6 de agosto de 2019


A campanha de assassinato de reputação do ex-juiz e atual
ministro Sergio Moro continua a todo vapor. A última bala disparada por seus
detratores, que se mostrou de festim, foi sobre uma palestra que o então juiz
fez e acabou omitindo, o que é proibido pela lei. Ele fizera várias outras
palestras devidamente declaradas, e alegou ter evitado a autopromoção com essa
palestra, já que doou os recursos para a caridade:
Ficamos então assim: a turma que defende o ex-presidente
quer atacar Moro por uma palestra que ele ocultou, cuja remuneração ele doou
para caridade, sendo que o marginal preso ocultou um sítio e um tríplex, que
ganhou como propina, enquanto dava “palestras” fantasmas para empreiteiras,
acumulando milhões de patrimônio no processo. São critérios no mínimo estranhos.
“Ah, mas não é para comparar com Lula, e sim para mostrar
que Moro não é perfeito”, pode dizer alguém que tenta ocultar as reais
intenções. Ok, Moro não é perfeito. Aliás, quem o é? Mas eis o ponto: heróis
raramente são perfeitos. Churchill está aí para provar.
O personagem do comunista Bertold Brecht dizia “pobre do
povo que precisa de heróis”. Não concordo. Pobre do povo que tem os heróis
errados, como Macunaíma ou… Lula. Precisamos de referências morais, de
lideranças corajosas, e esses são os heróis.
Nos Estados Unidos o povo entende melhor isso, trata seus
veteranos de guerra como heróis, reconhece em seus bombeiros grande heróis,
cumprimenta os policiais com deferência. “Moro apenas cumpriu sua função de
juiz”, alegam os que tentam diminuir seu feito heroico.
Ora, então porque até a Lava-Jato não vimos nada parecido em
termos de combate à corrupção? Por que só com Moro e a Lava-Jato tivemos
caciques tão poderosos sendo presos, com bilhões devolvidos aos cofres
públicos? Alguém acha mesmo que é fácil ou trivial mandar para a prisão gente
tão poderosa e perigosa?
O grau de sacrifício pessoal em prol do coletivo é o que
cria heróis. Moro, por esse critério, certamente foi um herói nacional e merece
todo o respeito e admiração. Ao aceitar virar ministro, acabou sendo tragado
para o mundo mais sujo da política, e passou a ter de fazer política. Mas os
heróis costumam ser discretos.
Quando era juiz, Moro aceitou a tal palestra por conta do
pedido de um amigo. E, segundo uma fonte que trabalhava no grupo que
organizou a palestra e ajudou a levar Moro, o então juiz recusou um
cachê quatro vezes maior. “Por esse valor, me nego a ir. Só vou
por um valor simbólico quatro vezes menor”, teria dito Moro. “Não
seria correto nem ético eu receber um valor desses”, acrescentou.
Em resumo: Moro iria de graça fazer a palestra, para atender
ao pedido de um amigo, e acabou cobrando um valor simbólico, que doou para
caridade. Mas a notícia é a omissão da tal palestra, usada por gente que
pretende nivelar todos por baixo. “Ninguém é perfeito” é frase típica de quem
quer defender os piores. Eu prefiro sempre me mirar nos melhores.
Ray Dalio, em seu livro Princípios, fala um
pouco sobre seu contato com certas autoridades:
Em geral, quem não teve contato direto com os líderes
políticos de seu próprio país e dos demais forma suas opiniões com base no que
vê na mídia e, como resultado, é muito ingênuo e dogmático. Isso acontece
porque histórias dramáticas e fofocas conseguem mais audiência do que a
objetividade dos fatos. Em alguns casos, os “jornalistas” tentam até passar
adiante os próprios posicionamentos ideológicos. […] Ainda assim, passei a
respeitar a maioria das autoridades com quem trabalhei e a sentir pena da
terrível posição em que estavam. A maior parte é feita de pessoas de princípios
elevados e que se vê forçada a operar em ambientes nos quais não há princípios.
Na melhor das circunstâncias, o trabalho de formulador de políticas é
desafiador; na pior, quase impossível. O mundo da política é horrendo, ainda
pior graças a distorções e desinformação propagadas por parte da mídia. Uma
série de autoridades com quem me encontrei – incluindo Draghi, De Guindos,
Schauble, Bernanke, Geithner, Summers – era de verdadeiros heróis, no sentido
de que colocavam a população e a missão com a qual estavam comprometidos acima
dos próprios interesses. Infelizmente, a maioria das autoridades entra na
carreira como idealista e sai dela desiludida.
Se Dalio conhecesse melhor o Brasil teria incluído Sergio
Moro nessa lista, ou então Paulo Guedes, que precisou aturar até filho de
bandido lhe chamando de “tchutchuca”. Ainda bem que entre nós há aqueles
dispostos aos mais altos sacrifícios para ajudar a fazer o país avançar. Um
pouco menos de ingratidão não faria mal a ninguém…
Rodrigo Constantino
Nenhum comentário:
Postar um comentário