terça-feira, 9 de agosto de 2016

Cadê o "Volta, Dilma!"? - LUIZ CARLOS AZEDO


CORREIO BRAZILIENSE - 09/08

As Olimpíadas no Rio de Janeiro servem para desfazer a campanha internacional feita por Dilma e pelo PT de que estaria em curso um golpe de Estado no Brasil


Não foi à toa que os petistas adotaram a palavra de ordem "Fora, Temer!", na qual se confundem com todos os demais adversários do presidente interino. É uma maneira de fugir à responsabilidade de defender a volta de Dilma Rousseff ao poder, uma missão impossível para a cúpula do PT, cujo único objetivo agora é se defender da Operação Lava-Jato. Mesmo a tese do "golpe de Estado" contra a presidente eleita já não tem o consenso partidário. Como caracterizar um golpe quando o presidente do Supremo Tribunal Federal(STF), Ricardo Lewandowski, notoriamente ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preside o julgamento do impeachment?



A partir de hoje, os senadores petistas - alguns dos quais também investigados na Operação Lava-Jato - , na sessão plenária do Senado Federal que decidirá julgará ou não o pedido de impeachment, já não poderão afirmar que o processo é um golpe sem também acusar Lewandowski de golpista. Ou seja, começa a cair por terra a tese de que a Constituição foi rasgada pelo Congresso. É que as regras do jogo foram estabelecidas pelo STF em julgamento no qual o Senado foi fortalecido como instância julgadora, uma vez que a Câmara, então ainda presidida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teve subtraído o poder de afastar a presidente da República. O processo se tornou mais demorado, mas enfraqueceu a retórica de que o processo de impeachment fora aberto como uma "vingança" de Cunha aliado à oposição.



Estranho golpe esse, sem tanques nas ruas, cassações de mandatos, fechamento de sindicados, censura à imprensa, ocupação de rádios e emissoras de tevê. Nada se parece com o golpe militar de 1964, como a presidente afastada chegou a comparar. Somente quem não viveu aqueles dias ou interpreta a história por um viés ideológico sustenta um paralelo tão fora da realidade. A propósito, a realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro serve para desfazer toda a campanha internacional feita por Dilma, por parte da diplomacia e por aliados do PT de que estaria em curso um golpe de Estado. 


A proibição de manifestações de protestos nos locais de jogos, que é usada para caracterizar um surreal processo de fascistização do país, ao contrário do que alguns imaginam, foi estabelecida a pedido do Comitê Olímpico Internacional pela própria presidente Dilma Rousseff. Nada impede que os protestos contra o governo Michel Temer sejam marcados e convocados para os locais onde normalmente essas manifestações ocorrem.



Mas voltemos ao impeachment. Para ocorrer, o julgamento da presidente Dilma Rousseff precisa que a maioria simples dos senadores aceite o pedido aprovado pela comissão especial, nos termos do relatório do senador Antônio Anastasia. Essa votação será hoje, em sessão que servirá para uma avaliação realista da situação da presidente afastada e das dificuldades criadas pelos senadores que estão em cima do muro. 


Dos 81 senadores, 39 declararam votos pelo impeachment, 18 são contrários e os demais preferem não declarar o voto. Nos bastidores, porém, já passam de 60 os senadores que se comprometeram com o Palácio do Planalto a aprovarem o impeachment. São necessários 54 votos. O caso do senador Cristovam Buarque (PPS-DF) é o mais emblemático: ele não disse que votará a favor da cassação de Dilma, mas já deu sinais de que considera o impeachment uma alternativa válida. O último deles foi repudiar a comparação com o golpe de 1964.

O desafeto
A estratégia de usar a má fama de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara, para desmoralizar o impeachment também se esvai com o passar dos dias. Desde a eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Casa, sua influência diminuiu, embora ainda tenha aliados poderosos. Ontem, foi lido em plenário o pedido de sua cassação, que será publicado hoje no Diário Oficial. Abre-se, assim, o prazo de até duas sessões ordinárias (de votações ou debates) para que o processo seja incluído na pauta, com prioridade sobre outros temas. 


