quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A igualdade é difícil - ROBERTO DAMATTA

quarta-feira, novembro 02, 2016


O GLOBO - 02/11

Temos uma aguda consciência das diferenças e dos abismos que separam e distinguem indivíduos e coletividades. Não há mais nenhum lugar inocente e sem sofrimento



Uma fábrica é uma máquina de igualdade. Seu objetivo é produzir coisas iguais, e sua reputação tem a ver com a capacidade de produzir perfeitamente o mesmo do mesmo. O problema é que, começando com o seu proprietário, a igualdade da produção em massa promove, em outros níveis, uma brutal desigualdade.

Por outro lado, é impossível não constatar a impossibilidade de produzir objetos idênticos em sociedades não industriais. Quando eu vivi com os índios apinayé, surpreendia-me o fato de todos saberem quem eram os autores dos objetos — cestas, esteiras, arcos, bordunas, flechas ou enfeites — que eu havia adquirido para o museu onde trabalhava.

O igual é o modelo do fabricado. Todos seriam iguais perante a lei e igualmente iguais perante certos bens e serviços oferecidos pelo Estado ou adquiridos por meio do dinheiro, cujo valor é — vale falar no óbvio — igual para todos. Mas não se pode esquecer do “perante”. É a lei que é igual para os diferentes entre si.

Numa sociedade cujo ideal é a igualdade, as desigualdades seriam lidas como anomalias, perversões e hóspedes não convidados. Mas nem nas sociedades tribais fundadas na família, com tecnologia produzida por seus próprios membros, existe uma igualdade concreta. Há desigualdades, mas elas são transformadas em particularidades e pertencimentos. Cada grupo interno — metades, associações, linhagens — diferencia produzindo interdependências sem as quais o sistema ficaria abalado.

Ademais, entre os apinayé os demiurgos Sol e Lua, inventaram a Humanidade atirando cabaças nas águas de um ribeirão. As cabaças afundavam e, quando voltavam à tona, estouravam, e delas saíam pessoas. Sol produziu gente sadia e bonita. Mas Lua interferiu e começou a dizer baixinho: feio, cego, surdo e assim surgiram as diferenças. Quando Sol interpelou Lua, ele replicou que um mundo sem diferenças não ia dar certo.

Eis uma concepção na qual a descontinuidade não é fruto da desobediência da criatura, mas é instituída pelos criadores. Acrescento, contudo, que antes do contato com o “civilizado”, as diferenças materiais entre os membros desta coletividade eram mínimas e que a dinâmica que os une e desune é a da filiação e da afinidade, debaixo de uma ética de reciprocidade.

No nosso caso, a questão é outra. Como diz Lévi-Strauss, nós vivemos num mundo incapaz de fidelidade a si mesmo. O vir-a-ser é o tema dominante da nossa cosmologia fundada no individualismo, no progresso e, consequentemente, num futuro no qual tudo vai (ou deveria) se resolver. Temos uma aguda consciência das diferenças e dos abismos que separam e distinguem indivíduos e coletividades. Não há mais nenhum lugar inocente e sem sofrimento. Vivemos o fim das Shangri-Lás, e ninguém sabe mais quem foi James Hilton.

A novidade de um mundo globalizado é a descoberta de que nenhuma sociedade é perfeita ou mais adiantada. A globalização obriga a rever utopias. As musas da modernidade — liberdade, fraternidade e igualdade — são complicadas na prática. Muita igualdade liquida a liberdade. Muita liberdade dramatiza os limites das diferenças e racionaliza a exploração humana. Se o planeta é de todos, como aceitar que alguns países tenham o poder de tudo destruir?

No Brasil, o problema é como acabar de vez com o “Você sabe com quem está falando?”, esse brasileirismo inventado como último recurso hierárquico e escravista contra a igualdade republicana que obriga a entrar na fila, ser parado por um guardinha qualquer, ser compelido a responsabilidade quando se ocupa um cargo público e — eis o escândalo dos escândalos — ser enjaulado por um crime porque a lei vale mesmo para todos, e a igualdade perante e lei acaba com os privilégios. Antes de sermos presidentes, ministros, juízes, senadores e donos de grandes empresas, somos todos cidadãos. Mas como lidar com a contradição que transforma um eleito pelo povo com o nosso dinheiro numa superpessoa acima da lei? Ontem ele pedia votos, hoje — eleito por meio de um fundo partidário! — ele acha legítimo assaltar os cofres públicos.

