Não sendo nem uma
religião nem uma ideologia, o conjunto de opiniões designado por
conservadorismo, não possui nenhuma “escritura sagrada” e nenhum “O
Capital” para fornecer um dogma. Por mais que se possa estabelecer em
que os conservadores acreditam, os princípios primordiais do
convencimento conservador foram derivados a partir do que escritores
renomados e homens públicos conservadores professaram durante os dois
séculos passados. Após algumas observações introdutórias neste tema
geral, eu listarei dez destes princípios conservadores.
Talvez seja mais apropriado, na maior
parte das vezes, usarmos a palavra “conservador” como um adjetivo. Isto
porque não existe nenhum “Modelo Conservador”, e o conservadorismo é a
negação da ideologia: é um estado da mente, um tipo de caráter, uma
maneira de olhar a ordem social civil.
A atitude que nós chamamos de
“conservadorismo” é mantida por um conjunto de sentimentos ao invés de
um sistema de dogmas ideológico. É quase completamente verdadeiro que um
conservador pode ser definido como uma pessoa que se pensa como tal. O
movimento ou o conjunto de opiniões conservadoras pode acomodar uma
diversidade considerável de pontos de vista em muitos temas, não havendo
nenhum “Test Act” ou “Thirty-Nine Articles” do credo conservador.
Em essência, o conservador é
simplesmente alguém que considera as coisas permanentes mais agradáveis
do que o “Chaos” e a “Old Night”. (Contudo os conservadores sabem, com
Burke, que saudáveis “mudanças são os meios de nossa preservação.”) Uma
experiência de continuidade histórica das pessoas, diz o conservador,
oferece uma guia para a política muito melhor do que os projetos
abstratos de filósofos de botequim. Mas naturalmente há mais a motivar o
conservador do que esta atitude geral.
Não é possível redigir um catálogo
completo das convicções conservadoras; não obstante, eu ofereço-lhe,
resumidamente, dez princípios gerais. Parece seguro dizer que a maioria
dos conservadores subscreveria a maior parte destas máximas. Em várias
edições de meu livro The Conservative Mind, eu listei determinados
cânones do pensamento conservador — a lista difere um tanto de edição em
edição; na minha antologia The Portable Conservative Reader eu ofereço
variações sobre este tema.
Agora eu lhes apresento um sumário das
suposições conservadoras que diferem um tanto de meus cânones destes
dois livros. Específicamente, a diversidade de maneiras em que as visões
conservadoras podem encontrar expressão é por si só uma prova de que o
conservadorismo não é nenhuma ideologia fixa. Que princípios
particulares os conservadores enfatizam em uma época específica,
variarão com as circunstâncias e as necessidades dessa era. Os seguintes
dez artigos de crença refletem as ênfases dos conservadores na América
de hoje em dia.
Primeiramente, o conservador acredita
que existe uma ordem moral duradoura. Que a ordem está feita para o
homem, e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante, e
as verdades morais são permanentes.
A palavra ordem significa harmonia. Há
dois aspectos ou tipos de ordem: a ordem interna da alma, e a ordem
exterior da comunidade. Há vinte e cinco séculos, Platão ensinou esta
doutrina, mas mesmo os letrados de hoje em dia encontram dificuldades em
compreender. O problema da ordem tem sido uma preocupação central dos
conservadores desde que o termo conservador passou a fazer parte da
política.
Nosso mundo do século vinte experimentou
as conseqüências hediondas do colapso da crença em uma ordem moral.
Como as atrocidades e os desastres da Grécia no quinto século antes de
Cristo, a ruína de grandes nações em nosso século mostra-nos o poço em
que caem as sociedades que se enredam em ardilosos interesses próprios,
ou engenhosos controles sociais, como alternativas mais palatáveis a uma
antiquada ordem moral.
Foi dito pelos intelectuais de esquerda
(“liberals”) que o conservador acredita, com o coração, que todas as
questões sociais são questões da moralidade privada. Compreendida
corretamente, esta indicação é bastante verdadeira. Uma sociedade em que
os homens e as mulheres são governados pela opinião em uma ordem moral
perene, por um sentido forte de certo e errado, por convicções pessoais
sobre a justiça e a honra, será uma boa sociedade — não importa a
maquinaria política que utilize; quando uma sociedade em que os homens e
as mulheres estão moralmente a deriva, ignorantes das normas, e movidos
primariamente pela satisfação dos apetites, será uma má sociedade — não
importando quantas pessoas votem ou quão liberal seja sua constituição.
Segundo, o conservador adere ao costume,
à convenção, e à continuidade. São os princípios antigos que permitem
que as pessoas vivam juntas pacificamente. Os demolidores dos costumes
destroem mais do que sabem ou desejam. É através da convenção, palavra
tão abusada nos nossos tempos, que conseguimos evitar disputas perpétuas
sobre direitos e deveres: as leis, em sua essência, são um conjunto de
convenções.