O PT e o Psol, dilmistas, e o PSDB, o DEM e o PPS, da antiga oposição, cobram a marcação imediata da data de votação. A cassação é pedra cantada, até mesmo para os aliados de Cunha, que têm medo dele se sentir traído e, por isso, denunciar a todos que ajudou com recursos de campanha em acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato. Se perder o mandato, quem julgará seu caso é o juiz Sérgio Moro, de Curitiba.

Maia argumenta que o tema é bastante polêmico e precisa ser definido por um plenário com quórum elevado.

São necessários 257 votos entre os 512 deputados em exercício para que seja determinada a perda do mandato de Cunha. O risco de não aprovarem a cassação de Cunha seria real durante as Olimpíadas do Rio, porque a opinião pública está inebriada pela festa. 


Mesmo assim, em votação aberta, será muito difícil para qualquer deputado nâo comparecer à sessão da cassação. A opinião pública considera Cunha uma espécie de inimigo público número um. Ninguém se surpreenda se ele for cassado antes mesmo do afastamento definitivo de Dilma Rousseff.

Será crime um branco não ter amigos negros para mostrar?

Terça-feira, agosto 09, 2016


- JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 09/08

Ah, a experiência! Os colunistas são como certos cachorros de caça. A presa ainda não apareceu no horizonte. Mas os nossos caninos já estão espumando de excitação.

Exemplo: dias atrás, li uma excelente entrevista de Jonathan Franzen à "Slate". Gosto de Franzen. Conheci-o pela primeira vez em 2002, talvez 2003, em livro de ensaios que recomendo ("Como Ficar Sozinho", Companhia das Letras). Depois, provei os romances. Também recomendo, embora "As Correções" (Companhia das Letras) me pareça bem melhor que os seguintes.

Mas regresso à entrevista. E aos meus caninos. A certa altura, o entrevistador pergunta a Franzen se ele nunca pensou em escrever um romance sobre os conflitos raciais que correm pelos Estados Unidos. A pergunta é absurda: um escritor não tem que escrever sobre os temas que interessam ao entrevistador –e isso revela a decadência cultural do jornalismo contemporâneo.

Franzen escutou a pergunta, meditou e finalmente respondeu, embaraçado: "Não tenho muitos amigos negros", um eufemismo para dizer que não tem nenhum. E depois, com honestidade, concluiu: só devemos escrever sobre realidades que conhecemos bem.

Terminei essa parte da entrevista com duas perguntas a balançar no trapézio.

A primeira foi questionar se também eu tenho amigos negros. Não tenho. Existem conhecidos, colegas, amigos de amigos. Mas não tenho no portfólio um exemplar para mostrar. Razões?

Nenhuma em especial. Nunca aconteceu. O destino, nessas matérias, tem uma palavra importante. E, além disso, eu ainda respeito o significado profundo da palavra "amigo". São três ou quatro e ponto final. Por acaso, todos brancos.

Mas a segunda pergunta é mais relevante que a primeira e foi ela que despertou o meu faro: depois da confissão de Franzen, esperei pelas críticas das brigadas. Que logo surgiram, para confirmarem o meu instinto.

No inglês "The Guardian", a escritora Lindy West resumiu o estado da arte: Franzen faz parte da esmagadora maioria de americanos brancos (75%, segundo um estudo do Public Religion Research Institute) que não tem amigos de outras raças. Franzen seria, na linguagem erudita de West, um caso de "auto-segregação": um escritor que se esconde na sua bolha de privilégio e que nunca mostrou interesse em ter amigos negros.

Ponto prévio: se a cifra está correta (75% de brancos sem amigos de outras raças), é óbvio que existem dois planetas distintos nos Estados Unidos quando os negros representam 12% da população (estimativa conservadora).

