segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Outra forma de escravidão

Outra forma de escravidão

Senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

Em uma entrevista publicada em outubro de 2012, o jogador brasileiro de futebol Raí falou com satisfação que, durante o tempo em que jogou no Paris Saint Germain, na França, a filha dele frequentava a mesma escola de altíssima qualidade que a filha da empregada. Naquela ocasião, Raí se perguntou se não seria possível, aqui também, o filho do trabalhador estudar na mesma escola que o filho do patrão. E mais: o que devemos fazer para que essa se torne a realidade no nosso país, como ocorre na França e em outros lugares do mundo em que a economia cresce com plena estabilidade social? Por que ainda não fomos capazes de fazer isso?


O futuro de cada país decorre da formação de seus cidadãos, da capacidade de usar o potencial de seus cérebros. No Brasil, não haverá futuro se continuarmos a desprezar a formação intelectual de nossas crianças até a idade adulta. Não é difícil supor o que pode acontecer: mais uma vez ficaremos para trás entre os maiores países, como ocorreu há alguns séculos, quando insistimos no absurdo da escravidão, mantendo a desigualdade e impedindo o país de usar o potencial do trabalho livre de cada brasileiro por mais de trezentos e cinquenta anos.


Dos mais de 3 milhões de brasileiros que nasceram em 1995, todos agora com 22 anos, no máximo mil estão caminhando para se tornarem bons cientistas, filósofos, escritores, em nível internacional. E desses, uma boa parte está emigrando para desenvolver a ciência e a tecnologia em outros países.


Sem educação de qualidade para todos, não teremos o futuro de produtividade na economia que permita a necessária riqueza para sair da pobreza nem o potencial de inovação capaz de dar ao Brasil a competitividade necessária para enfrentar a globalização. Sem educação com a mesma qualidade para todos, desperdiçaremos cérebros e mantendo a vergonha da desigualdade social que nos caracteriza, desde os tempos da escravidão, pela cor da pele, e agora a escravidão pela ausência de educação.


Para fazer a educação ser de alta qualidade e igual para todos, basta uma carreira nacional do magistério suficientemente bem remunerada para atrair os melhores jovens para esse trabalho, exigindo deles dedicação exclusiva e avaliação de desempenho. 

Esses professores e seus alunos devem dispor de escolas com belos e confortáveis prédios, os mais novos equipamentos culturais, esportivos e tecnológicos, com horário integral em todas elas. É possível que isso ocorra aqui tanto quanto foi possível na França, tal como Raí foi testemunha.


O Brasil está amarrado na falta de educação para todos e isso decorre da falta de indignação com nosso atraso educacional em relação a outros países e com a desigualdade na oferta de vagas às nossas crianças, conforme a renda de suas famílias. Ainda não nos desamarramos porque não valorizamos o conhecimento. Preferimos a produção e a renda, sem percebermos que a verdadeira riqueza depende do conhecimento. Não olhamos para frente, em sintonia com o “espírito do tempo” — demoramos a fazer a abolição da escravatura e agora demoramos a entender que negar a educação é a forma de escravizar quem não a recebe e de atrasar toda a nação, que sofre as consequências por não aplicar o conhecimento.


Por isso, mantivemos a escravidão por quase 70 anos, depois da independência, e estamos há mais de 100, desde a República, sem fazermos o que precisamos para ter uma educação boa para todos, como Raí viu na França.
 

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