Continuidade é o agregado dos meios de se ligar uma geração à
outra, e ela importa tanto para a sociedade quanto para o indivíduo.
Sem ela, a vida é sem sentido. Quando revolucionários bem sucedidos
apagaram velhos costumes, ridicularizaram antigas convenções e quebraram
a continuidade das instituições sociais, neste mesmo instante
descobriram a necessidade de repô-los por novos, mas este processo é
lento e penoso, e a nova ordem social que eventualmente emerge nestas
circunstâncias pode ser muito inferior à velha ordem que os radicais
superaram em sua ardorosa busca pelo “Paraíso Terreno”.
Conservadores são campeões dos costumes,
convenção e continuidade, porque eles preferem o diabo que conhecem do
que áquele que não. Ordem, justiça e liberdade, eles acreditam, são
produtos artificiais de uma longa experiência social, o resultado de
séculos de tentativas, reflexão e sacrifício. Desta forma, o corpo
social é um tipo de corporação espiritual, comparável à Igreja, podendo
mesmo ser chamada de comunidade de almas. A sociedade humana não é
nenhuma máquina para ser tratada mecanicamente. A continuidade, o sangue
da vida de uma sociedade, não pode ser interrompida. O lembrete de
Burke sobre a necessidade de mudanças prudentes está nas mentes dos
conservadores. Mas a mudança necessária, argumentam os conservadores,
deve ser gradual e discriminatória, nunca removendo antigos interesses
de uma vez.
Terceiro, os conservadores acreditam no
que pode ser chamado o princípio da prescrição. Conservadores percebem
que as pessoas modernas são anãs sobre os ombros de gigantes, capazes de
ver mais longe que seus ancestrais apenas por conta da grande estatura
daqueles que os precederam no tempo. Portanto, os conservadores
freqüentemente enfatizam a importância da prescrição, isto é, das coisas
estabelecidas pelo uso desde tempos imemoriais, de modo que a mente
humana não busca os seus contrários. Existem direitos cuja principal
sanção é sua antiguidade, estando os direitos de propriedade,
freqüentemente, aí incluídos.
Da mesma forma, nossa moralidade é em
grande parte prescritiva. Os conservadores argumentam ser bastante
improvável que nós, os modernos, façamos alguma brava descoberta nos
campos da moralidade, política ou gosto. É perigoso ter de ponderar cada
problema com base no julgamento e na racionalidade pessoal. O indivíduo
é tolo, mas a espécie é sábia, nos ensina Burke. Em política fazemos
bem em seguir por precedência, preceito e mesmo pré-julgamento, pois a
humanidade adquiriu uma sabedoria muito maior do que qualquer
racionalidade de um único homem.
Quarto, os conservadores são guiados por
seu princípio da prudência. Burke concorda com Platão que para o
estadista, a prudência é a maior dentre as virtudes. Qualquer medida
pública deve ser avaliada por suas prováveis conseqüências de longo
prazo, e não meramente por alguma vantagem ou popularidade temporárias.
Os liberais e os radicais, diz o conservador, são imprudentes: perseguem
seus objetivos sem dar muita atenção ao risco de que novos abusos sejam
piores do que os males que esperam eliminar. Como John Randolph de
Roanoke bem colocou, a providência move-se lentamente, mas o diabo
sempre se apressa. Sendo complexa a sociedade humana, os remédios não
podem ser simples se devem ser eficazes. O conservador afirma que age
somente após suficiente reflexão, pesando as conseqüências. Reformas,
assim como as cirurgias, são perigosas quando repentinas e profundas.
Quinto, os conservadores prestam atenção
ao princípio da diversidade. Eles sentem afeição pela intrincada
proliferação de instituições sociais e de modos de vida estabelecidos de
longa data, a destingüi-las da uniformidade reducionista e do
igualitarismo dos sistemas radicais. Para a preservação de uma saudável
diversidade em qualquer civilização, nela devem sobrevir ordens e
classes, diferenças em condições materiais e diversos modos de
desigualdade.
As únicas formas verdadeiras de igualdade são aquelas do
Julgamento Final e aquelas perante um justo tribunal da lei; todas as
demais tentativas de nivelamento irão conduzir, na melhor das hipóteses,
à estagnação social. A sociedade requer liderança honesta e capaz; e se
as diferenças naturais e institutionais forem destruídas, nesta mesma
hora algum tirano ou um desprezível representante de oligarcas criará
novas formas de desigualdade.
Sexto, os conservadores se purificam por
seu princípio da imperfeição (“imperfectability”). A natureza humana
sofre irremediavelmente de determinadas falhas graves, o sabem os
conservadores. Em sendo o homem imperfeito, nenhuma ordem social
perfeita pode ser criada. Por conta de seu desassossego, a humanidade se
rebelaria sob qualquer dominação utópica, e iria, mais uma vez, eclodir
em violento descontentamento — ou então iria exaurir-se em tédio.