A pobreza tem aqui a palavra central, admito: nas nossas vidas cotidianas, tendemos a cultivar "relações de classe". Se os brancos são mais afluentes que os negros, é normal que os brancos tenham amigos brancos.

Por outro lado, já não será tão normal viver em grandes cidades –como Nova York, Chicago ou Los Angeles– sem amigos negros que habitam a mesma classe média. Mas será que isso constitui um crime? Ou, pelo menos, uma falha de caráter?

A escritora acredita que sim. E, na sua cabeça pequena, não lhe ocorre a possibilidade singela de Franzen não ter amigos negros porque nunca os encontrou.

Para Lindy West, a raiz do desencontro está na pigmentação da pele; mas como excluir, com dogmatismo infantil, a importância das afinidades culturais, dos interesses comuns ou até dos acasos biográficos ou geográficos?

Finalmente, e em verdadeira paródia ao conceito de "amizade", Lindy West questiona por que motivo Franzen não faz um esforço para procurar amigos negros. "Amizade", para ela, é uma espécie de jardim zoológico privado onde temos o amigo negro na jaula 1; o asiático na jaula 2; o hispânico na jaula 3; o samoano na jaula 4; e, já agora, o índio na jaula 5. Parafraseando os existencialistas, a aparência precede a essência.

É um caminho. Claro que esse conceito de amizade também pode ser problemático: se a ONU tem 193 Estados membros, uma amizade verdadeiramente inclusiva deve transcender as fronteiras do país e abraçar o mundo inteiro. Ou somos cosmopolitas, ou não somos nada.

Prometo que vou fazer um esforço: amanhã começo na letra A – com um amigo afegão– e só descanso quando chegar ao Zimbábue.


O dia em que a toga enterrou o “golpe”

RICARDO NOBLAT



09/08/2016 - 03h11


No futuro se dirá que no dia 9 de agosto de 2016, ao sentar-se para presidir a sessão do Senado destinada a aprovar o relatório que recomendava o julgamento da presidente Dilma Rousseff por crime de responsabilidade, o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, voluntária ou involuntariamente acabou com o discurso do “golpe” usado até então pelo PT.

É verdade que ainda por algum tempo, quando nada à falta de propostas positivas que possam outra vez seduzir parte do distinto eleitorado, o PT insistirá com a ideia de que Dilma foi derrubada por um golpe tramado pelas forças mais conservadoras do país. Mas também será verdade que esbarrará cada vez mais em gente pouca disposta a se deixar enganar.

Onde já se viu um golpe ser presidido em sua fase final pelo representante máximo da mais alta corte de Justiça? Golpe pressupõe um ato de força manifestamente ilegal. Onde já se viu um golpe onde o suposto golpeado, diretamente ou por meio das forças políticas que o apoiam, participa de todas as suas etapas, recorre à Justiça sempre que quer e tem seu direito de defesa assegurado?

Um golpe televisionado durante longos meses e acompanhado por quem quis? Um golpe pontuado por manifestações de ruas a favor e contra que não produziram uma morte sequer, nem mesmo um só ferido? Manifestações garantidas por tropas da polícia e da Força Nacional que não dispararam um único tiro? Enfim, um golpe previsto e regulado pela Constituição?

Por ignorância ou má fé, vozes importantes no exterior engoliram a narrativa do golpe construída pelo PT para explicar o fim dos seus 14 anos de poder. Mas o que elas dirão a partir de amanhã? Que a toga de Lewandowski, ministro do Supremo que deve sua indicação a Lula, rendeu-se à força do golpe? Que o país, distraído pelos Jogos Olímpicos, mal se deu conta do que se passava?

O PT respira aliviado com o desfecho próximo do impeachment. Imagine o peso de sustentar um governo desastroso como o de Dilma por mais dois anos e pouco... A própria Dilma, a essa altura, já respira aliviada. Como conseguiria governar carente de apoio no Congresso? Há meses que ela finge lutar por seu mandato enquanto esvazia dos seus pertences o palácio que habita.

