Restaurante frequentado por Ulysses não resiste aos novos tempos das negociatas políticas
Leonencio Nossa / BRASÍLIA,
O Estado de S.Paulo
04 Setembro 2016 | 05h00
Local de conchavos e bastidores políticos, o restaurante
Piantella, na quadra comercial 202 Sul, fechou suas portas na semana
passada após não resistir ao tempo de câmeras indiscretas de celulares,
mensagens “criptografadas” do WhatsApp e negociatas elaboradas por
renomados escritórios de lobby.
A tradição de um dos espaços de poder mais conhecidos de Brasília
começou há quatro décadas com as negociações do senador Nelson Carneiro
(MDB-RJ) para liberar o divórcio, ganhou forma com as conversas de
Ulysses Guimarães (MDB e PMDB-SP) para a abertura política, se adaptou
ao ecumenismo da esquerda e da direita no tempo do deputado Luiz Eduardo
Magalhães (PFL-BA) até chegar, mais recentemente, aos discursos com
choros e metáforas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foto: DIVULGACAO
O Piantella sempre teve como marca o ambiente fechado,
aconchegante, onde tesoureiros, de Paulo César Farias a Delúbio Soares,
acenderam seus charutos.
Mas quando PC Farias, no tempo do governo
Fernando Collor, começou a aparecer por lá, o estabelecimento se
preparava para a fase derradeira. Antigos frequentadores costumam dizer
que é impossível imaginar Ulysses, o político que presidiu ao mesmo
tempo o PMDB, a Constituinte e a Câmara, negociar na sua mesa cativa no
Piantella pequenos cargos ou fazer negociatas envolvendo estatais.
Lobistas no máximo davam “boa noite” ao “velho”. Quando um deles sentava
à mesa, as pessoas saíam. Jornalistas não pediam informação, mas apenas
ajuda para elaborar “raciocínios”, sem gravadores. Era um lugar de
bastidores que precediam ações políticas. Ali não se fechavam acordos,
se discutiam rumos.
Parlamentares e ministros influentes do PT mantiveram a tradição
do poder de frequentar o Piantella até o escândalo do mensalão, quando
se retraíram. Com os celulares com câmeras, as gorjetas expressivas
deixaram ser dadas pelos frequentadores, cada vez mais preocupados em
evitar a ostentação. Sem extras, os garçons começaram a se preocupar
mais com o salário na carteira e reclamar direitos.
Terceira onda. O restaurante tinha o estilo de seu dono, o
mineiro Marco Aurélio Costa, de 65 anos. O Piantella sentiu o impacto
dos novos tempos. A política de raiz mineira foi substituída por
negociações que já chegam prontas a Brasília e as conversas regadas a
uísque foram trocadas por mensagens escritas no celular.
“O doutor
Ulysses, um pai para mim, dizia que as conversas são melhores numa mesa
de restaurante, depois da segunda dose de uísque”, diz Costa. “Conversas
na casa ou no escritório de quem convida ou é convidado sempre são
constrangedoras”, completa. “Hoje, homens e mulheres vão para o
restaurante, mas querem conversar pelo zap”, lamenta o mineiro.
Ele lembra que Ulysses mandou preparar picadinho à brasileira
para Miguel Arraes na volta do político pernambucano do exílio. Nas
mesas com cadeiras estofadas e no bar do Piantella foram discutidas a
anistia, a anticandidatura de Ulysses, as diretas e a sistematização da
Constituinte.
Poire. Ao ser diplomado presidente em dezembro de 2002,
Lula foi almoçar no restaurante com petistas e Nelson Jobim, então
presidente do Tribunal Superior Eleitoral. “Se eu ganhei a eleição é
porque a coisa é honesta. O sistema é limpo”, disse Lula, numa homenagem
a Jobim, um dos nomes influentes dos bastidores do PMDB e depois do
PSDB. Emocionado, afirmou que o Brasil ganhava um presidente “chorão”.
Na ocasião, Lula pediu uma taça de poire, a aguardente de pêra
que Ulysses costumava pedir, que virou uma espécie de símbolo de quem
conquistava poder. Era a celebração do início de uma aliança do PT
primeiro com siglas como o PL, de Valdemar Costa, e o PTB, de Roberto
Jefferson, e depois com o PMDB de Michel Temer, Renan Calheiros e Geddel
Vieira Lima.
Foto: DIDA SAMPAIO | AE
Cadeira cativa. O restaurante foi aberto com o nome
Tarantella, marca perdida por Costa em uma disputa judicial. Era na
época apenas o restaurante preferido do oposicionista MDB. O poder
mesmo, exercido pelos generais, à direita, frequentava o Gaf, no centro
comercial Gilberto Salomão, no Lago Sul. Com a redemocratização, o
Piantella passou a disputar o posto de restaurante dos influentes com o
Florentino, aberto naqueles dias. Mas Ulysses escolheu o estabelecimento
de Costa para comemorar, em 1985, a primeira interinidade na
Presidência.
Depois da morte de Ulysses, em 1992, o Piantella manteve a
cadeira cativa do parlamentar na área superior do mezanino. O
restaurante passou, então, a ser conhecido pela assiduidade do deputado
Luiz Eduardo Magalhães (PFL), que ali negociou a entrega da cadeira de
presidente da Câmara para Michel Temer (PMDB), dos petistas José
Genoino, Paulo Delgado e José Dirceu e do pedetista Miro Teixeira. No
restaurante, Temer comemorava conquistas de espaços no governo Fernando
Henrique. Dirceu, Marta Suplicy e Duda Mendonça brindaram a chegada do
PT ao poder.
Dívidas. As dívidas se acumularam. Em 2014, com a moeda
desvalorizada, Costa vendeu por R$ 1 sua participação no restaurante
para o advogado Antonio Carlos de Almeida, o Kakay, que já tinha 50%.
Kakay e a mulher Valéria Vieira fizeram uma reforma que descaracterizou o
local. Não era mais o Piantella aconchegante, o gueto dos poderosos.
Em
mensagem enviada na semana passada a amigos, Kakay afirmou que não era
mais possível manter o Piantella, que sofria com a concorrência de
outros restaurantes, como o Trattoria da Rosario, no Lago Sul, o Gero,
no Lago Norte, e o Piantas, também do advogado, na 403 Sul.
No período democrático, Collor e Dilma foram os únicos
presidentes que, no exercício do cargo, evitaram conversas políticas,
muito sabiamente, sob os ouvidos de jornalistas e assessores.
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