A hora é agora
Do lado dos eleitores, apesar da renovação da política em curso, nós não mudamos tanto assim. Ainda nos iludimos com políticos que infantilizam a sociedade.
O foco da campanha do primeiro turno de Fernando Haddad foi vender a imagem de que ele é o escolhido de Lula. Para manter a fidelidade do voto de esquerda, repetiu mantras do passado e negou a culpa de Dilma na crise econômica. Para o Brasil voltar a crescer, bastaria aumentar os gastos públicos, o que significa uma negação da crise fiscal.
Já a campanha de Jair Bolsonaro foi concentrada em temas relacionados a costumes, segurança e corrupção. Seu discurso na economia passa a mensagem subliminar de que não será necessário grande esforço para equilibrar as contas públicas e promover o crescimento. Bastaria acabar com a corrupção e conchavos políticos, e avançar em algumas privatizações.
Evitar temas econômicos polêmicos em campanhas é algo esperado, mas se foi longe demais. Diante da grave crise, há elevados riscos envolvidos nessa estratégia, pois se reduz a legitimidade para conduzir as necessárias reformas adiante.
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Balzaquiana, mas flexível
Exemplo recente foi a campanha de 2014. Dilma Rousseff negou os problemas fiscais e, como resultado, defrontou-se com a resistência de seu próprio partido para a aprovação do ajuste fiscal e teve ainda de lidar com a participação de parlamentares petistas na aprovação da chamada pauta-bomba do Congresso.
Segundo a imprensa, nem mesmo Lula conseguiu convencer os petistas sobre a importância das medidas de ajuste e, assim, evitar dissidências. A campanha do segundo turno deveria ser a oportunidade para os candidatos exporem e ajustarem suas plataformas econômicas. Alguma descida de palanque é necessária e recomendável, deixando de lado bravatas e omissões oportunistas.
Alguns ajustes no discurso começaram após o resultado do primeiro turno. Haddad negou a intenção de uma nova Constituição e defendeu a reforma da Previdência para acabar com privilégios, que é o que não falta em nossas regras previdenciárias. Para conquistar a confiança de investidores e produtores, mais ajustes no seu discurso serão necessários, como na aceitação da agenda de privatizações e concessões. O discurso de Bolsonaro não traz grandes mudanças, mas reforça a tendência de afastamento da agenda liberal do economista Paulo Guedes.
Apesar de Guedes defender o prosseguimento da proposta de reforma da Previdência de Michel Temer, com possível aprovação ainda este ano, Bolsonaro a rejeitou. O candidato fala em propor uma nova reforma, com foco nos “marajás” do funcionalismo, com uma transição bastante lenta e mantendo o tratamento diferenciado a membros das Forças Armadas e da polícia militar. Ele não cita a necessária reforma do INSS. Tudo muito tímido diante do tamanho do desafio, inclusive nas finanças estaduais.
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Bolsonaro promete ainda reduzir a carga tributária, com isenção do imposto de renda para quem recebe até 5 salários mínimos – algo também defendido por Haddad –, sem dizer de onde virão os recursos. Sobre o programa de privatizações, o deputado nega aquela que deveria ser prioritária: a da Eletrobrás; uma empresa deficitária e sem capacidade de investimento, ameaçando a oferta de energia elétrica em todo o País.
A visão de que não é necessário fazer um ajuste estrutural nas contas públicas é bastante disseminada na sociedade. De um lado, há aqueles que defendem mais gastos e manutenção de privilégios. De outro, os que acreditam que o combate à corrupção resolve a crise e que basta vontade política para privatizar empresas estatais e cortar gastos.
A campanha presidencial nos empurrou ainda mais para esta armadilha e poderá custar caro ao novo presidente.
Fonte: “Estadão”, 11/10/2018
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