A História não absolverá Dilma. Nem Lula. Nem o PT. Lula já é objeto da Justiça. Dilma será. Restará ao PT reinventar-se se for capaz.

Adeus, projeto criminoso de poder




As sucessivas mobilizações de rua deram o golpe final em um projeto de poder que parecia invencível


Depois de longos 13 anos e cinco meses, o Brasil, finalmente, vai se livrar do projeto criminoso de poder. E, tudo indica, para sempre. Como os "sovietólogos," que durante décadas estudaram a antiga União Soviética, aqui também os analistas do PT e da conjuntura nacional não conseguiram identificar o momento da crise final de uma forma de fazer política. Os arquivos são implacáveis: basta acessá-los para constatar que davam ao PT, a Lula e às suas alianças políticas uma longevidade que eliminava a História. Era como se o Brasil estivesse condenado, ad eternum, ao domínio petista e Lula fosse o deus ex machina nativo.

A repetição exaustiva dos supostos êxitos petistas, com o apoio da universidade, que fornecia o verniz científico, dava a aparência de que, mesmo com algumas dificuldades, o petismo no poder seria eterno. Tanto o DIP, do Estado Novo, ou a Agência Especial de Relações Públicas (Aerp), do regime militar, nunca alcançaram a eficiência da máquina de propaganda petista. Desta vez, o apoio dos acadêmicos, dos intelectuais, dos jornalistas, dos artistas não necessitou da violência do aparato repressivo. Não. Bastou, para alguns, o dinheiro; para outros, a sensação de que participavam do poder e, para os mais ingênuos, a reafirmação de antigas teses da juventude. O modo petista de governar foi louvado como uma contribuição brasileira para o mundo e Lula, incensado como a síntese das nossas melhores lideranças.

Os "petistólogos" ficaram tão impressionados com a propaganda, que acabaram dando uma sobrevida a uma forma moribunda de fazer política. Mas a história seguiu outro caminho. De um lado, a grave crise econômica, produto da famigerada nova matriz econômica, solapou a possibilidade de manter a base social do regime; as fontes tradicionais de recursos que drenaram para o grande capital bilhões de reais se esgotaram. E a classe média viu encolher seu poder de compra e os seus sonhos de consumo. Já a base da pirâmide sentiu os efeitos da inflação e do desemprego.

O autoconvencimento petista de que permaneceriam eternamente no poder e que controlavam o Judiciário - portanto, estariam salvaguardados frente aos atos de corrupção - fez com que ampliassem em escala nunca vista o saque do Estado brasileiro. O petrolão é apenas uma das faces do leninismo tropical, modo petista de governar, subornar e destruir os fundamentos do estado democrático de direito. A corrupção tomou o aparelho de Estado. Sem esquecer que socializaram seus beneficiários.

A ação da Justiça foi fundamental para desvelar o projeto criminoso de poder. Não bastou a Ação Penal 470, o processo do mensalão. As suaves condenações do núcleo político estimularam a corrupção. Não custa recordar que recursos do petrolão foram usados para pagar multas de sentenciados no mensalão, como no caso de José Dirceu. Decisivo foi o papel da 13ª Vara Federal do Paraná. A ação coordenada da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do juiz Sérgio Moro apresentou para o país o Brasil petista. As severas condenações determinadas pelo juiz Moro - e referendadas, quase todas elas, na segunda instância, em Porto Alegre - deram o combustível político para o enfraquecimento da legitimidade do bloco que estava no poder desde janeiro de 2003.

Mas não foram suficientes as crises econômica e ética. O governo de então contava com a passividade popular. Com a crítica vazia, estéril, com os rebeldes do sofá. A surpresa veio a 15 de março de 2015, quando as ruas do Brasil foram tomadas por milhões de manifestantes. Era o novo na política. A combinação da forte presença das redes sociais e de uma nova forma de organização de fazer política - longe dos partidos políticos. E as sucessivas mobilizações de rua, rompendo também com o passado - o velho comício, onde o povo não passa de participante passivo -, deram o golpe final em um projeto de poder que parecia invencível.

