalo data de 2007 e provocou a renúncia de Renan da presidência do Senado, para não ser cassado.

A atitude de Toffoli foi tão extemporânea que o ministro Celso de Mello decidiu dar mesmo assim o sexto voto, que formou a maioria do plenário a favor da proibição de que um réu permaneça na linha de substituição do presidente da República.

Anteriormente, Toffoli havia sido derrotado pela maioria na primeira decisão do dia, quando se posicionou contra dar prosseguimento ao julgamento por “perda de objeto”, já que a ação original referia-se ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que já saiu da linha de substituição da Presidência.

A suspensão do julgamento sem a formalização da decisão que já está tomada é um favor, voluntário ou não, a Temer, que temia que a saída de Renan da presidência do Senado prejudicasse a votação da PEC do controle de gastos ainda este ano.

O juiz Márlon Reis, conhecido por sua atuação na aprovação da Lei da Ficha Limpa, considera que a Câmara e o Senado não mais elegerão réus, ou potenciais réus, para a sua presidência. “O efeito profilático da medida para o futuro é avassalador”, comemora o juiz, que lançou a tese que foi encampada pela Rede num artigo no GLOBO, a propósito de Eduardo Cunha.

A lei para quase todos - FERNANDO GABEIRA

sexta-feira, novembro 04, 2016



ESTADÃO - 04/11

Por que parlamentares se apegam tanto ao foro especial e desqualificam os outros magistrados?


Foro privilegiado, ou foro por prerrogativa de função? Cláusula de barreira ou cláusula de performance? As palavras, principalmente em política, costumam expressar posições bem definidas.

O que chamamos foro privilegiado nem sempre foi visto assim. No passado era pior. As pessoas tinham direitos a partir de sua origem, de sua classe social, algo que as acompanhava até à morte. Nesse sentido, ao limitar o foro especial ao exercício de uma função, houve um avanço indiscutível. Perdido o cargo, retorna-se ao destino comum.

Deputados e senadores só podem ser processados pelo Supremo Tribunal. Em princípio, não é uma coisa boa se você fez algo errado. Os juízes do Supremo são mais competentes e, portanto, mais capazes de desarmar todas as tramas da defesa. Além disso, ao ser condenado pelo Supremo, não há para onde correr, não há chances de recursos a uma instância superior, como na vida aqui embaixo, onde os condenados se veem às voltas com juízes de primeira instância.

Por que os parlamentares se apegam tanto ao foro especial? Por que desqualificam os outros juízes, considerados por Renan Calheiros juizecos de primeira instância? Por que preferem o que deveriam temer?

A resposta está no tempo, isso que nem sempre sabemos definir, mas sabemos muito bem o que é. Os processos no Supremo levam anos para ser julgados, o tempo corre a favor dos acusados.

Segundo os últimos números, cerca de 224 parlamentares são objeto de investigação ou ações no Supremo. De 1988 para cá, 500 foram investigados e apenas 16, condenados.

Os números atuais são um recorde. Alguns parlamentares respondem a mais de um processo. Há os recordistas, como o senador Lindberg Farias (PT-RJ)ou o ex-deputado Paulo Cesar Quartiero, hoje vice governador (de Roraima), com 13 inquéritos cada um.

Nada tenho pessoalmente contra Quartiero. Desenvolvi mesmo uma visão crítica sobre a delimitação da área indígena Raposa-Serra do Sol. Mas andei por lá em algumas ocasiões, inclusive num momento em que Quartiero destruiu suas instalações de beneficiamento do arroz que produzia, revoltado com a perda de suas terras.

Como fiz algumas fotos, a Justiça me chamou para depor. Fui lá, no dia e hora e marcados, e contei o que vi. E disse que tinha as fotos. Por precaução salvei algumas e as mantive na mesa do computador.

Nunca mais fui chamado. De vez em quando, olhava as fotos e pensava comigo mesmo: vou mantê-las aí, pode ser que se interessem, que queiram ao voltar ao tema. Com o tempo retirei-as da minha vista. Nunca mais soube de nada a respeito desse assunto e, na verdade, perdi o interesse.

Claro que quero voltar a Uiramutã e pernoitar numa pensão de R$ 20 por noite, rever todas as belezas daquela região de Roraima, na fronteira com a Venezuela e a Guiana. Mas o destino da Raposa-Serra do Sol, tão discutido no passado, não é mais pauta de reportagem. Teria de fazer uma grande ginástica narrativa para que as pessoas se interessassem pelo que, de fato, aconteceu depois da delimitação da área indígena.

Tudo o que é sólido se desmancha no ar. A frase de Marx, adaptada por Marshall Berman para o continente americano, tem plena validade para o Brasil. Estou falando de um dos 500 casos que, por coincidência, se entrelaçaram com a minha trajetória pessoal.

