terça-feira, 31 de maio de 2016

A Beleza da Desinformação


Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja

A maioria dos políticos, das pessoas no mundo acadêmico e da mídia acredita que a DESINFORMAÇÃO é um fenômeno obsoleto da Guerra Fria. Até uma data avançada, como 1986, contudo, a palavra DESINFORMAÇÃO não era listada entre as 300 mil entradas do Webster’s New World Thesaurus, ou mesmo nos 27 volumes da New Encyclopedia Brittanica. Acredita-se largamente – e erroneamente – que a palavra é apenas um sinônimo estrangeiro para má informação. Até o software Microsoft Word 2010 sublinha a palavra desinformar e sugere sua substituição por informar mal.

Na realidade, a DESINFORMAÇÃO é tão diferente da má informação quanto a noite é diferente do dia. O ato de informar mal é uma ferramenta oficial de governo reconhecível enquanto tal. Desinformar (isto é, dezinformatsiya) é uma ferramenta secreta de INTELIGÊNCIA, com a finalidade de outorgar uma chancela ocidental, não governamental, a mentiras de governos.

Imaginemos que a FSB (a nova KGB) tenha fabricado alguns documentos como supostas provas de que as forças militares americanas estavam seguindo ordens específicas para mirar casas de oração muçulmanas em seus ataques à bomba à Líbia, em 2011. Se um informe sobre esses documentos fosse publicado em canal oficial de notícias russo, seria má informação, e as pessoas, no Ocidente, poderiam, corretamente, tomá-la com um pé atrás e simplesmente não lhe dar a mínima, vendo-a como propaganda rotineira de Moscou. Se, por outro lado, esse material fosse tornado público pela mídia ocidental e atribuído a alguma organização ocidental, seria DESINFORMAÇÃO e a credibilidade da notícia seria substancialmente maior.

Em abril de 2003 a mídia ocidental foi inundada com centenas de histórias de horror sobre o saque do Museu Nacional da Bagdá. Canais de televisão de todo o mundo mostraram o vice-diretor do museu culpando os americanos por permitirem a destruição de 170 mil itens de antiguidade de milhares de anos. Era DESINFORMAÇÃO. Depois se veio a informar, com credibilidade, que os empregados do museu haviam escondido em lugar seguro os tesouros supostamente saqueados bem antes da Guerra do Iraque, e ao fim das batalhas eles estavam a salvo, sob custódia americana.

Funcionários do museu listaram, depois, apenas 25 artefatos como faltantes. Mas o estrago estava feito. Incontáveis pessoas de todo o mundo ainda se referem às imagens devastadoras dos mostruários vazios que foram rapidamente exibidas em suas telas de tevê, acompanhadas da acusação de que os americanos haviam deixado isso acontecer.

No decorrer da história, vários países, durante tempos de guerra se valeram de várias técnicas para enganar o inimigo acerca de suas verdadeiras intenções. Num extremo está aquele imenso cavalo de madeira construído pelos gregos no segundo milênio A.C. para assegurar entrada à cidade invencível de Tróia.

Em outro extremo está a operação magistral e complicada, criada pela Inteligência britânica em 1944 para fazer os alemães acreditarem que as forças aliadas iriam invadir a França através de Calais, e não através das praias da Normandia, como de fato planejavam. A Rússia se tornou a primeira grande potência que transformou o engano numa política nacional permanente, que viria distorcer todas as facetas da sociedade russa czarista e comunista.

De acordo com os manuais que regulavam, na Romênia, a “ciência” da DESINFORMAÇÃO (e se a denominava específica e orgulhosamente de ciência), ela nascera na Rússia, estava profundamente enraizada em solo russo e na história desse país, e assim permaneceria para sempre. Os manuais ensinavam que, nascida na Rússia do Século XVIII, a DESINFORMAÇÃO era fruto da relação amorosa entre Catarina, a Grande, e o Príncipe Grigory Potemkin, o seu principal conselheiro político e militar.

