terça-feira, 10 de outubro de 2017

Vamos encarar a verdade?

por Fernão


O Brasil está exausto de saber que “o sistema” está falido e é preciso mudar tudo. Mas dessa constatação em diante é só escuridão.

Na crise, de volta ao básico”. É preciso lembrar todos os dias que não existe alternativa 
à fórmula dos tres poderes independentes respaldados na vontade popular expressa 
pelo voto universal convivendo harmonicamente. Fora daí regride-se ao monarca absoluto. 
A História não registra outra hipótese.

A “narrativa”, no momento, é a dos poderes Legislativo e Executivo desmoralizados pela
 corrupção encurralados por um Poder Judiciário impoluto batalhando pela reforma dos
 costumes daqueles perdidos. Mas ela não para um minuto em pé. O sistema inteiro está 
cevado na corrupção e no privilégio, o Judiciário inclusive e principalmente, só que a 
 blindagem "inata" desse poder contra investigações externas e pressões diretas do 
eleitorado mantem suas próprias mazelas fora das manchetes e essa é a conjunção de 
fatores que o "elege" como o protagonista ideal dos golpes contra a democracia que 
assistimos neste continente. O país real, paralisado pelo medo de que as ambições 
à solta façam tudo degringolar irreversivelmente, sabe que essa briga não é a sua e 
por isso mantém-se fora dela.

A discussão da questão "técnica" supostamente envolvida – o STF deveria ou não ser só
 uma corte constitucional? – também é ociosa. Na matriz que inventou esse sistema a 
 constituição, com 230 anos, tem 7 artigos e 27 emendas estabelecendo os direitos 
 de todos e os limites precisos das prerrogativas do governo. A nossa, com apenas 
29 anos, tem por enquanto 250 artigos e 96 emendas, a maioria definindo exceções
 aos direitos de todos e os privilégios dos titulares do governo e seus servidores e 
apaniguados. 

A consequência resumida disso é que gasta-se 11% da metade do PIB arrecadada 
em impostos por ano com funcionários da ativa e outros quase 58% (!!) com 
funcionários aposentados pela simples e escandalosa razão de que outorgar 
o “direito” de ganhar sem trabalhar é a moeda com que se compra poder 
neste país. Por isso o funcionalismo – e por cima dele a casta dos “marajás” de ate 
R$ 500 mil por mes constituída por membros do Judiciário e do Ministério 
Público – tem aposentadorias precoces, o que faz com que o numero de inativo
s se multiplique na velocidade dos avanços da medicina, e com proventos médios
 entre 6 vezes (os do Executivo) e 23 vezes (os do Judiciário e Ministério Público)
 maiores que os dos brasileiros comuns.

Esse é o problema real!

Todas as distorções das nossas instituições, assim como toda a corrupção que está aí, 
giram em torno desse poder de distribuir e "legalizar" mais e mais formas de apropriação
 ilícita do dinheiro público. Só que como a esmagadora maioria dos protagonistas da 
discussão do resultado disso – promotores, juizes, políticos, “especialistas” (professores das universidades públicas, ex-ministros do STF, etc.), além de boa parte dos jornalistas – são, eles próprios ou seus pais, filhos e conjuges, os clientes desses privilégios, todos hesitam em ser suficientemente  claros a esse respeito. É isso, mais o que se “aprende” nas nossas escolas, 
que mantém o país na desorientação em que está.


As delações premiadas foram boas para destravar os ventos da mudança. Mas logo 
“o sistema” aprendeu a usa-las para desviar a atenção da evidência maior de que o 
texto da Constituição e a instrumentalização da lei, muito mais que as violações delas, 
é que estão matando o país ao legalizar e automatizar parcelas crescentes do assalto sistemático à riqueza da nação.

Ha mais de 100 anos as democracias entenderam que na vida real manda quem tem o
 poder de demitir. O direito de eleger (ou de contratar) desassociado do poder de deseleger
 (ou demitir) a qualquer momento só conduz à corrupção galopante dos representantes 
(e dos servidores públicos), como já ficara provado mil anos antes na experiência romana. 
Por isso elas incorporaram a solução suiça de, num ambiente de estrito respeito ao 
principio federalista, dividir o eleitorado em distritos, amarrar todas as ações de governo 
da vida comunitária aos municipios e dar aos eleitores, em cada um deles, plenos poderes
 para fazer e  desfazer suas próprias leis, chancelar as do Legislativo mediante referendos
 e retomar a qualquer momento os mandatos de seus representantes. Essa combinação 
– plenos poderes para o eleitor mas com um alcance “geográfico” restrito – mudou tudo. 
Resultou num remédio contra a corrupção tão potente que deixou ricos todos quantos o 
adotaram sem aumentar a instabilidade da nação.

A perna que falta para que o Brasil se reequilibre é ligar o fio terra da nossa 
democracia na unica fonte que pode legitima-la. Essa briga destrutiva entre poderes, 
para tudo quanto diz respeito ao país real, não terá vencedores.

Na receita de Montesquieu o Judiciário não faz nem modifica leis, só executa as que o 
 Legislativo eleito pelo povo escreve. A questão objetiva, portanto, é como mudar o que
 está aí sem destruir as instituições para as quais a alternativa é a opressão. Se quiser 
reformar-se dentro da e para a democracia, o Brasil terá de criar caminhos para faze-lo 
dentro do e através do Legislativo. Tornar ilegais comportamentos que ja foram legais 
é o caminho, desde que se tenha em vista um futuro ao qual todos possam aderir na 
negociação de um projeto de salvação nacional. Fazer leis retroativas é amarrar o país
 a um passado que não pode ser mudado apenas para encurralar adversários na disputa
 pelo direito de nos explorar.

A chance de ressurreição da democracia brasileira depende do Legislativo retomar a 
 iniciativa. E isso só pode se dar cooptando o povo para uma batalha decisiva por um 
futuro sem privilégios. Para essa briga, entretanto - Temer é a prova - não ha meio termo. 
É tudo ou nada. Ou se desnuda de uma vez por todas essa esfinge de araque no meio da 
praça pública, ou ela continuará jantando os trouxas dentro e fora do “sistema”.

Fernão | 10 de outubro de 2017 às 06:21 | 



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