Perseguir uma utopia é terminar em desastre, diz o conservador: nós não
fomos feitos para coisas perfeitas.
Tudo que podemos razoavelmente
esperar é uma sociedade toleravelmente ordenada, justa, e livre, na qual
alguns males, desajustamentos e sofrimentos estarão sempre presentes.
Por intermédio de reformas prudentes podemos preservar e melhorar esta
ordem tolerável. Mas se as antigas salvaguardas institucionais e morais
de uma nação forem negligenciadas, então o impulso anárquico da
humanidade será liberado de suas amarras: “a cerimônia da inocência
estará perdida.” As ideologias que prometem a perfeição do homem e da
sociedade converteram uma grande parte do mundo do século vinte em um
inferno terrestre.
Sétimo, conservadores estão convencidos
de que a liberdade e a propriedade são intimamente relacionadas. Separe a
propriedade da possessão privada e o Leviatã se transformará no mestre
de todos. Por sobre as fundações da propriedade privada são erigidas
grandes civilizações. Quanto mais difundida for a posse da propriedade
privada, mais estável e produtiva será uma comunidade. Nivelamento
econômico, crêem os conservadores, não é sinônimo de progresso
econômico. Acumular e gastar não são os principais objetivos da
existência humana; mas uma base econômica sadia para o indivíduo, a
família e a comunidade deve ser almejada.
Henry Maine, em sua “Village
Communities”, expõe eloquentemente a causa da propriedade privada em
distinção à propriedade comunal: “Ninguém tem a liberdade de atacar as
diversas formas de propriedade privada e, ao mesmo tempo, dizer que
valoriza a civilização.
A história de ambas não pode ser
desentrelaçada.” A instituição da propriedade privada tem sido um
instrumento poderoso para ensinar responsabilidade a homens e mulheres,
para prover motivos para a integridade, para suportar a cultura geral,
para levantar a humanidade acima do nível do mero penoso laborar, por
permitir o ócio para o pensar e a liberdade para agir.
Para poder reter
os frutos do trabalho do indivíduo e torná-los permanentes; para poder
legar a propriedade de alguém à sua posteridade; para poder erguer-se da
condição natural de opressiva pobreza à segurança da realização
duradoura; para ter algo que realmente pertença a si mesmo — estas são
vantagens difíceis de negar.
O conservador reconhece que a posse da
propriedade impõe certos deveres ao proprietário e aceita estas
obrigações morais e legais alegremente.
Oitavo, conservadores suportam ações
comunitárias voluntárias, tanto quanto se opõem ao coletivismo
involuntário. Embora os americanos têm sido fortemente atrelados à
privacidade e aos direitos privados, também são um povo notável pelo
espírito bem sucedido de comunidade.
Em uma comunidade genuína, as
decisões que afetam mais diretamente à vida dos cidadãos são feitas
localmente e voluntariamente. Algumas destas funções são realizadas por
instituições políticas locais, outras por associações privadas: desde
que permaneçam locais e sejam acordadas por aqueles afetados, elas
constituirão uma comunidade saudável.
Mas quando estas funções passam,
“naturalmente” ou por usurpação, à autoridade central, a comunidade
estará em sério perigo. O que quer que seja benéfico e prudente na
democracia moderna é feito a partir da vontade cooperativa. Se, então,
em nome de uma Democracia abstrata, as funções da comunidade são
transferidas a uma direção política distante — por que o governo real
exercido pelo consentimento dos governados dá vez a um processo
uniformizante que é hostil à liberdade e à dignidade humana.
Pois nenhuma nação é mais forte do que
as pequenas e numerosas comunidades de que é composta. Uma administração
central, ou um conjunto de seletos administradores e servidores civis,
embora bem intencionados, não podem conceder justiça, prosperidade e
tranquilidade a uma massa de homens e mulheres desprovidos de suas
antigas responsabilidades.
Essa experiência foi feita antes; e foi
desastrosa. É o exercício de nossos deveres na comunidade que nos ensina
a prudência, a eficiência e a caridade.
Nono, o conservador percebe a
necessidade de prudentes restrições ao poder e às paixões humanas.
Politicamente falando, o poder é a habilidade de realizar a vontade de
um não obstante a vontade dos demais.
Um estado onde um indivíduo ou
pequeno grupo seja capaz de dominar a vontade de seus concidadãos sem
qualquer supervisão, será despótico, seja denominado monárquico,
aristocrático ou democrático. Quando cada pessoa reivindica ser um poder
para si mesmo, então a sociedade cai em anarquia. A anarquia nunca dura
por muito tempo, sendo intolerável para todos, e contrário ao
inelutável fato de que algumas pessoas são mais fortes e mais
inteligentes do que seus vizinhos. À anarquia sucede a tirania ou a
oligarquia, em que o poder é monopolizado por uns poucos.