Em 1787, Potemkin, à época Governador Geral da Nova Rússia (atual Ucrânia), levou a imperadora para um passeio pela Criméia, em cuja anexação, tomando-a dos turcos, quatro anos antes, ele participara. Potemkin fizera com que falsas aldeias fossem erigidas ao longo da rota pela qual a imperatriz passaria. Uma dessas aldeias de fachada, erigida junto à foz do pequeno rio Bug, foi longe, a ponto de dar as boas vindas à imperatriz com um arco triunfal, no qual se lia: “Este é o caminho para Constantinopla”. 

Não é coisa acidental o fato de que a DESINFORMAÇÃO  tenha nascido na Rússia. No Século XVII, o francês Marquês de Custine observou que na verdade “tudo é enganação na Rússia, e a graciosa hospitalidade do Czar, reunindo em seu palácio os seus servos e os servos de seus cortesãos, é apenas mais uma zombaria”. Custine também observou – numa linguagem que ate hoje é insuperável – que o “despotismo russo não apenas não se importa com as idéias e sentimentos, como também refaz os fatos, move guerra contra as evidências e triunfa na batalha”.

O general Walter Bedell Smith, ex-embaixador americano em Moscou, que escreveu uma introdução à tradução inglesa de 1951 do diário do Marquês, afirmou que a análise política de Custine era “tão penetrante e atemporal que poderia ser chamada de a melhor obra até hoje produzida sobre a União Soviética. Esse livro é, talvez, a análise mais perspicaz de toda a Rússia do Seculo XX”.

Há um provérbio que diz que a mentira tem pernas curtas. Isso pode ser verdade em outro lugar, mas na Rússia pós-czarista a DESINFORMAÇÃO se tornou uma política nacional que teve papel imensamente maior na definição do passado e presente do país do que até mesmo Potemkin jamais poderia prever.

A I Guerra Mundial e a nova era que ela trouxe varreram 5 imperadores, 8 reis e 18 dinastias, mas nenhum país passou por maiores mudanças que a Rússia. Quando a guerra acabou, a Rússia parecia uma comunidade de casas portáteis atingida por um furacão. Os novos governantes russos assassinaram o Czar, sua família e sua aristocracia, aboliram as instituições de governo do país, demoliram sua religião milenar, apropriaram-se das terras que pertenciam a russos abastados, confiscaram os bancos e os empreendimentos industriais e mataram a maioria dos seus proprietários. A história, as tradições, os costumes sociais, os valores éticos e tudo o mais da Rússia que significara algo antes da Revolução de Outubro de 1917, foram virados de cabeça para baixo e do avesso, mesmo que só por questão de mudar por mudar.

No entanto, os novos dirigentes comunistas preservaram religiosamente a “ciência da DESINFORMAÇÃO”, percebendo que essa ferramenta histórica russa caía como uma luva às suas necessidades. O que o comunismo é, na realidade, é a alteração de mentes. Isso também é a quintessência da Rússia, remontando às aldeias erigidas por Potemkin para alegar prosperidade rural.

Não impressiona que o comunismo, a Rússia e a DESINFORMAÇAO se deem tão bem.
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O texto acima é o resumo de um dos capítulos do livro “Desinformação”, escrito pelo Tenente-General Ion Mihai Pacepa – foi chefe do Serviço de Espionagem do regime comunista da Romênia. Desertou para os EUA em julho de 1978, onde passou a escrever seus livros, narrando importantes atividades do órgão por ele chefiado, e que influenciaram diretamente alguns momentos históricos do Século XX -, e pelo professor Ronald J. Rychlak - advogado, jurista, professor de Direito Constitucional na Universidade de Mississipi, consultor permanente da Santa Sé na ONU, e autor de diversos livros -. O livro foi editado no Brasil em novembro de 2015 pela editora CEDET. 



Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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