Na biografia apresentada no Fantástico e em todos os outros programas do segmento aberto da Rede Globo, Ferreira Gullar não renegou o comunismo. Nos programas do segmento fechado da rede, ele vagamente "oscilou" em suas crenças e "manteve um pensamento independente" não se mencionando em relação a que. Em todos ele "foi comunista" quando foi comunista, "perseguido pelos militares"...
Quer
dizer, no dia da morte dele, trataram de matar pela segunda vez o
verdadeiro Ferreira Gullar; de aniquilar a memória da essência do que
ele foi na sua monumental e poética honestidade intelectual.
É patético esse jeito Globo de
aproximar-se mais ou menos da verdade conforme o nível de informação
anterior que ela espera dos seus diferentes públicos, o que é nada menos
que uma confissão de mentira. É emblemático disto a que está reduzido
este país que tateia no escuro em algum lugar entre o século 19 e o
século 20, pensando que está procurando o século 21...
O
verdadeiro Ferreira Gullar, entretanto, foi grande o bastante para
dizer na cara de todos os jornalistas e de quem mais quisesse ou não
quisesse ouvir a verdade, coisas como essas abaixo:
“Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é”.
“O
capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da
sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível. A
força que torna o capitalismo invencível vem dessa origem natural
indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas
inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo
central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade
de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento”.
“A
luta dos trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência
dos direitos, tudo isso fez melhorar a relação capital-trabalho. O que
está errado é achar, como Marx diz, que quem produz a riqueza é o
trabalhador, e o capitalista só o explora. É bobagem. Sem a empresa, não
existe riqueza. Um depende do outro. O empresário é um intelectual que,
em vez de escrever poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo
que faz coisas novas. A visão de que só um lado produz riqueza e o outro
só explora é radical, sectária, primária. A partir dessa miopia, tudo o
mais deu errado para o campo socialista”.
“A
própria natureza é injusta e desigual. A justiça é uma invenção humana.
Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro
aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós. A capacidade
criativa do capitalismo é fundamental para a sociedade se desenvolver,
para a solução da desigualdade, porque é só a produção da riqueza que
resolve isso”.
“Eu
fui do Partido Comunista, mas era moderado. Nunca defendi a luta
armada. A luta armada só ajudou mesmo a justificar a ação da linha dura
militar, que queria aniquilar seus oponentes. (As pessoas do partido
Comunista) não lutavam por democracia, mas pela ideologia Comunista, e
estavam sinceramente equivocadas. Você tem de ter uma visão crítica das
coisas, não pode ficar eternamente se deixando levar por revolta, por
ressentimentos. A melhor coisa para o inimigo é o outro perder a cabeça.
Lutar contra quem está lúcido é mais difícil do que lutar contra um
desvairado”.
“O
socialismo fracassou. Quando o Muro de Berlim caiu, minha visão já era
bastante crítica. A derrocada do socialismo não se deu ao cabo de alguma
grande guerra. O fracasso do sistema foi interno. Voltei a Moscou há
alguns anos. O túmulo do Lênin está ali na Praça Vermelha, mas, pelo
resto da cidade, só se veem anúncios da Coca-Cola. Não tenho dúvida
nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no
contrário. Se o socialismo entrou em colapso quando ainda tinha a União
Soviética como segunda força econômica e militar do mundo, não vai ser
agora que esse sistema vai vencer. O socialismo acabou, estabeleceu
ditaduras, não criou democracia em lugar algum e matou gente em
quantidade”.
“Frequentemente
me pergunto por que certas pessoas indiscutivelmente inteligentes
insistem em manter atitudes políticas indefensáveis, já que, na
realidade, nem existem mais. Estou evidentemente me referindo aos que
adotaram a ideologia marxista, que, de uma maneira ou de outra,
militaram em partidos de esquerda, fosse no Partido Comunista, fosse em
organizações surgidas por inspiração da Revolução Cubana”.
“Não
posso defender um regime sob o qual eu não gostaria de viver. Não posso
admirar um país do qual eu não possa sair na hora que quiser. Não dá
para defender um regime em que não se possa publicar um livro sem pedir
permissão ao governo. Apesar disso, há uma porção de intelectuais
brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver lá de
jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas,
que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo”.
“Existe
uma política que o governo adotou, chamada ‘psiquiatria democrática’,
que é um absurdo. Impede a internação. Eles acabaram com mais de quatro
mil leitos. Por que chama 'psiquiatria democrática'? Porque não interna.
Mas é uma bobagem, ideológica, cretina, que não tem nada a ver com essa
doença real. Eu, que lidei com essa doença, sei muito bem que não tem
nada disso. Quando uma médica veio com essa conversa, perguntei: ‘É a
sociedade que adoece o doente mental? A doença mental não existe? É a
sociedade que faz ficar doente? O fígado adoece e o cérebro não adoece?
Por quê? É o único órgão divino?’” (Ferreira Gullar teve dois filhos com esquizofrenia)
“O
mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem
explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação
explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se
revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode
ser poesia”.
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