O conservador esforça-se para de tal
forma limitar e balancear o poder político que a anarquia ou a tirania
não possam surgir. Em cada era, não obstante, homens e mulheres são
tentados a superar as limitações sobre o poder, por conta de alguma
vantagem provisória almejada.
É característico do radical pensar o poder
como uma força para o bem — tão logo o poder caia em suas mãos. Em nome
da liberdade, os revolucionários franceses e russos aboliram as antigas
restrições ao poder; mas o poder não pode ser abolido; encontra sempre
seu caminho para as mãos de alguém. Esse poder que os revolucionários
tinham pensado ser opressivo nas mãos do antigo regime transformou-se,
muitas vezes, tão tirânico quanto o anterior nas mãos dos novos mestres
radicais do estado.
Sabendo ser a natureza humana uma
mistura de bem e de mal, o conservador não deposita sua confiança na
mera benevolência. Limitações constitucionais, verificações e
contrapesos políticos, o cumprimento adequado das leis, a antiga e
intricada teia das restrições por sobre a vontade e os apetites — isto é
o que o conservador aprova como instrumentos da liberdade e da ordem.
Um governo justo mantém uma tensão saudável entre as reivindicações da
autoridade e as reivindicações da liberdade.
Décimo, o pensador conservador
compreende que essas permanências e mudanças devam ser reconhecidas e
reconciliadas em uma sociedade vigorosa. O conservador não é oposto à
melhoria social, embora duvide que haja algo como uma força geradora de
algum Progresso místico, com “P” maiúsculo, operando no mundo. Quando
uma sociedade está progredindo em alguns aspectos, geralmente está
declinando em outros.
O conservador sabe que toda sociedade saudável é
influenciada por duas forças, que Samuel Taylor Coleridge chamou de sua
Permanência e sua Progressão. A Permanência de uma sociedade é formada
por aqueles interesses e convicções perenes que nos dão a estabilidade e
a continuidade; sem essa Permanência, as origens profundas da sociedade
são desfeitas, que cai em anarquia.
A Progressão em uma sociedade é
esse espírito e esse conjunto de talentos que nos incitam à reforma e à
melhoria prudentes; sem essa Progressão, um povo irá estagnar.
Conseqüentemente o conservador
inteligente esforça-se para reconciliar as demandas da Permanência e as
da Progressão. Pensa que o liberal e o radical, cegos às justas
reivindicações da Permanência, poriam em perigo a herança nos legada, em
um esforço para apressar-nos em algum duvidoso Paraíso Terrestre. O
conservador, resumidamente, favorece o progresso racionalizado e
moderado; é oposto ao culto do progresso, cujos adeptos acreditam que
tudo que é novo é necessariamente superior a tudo que é velho.
A mudança é essencial ao corpo social,
raciocina o conservador, apenas porque é essencial ao corpo humano. Um
corpo que cessasse de se renovar começaria a morrer. Mas se esse corpo
deve ser vigoroso, a mudança deve ocorrer de forma regular,
harmonizando-se com a forma e a natureza desse corpo; se não a mudança
produz um crescimento monstruoso, um câncer, que devora seu anfitrião.
O
conservador crê que nada em uma sociedade deva ser sempre completamente
antigo, e que nada deva ser sempre completamente novo. Estes são os
meios de conservação de uma nação, pois que são os meios da conservação
de um organismo vivo. Apenas o quanto de mudança uma sociedade requer, e
que sorte de mudança, depende das circunstâncias de uma era e de cada
nação.
Tais são então os dez princípios que têm
aparecido freqüentemente ao longo destes dois séculos do pensamento
conservador moderno. Outros princípios de igual importância poderiam ter
sido discutidos aqui: a compreensão conservadora da justiça, ou a visão
conservadora da educação. Mas tais assuntos, com o tempo a se esgotar,
eu devo deixar a sua própria investigação.
O grande divisor de águas na política
moderna, Eric Voegelin costumava apontar, não é a divisão entre liberais
de um lado e totalitários do outro. Não, em um lado dessa linha estão
todos aqueles homens e mulheres que acreditam que a ordem temporal é a
única ordem, e que as necessidades materiais são suas únicas
necessidades, e que podem fazer o que quiserem com o patrimônio humano.
No outro lado dessa linha estão todos aqueles povos que reconhecem uma
ordem moral perene no universo, em uma natureza humana constante, e em
elevados deveres para a ordem espiritual e a ordem temporal.
Adaptado da Política da Prudência (ISI
Livro, 1993). Copyright © 1993 por Russell Kirk. Usado com permissão do
espólio de Russell Kirk.