Um dos inquéritos mais antigos de Renan Calheiros é o que envolvia sua amante mantida por empreiteira. O caso revelou uma riqueza pessoal insuspeitada e também se dissolveu no ar. Todas as etapas foram cumpridas no tempo. Acabou em pizza, o que em termos amorosos quer dizer: em poses para uma revista masculina.

A passagem do foro privilegiado para o comum não significa necessariamente uma solução perfeita para o problema. Lembro-me de que o deputado Bonifácio de Andrada muitas vezes enfatizou, em conversas sobre o tema, como é perigoso ser perseguido por um juiz no interior, sobretudo no momento eleitoral, em que as paixões políticas se acendem.

Atualmente, fala-se numa espécie de Corte dedicada exclusivamente aos parlamentares e outros detentores de foro especial. Não me parece a melhor saída. No entanto, a pior de todas é continuar empurrando com a barriga, enquanto os processos dormem no Supremo.

Aquele célebre momento em que Dilma nomeou Lula para protegê-lo de Sergio Moro deveria ser um ponto de inflexão. Na verdade, o mensageiro acabou ofuscando nossa memória da mensagem. Quem não se lembra do Bessias? Depois que Dilma caiu, todos queriam saber do Bessias, por onde andava, se estava recebendo seu salário, que futuro teria o Bessias num país sem Dilma na Presidência... Se, de repente, começarmos a chamá-lo de Messias, sua mensagem pode ter um significado mais amplo. Seu tropeço anunciaria um novo tempo, sem truques e artimanhas.

Ex-governantes sofrem crueldades, assim como repórteres investigativos. Uma delas é a dispersão de processos, o que os obriga a correr de um lado para o outro, tornando-os escravos de uma defesa de Sísifo: mal se explica aqui e já é preciso sair correndo para se explicar a alguns quilômetros de distância.

Com todas essas pedras no caminho, é preciso buscar uma saída. Dizem que uma das conquistas da Lava Jato foi demonstrar que a lei vale para todos. Mas vale mesmo?

A cadeia de Curitiba está cheia de gente sem mandato. Quem tem mandato tem polícia particular, com sofisticadas malas para desmontar grampos, assessorar bandidos no Maranhão. E ministros no Supremo para, com a rapidez de um relâmpago, livrá-lo das complicações. Mexam com os jagunços de terno preto e gravata e não faltará uma sumidade jurídica para nos esfregar a Constituição na cara.

A lei vale para todos? Felizmente, ainda não estão prendendo quem responde a essa frase com uma gargalhada.

*Jornalista


Perguntas difíceis não são bem-vindas nas escolas ocupadas - EDUARDO CUCOLO

sexta-feira, novembro 04, 2016



FOLHA DE SP - 04/11

BRASÍLIA - O movimento de invasão a escolas visto em várias partes do país já conseguiu atrapalhar a vida de muitos estudantes. Mas ainda não produziu alternativas às propostas que, segundo dizem, motivaram essas "ocupações".

Contribui para isso a subserviência de grande parte dos participantes a partidos e movimentos de esquerda, além do apego a ideologias.

Se fossem apartidários, não viriam a Brasília tirar fotos e confraternizar com parlamentares da oposição. Sem se importar que alguns deles sejam investigados na Lava Jato.

O controle de movimentos estudantis por partidos, aliás, não é algo novo e explica 13 anos de silêncio diante dos dois últimos governos.

Superar a doutrinação ideológica no ambiente secundarista também não é fácil. É nítida a dificuldade de apresentar a estudantes uma visão mais liberal do mundo. E propostas como a "Escola sem Partido" acabam por fomentar mais desconfianças do que discussões.

Não parece haver estudante que não defenda um currículo mais flexível. Ao mesmo tempo, surpreende o discurso de muitos para que nada deixe de ser obrigatório.

Propostas de reforma do ensino adormecem nas gavetas da Câmara. A edição de uma medida provisória, que tem prazo para ser votada e transformada em lei, no entanto, é vista como uma tentativa de acelerar debates para evitar discussões.

É possível que o Executivo recue e enterre a reforma. Afinal, é um governo com receio de se impor em temas que não sejam a PEC do teto de gastos. Com isso, fica tudo como está.

Nesse ponto, aliás, os estudantes são mais um grupo que iniciou a guerra pelos recursos mais escassos desse novo Orçamento.

O Brasil investe pouco em educação. Mas gasta muito com benefícios previdenciários e funcionalismo.

Haverá ocupação de escolas em defesa da reforma da Previdência?

Nas escolas ocupadas, perguntas difíceis não parecem ser bem-vindas.