É desprezível essa batalha judicial (mistificada como política) para manter privilégios. Estou convencido de que o discurso quase sempre vazio que enquadra as pessoas no velho dualismo de direita e esquerda dissimula muito mal o cerne da questão: somos uma sociedade dividida entre aristocratas (ancorados no Estado) e babacas — as pessoas comuns. Os que conhecem os limites dos seus papéis sociais e, com o seu trabalho, sustentam um palacianismo kafkiano de direita e de esquerda, duro de eliminar. Somos os últimos escravos...

Roberto DaMatta é antropólogo



Meirelles jura que não aumentará impostos


Posted: 01 Nov 2016 02:25 AM PDT


Edição do Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Jorge Serrão - serrao@alertatotal.net

Até ontem, R$ 50 bilhões retornaram ao Brasil com a Lei de Repatriação de recursos enviados ilegal ou indevidamente ao exterior. A tributarista Velhinha de Taubaté acredita que a maior parte da grana que voltou não foi obtida e exportada de forma ilícita. Na visão dela, isto é coisa de intrigueiros, já que nenhum dinheiro sairia ilegalmente do Brasil sem que a rigorosa fiscalização da Super Receita Federal pudesse perceber.

Agora, a Velhinha de Taubaté comemora que os bilhões retornam esquentadinhos oficialmente, para socorrer o caixa do tesouro com as multas e para o tsunami de investimentos (sobretudo na construção civil) previsto pelo governo do PMDB – que é uma continuidade cínica, que tenta ser menos piorada, da catastrófica gestão da petelândia. A hipercrédula idosa acredita, fervorosamente, que tudo vai melhorar rapidamente na economia brasileira.

A Velhinha de Taubaté também confessou que entrou em orgasmo ouvindo a Voz do Brasil de ontem. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, avisou que não haverá aumento de impostos porque o governo evitará o crescimento de despesas com a PEC do Teto de Gastos. Meirelles só faltou prestar juramento para negar o aumento da carga tributária: "Só seria necessário se as despesas continuassem a crescer descontroladamente. No momento em que o governo corta na carne, elimina a necessidade de aumentar impostos".

Nem precisa criar mais que os 92 impostos, taxas e contribuições em vigor. Por que Meirelles não fala em reduzir o número de impostos? O que o governo já está fazendo – e os empresários estão sentindo na pele – é aumentar o apetite da furiosa máquina de arrecadação. As variadas gestapos fiscais, na União, Estados e municípios, vai aumentar o aperto a quem tenta o milagre de produzir e gerar empregos. A previsão é que mais empresas sejam forçadas a pedir Recuperação Judicial, gerando um clima negativo com a oficialização de calotes e quebra de compromissos. A situação degrada, mas o governo vende a idéia contrária...

Ontem, simbolicamente, ficou claro que as coisas não mudam no Brasil, porém se reformam. Marketeiros de Michel Temer mudaram o formato da velha Voz do Brasil. Criaram até uma versão mais moderna da ópera “o Guarani”, de Carlos Gomes. No entanto, voltaram com o velho bordão que consagrou o programa: “Em Brasília, 19 horas”. Só faltou ressuscitar a voz do falecido Alberto Cury – que ficou estigmatizado pela leitura do Ato Institucional número 5, em 13 de Dezembro de 1968...

A Voz do Brasil é tão ou mais velha que a Velhinha de Taubaté. O anacronismo radiofônico, que suja a programação das emissoras com o oficialismo noticioso, está há 81 anos no ar. Entrou para o Guiness Book of the Records em 1995 como o mais antigo programa do Hemisfério Sul - no ar desde 1935 (herança da Era Getúlio Vargas).

Agora, só falta ao governo Temer ouvir, de verdade, a voz dos brasileiros que desejam mudanças estruturais efetivas – e não reforminhas na base dos efeitos especiais. No entanto, no ritmo de crescente hegemonia do PMDB, apesar de uma resistente impopularidade, não é previsível que algo mude de verdade – a não ser que as delações premiadas da Odebrecht, na Lava Jato, consigam atingir a prometida centena de políticos corruptos.

A Velhinha de Taubaté acredita que tudo vai melhorar. Viúva de $talinácio, a famosa idosa só não pede o Temer em casamento para não magoar a a bela Marcela...


Taxiando para Curitiba?


Desastro


Jura?


Sem perdão


Queda libertina