Apesar de todos estes fatores, analistas insistiam em dar sobrevida ao petismo. Superavaliaram a capacidade de organização do partido e de seus asseclas. Deram aos movimentos sociais, mantidos por verbas públicas, um poder que nunca tiveram. Iriam incendiar o país, inviabilizar as ações oposicionistas e despertar a base social do lulismo, os mais pobres. Nada disso aconteceu. As mobilizações foram pífias. Sem as benesses estatais, nada são. E as centrais sindicais que falaram até em greve geral? O afastamento definitivo de Dilma Rousseff vai ocorrer em clima de absoluta tranquilidade. O país não aguenta mais o PT, sua forma de governar, de fazer política. Seus líderes viraram motivo de piadas. Lula, hoje, não passa de uma figura caricata. Sua maior preocupação é escapar da prisão. O PT apresenta claros sinais de divisão, que, tudo indica, deve ocorrer após as eleições de outubro. Isto se o partido não tiver cassado seu registro, pois violou inúmeras vezes a Lei 9096/95.

O julgamento de Dilma, de acordo com a Constituição, vai ocorrer sob a presidência do presidente do STF. É de conhecimento público que Ricardo Lewandowski não chegou à Suprema Corte pelos seus dotes jurídicos. Foi escolhido por razões paroquiais, de São Bernardo do Campo, onde começou sua carreira política. Se Rui Barbosa foi chamado de Águia de Haia, Lewandowski pode ser considerado o ministro da rota do frango com polenta - região de restaurantes daquela cidade onde se saboreia tal iguaria. E, suprema ironia da História, será ele que vai presidir o impeachment. Mais ainda, vai presidir o sepultamento político do seu amigo Luiz Inácio Lula da Silva.

Marco Antonio Villa é historiador

Hegemonía Cultural

"Hegemonia cultural significa que, aconteça o que acontecer, os mesmos "scripts" inculcados na mente popular pela ideologia dominante voltarão sempre e sempre, nas bocas mais diversas e imprevistas, como explicações óbvias e inquestionáveis de tudo. 


A dupla Dilma-Pezão criou a desgraça das Olimpíadas, apelando até ao recurso stalinista de remover populações inteiras do lugar, erguendo um muro e mudando trajetos para tornar a pobreza invisível aos turistas (exatamente como Stalin fazia na URSS), mas qualquer "especialista", entrevistado a respeito, culpará sempre e invariavelmente "os interesses econômicos", isto é, o maldito capitalismo (sem ter em conta, é claro, que os capitalistas envolvidos não são senão "office-boys" bem pagos da elite esquerdista, e jamais combatentes genuínos pelo liberal-capitalismo). 



Quando uma facção esquerdista assume o poder, ela sempre deixa uma fração minoritária fora para lançar sobre o capitalismo a culpa de toda a merda que ela faça. Não falha nunca, porque a hegemonia cultural garante, de antemão, a credibilidade automática do discurso, com a vantagem extra de iludir a direita, toda assanhadinha com os novos aliados que imagina ter conquistado na esquerda. 


TODA luta política é inútil, de uma inutilidade deprimente e patética, se não se vence a luta cultural primeiro. 


Pressa e superficialidade só levam à morte, e mais depressa ainda quando vêm com lindos pretextos morais e patrióticos."

Olavo de Carvalho

O lado moral do capitalismo

Terça-feira, agosto 09, 2016



 JOÃO LUIZ MAUAD

O GLOBO - 09/08


No livre mercado, indivíduos só são recompensados quando satisfazem as demandas dos outros, ainda que isso seja feito exclusivamente visando aos próprios interesses


Notícias e imagens incrivelmente chocantes nos têm chegado da Venezuela ultimamente. São centenas de milhares de cidadãos atravessando fronteiras de países vizinhos em busca de alimentos e gêneros de primeira necessidade. Gente morrendo em hospitais por falta de medicamentos básicos, como antibióticos. Pessoas revirando lixo, como ratos, atrás de restos de comida, enquanto os índices de violência crescem de forma assustadora. Tudo isso em meio a uma onda de repressão cada vez mais violenta e de medidas econômicas totalmente absurdas.

Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento histórico e econômico sabe que a atual situação da Venezuela é o resultado previsível do mau funcionamento das instituições capitalistas. A carestia decorre basicamente do descontrole da emissão de moeda e do aumento crescente dos gastos públicos, enquanto a escassez de produtos resulta do congelamento de preços e lucros, medida tão populista quanto estúpida contra a inflação causada pelo próprio governo. O festival de horrores se fecha com o crescente desrespeito do Estado pela propriedade e pelos contratos privados.

É lamentável que, em pleno século XXI, ainda sejamos testemunhas de episódios como esse, na Venezuela, onde milhões de pessoas foram levadas a acreditar numa quimera socialista já testada e reprovada inúmeras vezes através dos tempos. Infelizmente, por trás desse engodo está a má reputação do capitalismo, nem tanto em relação aos seus aspectos econômicos, mas especialmente morais.

Muito embora nem os mais empedernidos marxistas neguem que o advento do capitalismo possibilitou uma prosperidade material constante e crescente, tirando da miséria milhões de pessoas nos quatro cantos da Terra, muitos ainda continuam desconfiados do sistema e prontos a culpá-lo pela maioria dos problemas sociais, reféns que são de clichês como “um outro mundo é possível” ou “de cada um conforme a sua capacidade, para cada um conforme a sua necessidade”.

Do outro lado, há muito pouca gente interessada em demonstrar as vantagens e, principalmente, o lado moral e ético do capitalismo. Poucos se dão conta, por exemplo, de que, no livre mercado, os indivíduos só são recompensados quando satisfazem as demandas dos outros, ainda que isso seja feito exclusivamente visando aos próprios interesses. Ao contrário de outros modelos, o capitalismo não pretende extinguir o egoísmo inerente à condição humana, porém nos obriga constantemente a pensar na satisfação do próximo, se quisermos prosperar. Além disso, para obter sucesso em grande escala, você tem de produzir algo que agrade e seja acessível a muitas pessoas, inclusive aos mais pobres, e não apenas aos mais abastados.




E as desigualdades? Bem, elas estão presentes em todos os sistemas econômicos até hoje testados. As pessoas com as melhores ideias, as mentes mais criativas e mais energia para o trabalho tenderão a alcançar o topo, tanto no capitalismo como numa burocracia socialista. 




A diferença é que, no sistema capitalista, as ditas elites têm menos poder e influência do que as elites políticas num sistema predominantemente estatal. Mesmo numa democracia, só as autoridades eleitas têm, por exemplo, o poder de retirar, através de pesadas taxações, porções cada vez maiores de nossa renda, ainda que contra a nossa vontade, algo impensável até mesmo aos maiores empresários.


Já no capitalismo, as transações são sempre voluntárias. Vale dizer, dentro da lei, a única forma de eu conseguir colocar a mão no seu dinheiro é oferecendo-lhe algo que você valorize mais do que esse dinheiro. Não por acaso, quando um cliente entra numa loja, a primeira coisa que ouve do vendedor é: “Em que posso ajudá-lo?”. E a última coisa que ambos dizem, depois de uma compra, é um duplo “obrigado!”. Um sinal inequívoco de que aquela transação foi vantajosa para ambos. Isso vale para qualquer negócio ou contrato, desde a compra de um picolé à aquisição de uma grande indústria.

Ademais, um modelo que privilegia a liberdade e a persuasão não pode ser mais imoral ou injusto que um cuja ênfase está na coação e no uso da força.

João Luiz Mauad é administrador e diretor do Instituto Liberal