Revendo rumos
A recomposição dos projetos dos candidatos Jair Bolsonaro e
Fernando Haddad, provocada por uma entrevista do Jornal Nacional de
segunda-feira, além da boa notícia de que os dois abandonaram
publicamente projetos de cunho autoritário, reafirma o peso da opinião
pública numa sociedade democrática.
A procura pelos dois candidatos de um eleitor que, no primeiro turno,
recusou os extremos que representam, tem mais que o objetivo de obter
novos votos. Mostra que entenderam que, mesmo em situações de conflito
exacerbado, a sociedade busca caminhos democráticos para resolver suas
questões.
Resta saber se os dois candidatos seguirão nesse caminho, não
deixando dúvidas sobre seus compromissos com a democracia e a
Constituição de 1988. O candidato petista havia anunciado, feito o
acordo eleitoral com o PC do B, que o PT incluiu em seu programa de
governo a convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva.
Quando aconteceram as manifestações de rua de 2013, acuada pelo vigor
dos protestos, a então presidente Dilma foi à televisão anunciar, entre
outras medidas que nunca saíram do discurso, como um pacto nacional
pela responsabilidade fiscal, a convocação de um plebiscito para a
realização de uma reforma política através de uma Constituinte
exclusiva.
Não colocou em prática, por impossibilidade legal no caso da Constituinte, nenhum dos pactos, e acabou impedida de continuar na presidência justamente pela irresponsabilidade fiscal que patrocinou. A convocação de uma Constituinte foi o primeiro passo do então recém-eleito Hugo Chavez, na Venezuela, para avançar sobre os demais poderes, ampliando a força do Executivo.
A “Constituição da República Bolivariana da Venezuela”, promulgada em
1999, primeiro dos 14 anos de governo de Chavez, é considerada o ponto
de partida do chavismo.
Também o entorno do presidenciável Jair Bolsonaro andou fazendo
propostas que não se coadunam com um ambiente democrático. O vice,
General Mourão, sugeriu que uma nova Constituição poderia ser feita por
um grupo de notáveis, sem precisar do voto popular, bastando ser
referendada numa eleição posterior.
Não existe tal possibilidade, e o mais parecido com isso foi a
Comissão Arinos, formada por notáveis que propuseram ao Congresso um
novo texto, como base para a nova Constituição a ser promulgada em 1988.
Mesmo composta de “notáveis” e tendo suas vantagens, as propostas da
Comissão foram solenemente ignoradas pelo presidente da Constituinte
Ulysses Guimarães.
Também a referência à possibilidade de um autogolpe foi rejeitada por
Bolsonaro, assim como Haddad rejeitou a afirmação do ex-ministro José
Dirceu de que, vencida a eleição, o PT “tomaria o poder”. Mourão e
Dirceu falavam da mesma coisa, de extremos opostos.
Os dois candidatos se curvaram à ordem constitucional e prometeram,
diante da audiência do Jornal Nacional, a obedecerem a Constituição, que
não permite que se use a democracia para atentar contra ela. A questão é
saber o alcance e a seriedade desses compromissos.
O ex-presidente Lula fez a Carta aos Brasileiros em 2002 para
garantir que manteria a política econômica então em vigor, e respeitaria
o equilíbrio fiscal. Cumpriu a promessa durante seu primeiro mandato,
mas, quando se sentiu forte, deu início à guinada em direção à “nova
matriz econômica” de Guido Mantega que, aprofundada por Dilma, deu nessa
enorme recessão de que ainda não nos livramos, com um déficit fiscal
gigantesco.
O programa do PT é a continuidade da política econômica que nos levou
onde estamos, e mais a reafirmação de controles sociais de diversos
setores, até mesmo do Judiciário, passando pelos meios de comunicação,
que sempre tentaram e não conseguiram, pela reação contrária da opinião
pública.
Será preciso que Haddad, se não pode fazer a autocrítica necessária
ao PT, abra mão desse dirigismo do Estado para que seu compromisso com a
democracia possa ser levado a sério.
Também Jair Bolsonaro tem que desestimular seus seguidores, se não
tem controle sobre eles como diz, a usar a violência para atingir seus
objetivos de maior segurança pública e preservação dos valores
conservadores. Esses objetivos não podem prescindir da proteção aos
direitos humanos, e a maioria não pode submeter as minorias a suas
convicções.
Fonte: “O Globo”, 10/10/2018
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