Tudo a ver: crimes da mineração e usinas nucleares, artigo de Heitor Scalambrini Costa

[EcoDebate]
A cada nova tragédia humana, ambiental e econômica em nosso país,
vivenciamos a vulnerabilidade da população mais pobre, da população
nativa e tradicional, diante da força e da crueldade do capitalismo, da
ganância do setor privado, enaltecidos por alguns como a “salvador da
pátria”. A este, recai toda responsabilidade dos últimos acontecimentos,
e que poderiam ser evitados, em que centenas de pessoas perderam suas
vidas. E o meio ambiente totalmente devastado e contaminado por dezenas
de anos.
Obviamente não se pode omitir a responsabilidade dos políticos,
prefeitos, governadores, ministros, juízes, desembargadores, técnicos
de órgãos ambientais, analistas, investidores, burocratas, que
contribuíram para a matança verificada em Minas Gerais.
Me refiro ao crime que atingiu o
município de Brumadinho, localizado a menos de 60 km de Belo Horizonte.
Lembrando que há mais de três anos, no dia 5 de novembro de 2015, o rompimento
da barragem do Fundão, da mineradora Samarco (controlada através de uma joint-venture entre
a Vale S.A. e a anglo-australiana BHP
Billiton), deixou 19 mortos e causou uma enxurrada de lama que inundou
várias casas e contaminou o Rio Doce, no distrito de Bento Rodrigues,
do município de Mariana.
Agora
se repete um crime semelhante ao que a empresa Vale cometeu em Mariana,
com o rompimento da Barragem 1 da mina do córrego do Feijão, no
município de Brumadinho. Esta barragem, cuja construção foi iniciada em
1976, tinha 86 metros de altura e 720 metros de comprimento, com volume
estocado de rejeitos da mineração de ferro de 11,7 milhões de metros
cúbico. Mais de 300 desaparecidos, que com o tempo a grande maioria
serão, lamentavelmente, declarados como mortos, devido ao tamanho
devastador do evento. Muitos deles funcionários da própria empresa e
terceirizados.
Riscos
de ocorrer acidentes sempre existem em obras de engenharia, e não devem
ser menosprezados para que tragédia como esta aconteçam. Dai o enorme
acervo tecnológico disponível para minimizar a ocorrência de riscos de
acidentes. Mas que pela cobiça pelo lucro fácil, negligência, certeza da
impunidade não foram utilizados pela empresa. A mineração, sem dúvida,
constitui em uma das atividades cujos desastres quando acontecem, tem
uma capacidade extraordinária de destruição da vida.
Outra
atividade danosa é o uso da energia nuclear para fins de produção de
energia elétrica, de força motriz de submarinos, e de uso bélico.
Principalmente, pelo fato de que não precisamos desta fonte de energia
para garantir a segurança energética, e nem para o desenvolvimento
sustentável que tanto almejamos.
Esta
comparação hoje é necessária diante da discussão do uso da energia
nuclear no Brasil, e diante de seu potencial destrutivo com a liberação
de resíduos radioativos. Os pronunciamentos e ações dos responsáveis
pela politica energética, tanto o presidente da república, quanto o seu
ministro de minas e energia, são, no mínimo, preocupantes. Estas
autoridades têm declarado que o país não pode prescindir da
nucleoeletricidade para diversificar sua matriz energética, e garantir
energia elétrica ao país; e que a construção e a ampliação do parque de
usinas nucleares será prioritário no atual governo.
Hoje
2 usinas nucleares funcionam, ambas na praia de Itaorna, município de
Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Uma terceira, também em Angra, contratada
em 1983, parou as obras poucos anos depois, reiniciada em 2010, e
novamente interrompida em 2016, por dificuldades financeiras e pela
corrupção, Angra 3, é prometida para ter suas obras reiniciadas . Além do plano de construir entre quatro e oito novas usinas nucleares no país sendo (4 usinas no nordeste e 4 no sudeste), previstas no planejamento energético nacional para os próximos anos.
Movimentos
sociais, cientistas, sindicatos, igrejas, personalidades públicas,
especialistas têm denunciado os fatores de risco, e mesmo o perigo
eminente que esta decisão significa, particularmente no caso das usinas
nucleares do Nordeste, que seriam instaladas a beira do Rio São
Francisco, que atende mais de 500 municípios nordestinos.
A
definição do atual governo em relação a energia nuclear na verdade é
motivada por interesses que não são explicitados claramente a sociedade.
O que fica claro e cristalino, mostrado em distintos estudos, é que
caso se amplie o uso da eletricidade nuclear as tarifas serão majoradas
para todos os consumidores do país, para remunerar os custos
astronômicos de tais empreendimentos. Além de aumentar a probabilidade
de ocorrer tragédias catastróficas, devido à irresponsabilidade e
insanidade de alguns. Tal perigo tem levado vários países a rever seus
planos de construção de novas usinas nucleares.
A
lama assassina derramada pela Vale, e que ceifou a vida de mais de 300
pessoas, deve servir de exemplo para que a construção de novas usinas
nucleares pelo poder público seja abandonada. Tem tudo a ver o
sofrimento da população atingida pela Vale, com o que poderá acontecer
em um futuro breve provocado pelas usinas nucleares, caso a sociedade
brasileira não se rebele frente a decisões equivocadas, que representam riscos trazidos ao meio ambiente e a vida dos brasileiros pelo novo governo.
O Brasil e o Nordeste não precisam de usinas nucleares.
Heitor Scalambrini Costa
Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco
Membro da Articulação Antinuclear Brasileira
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/01/2019
"Tudo a ver: crimes da mineração e usinas nucleares, artigo de Heitor Scalambrini Costa," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/01/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/01/29/tudo-a-ver-crimes-da-mineracao-e-usinas-nucleares-artigo-de-heitor-scalambrini-costa/.
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