O que falta para salvar a pátriapor Fernão |
Artigo para O Estado de S. Paulo de 15/1/2019
Não
ha quem no serviço público brasileiro não tenha sido tocado ao menos
pela corrupção institucionalizada, aquela que oficialmente não é tida
como o que é porque a lei é o seu instrumento de ação. Nem mesmo os
militares passaram incólumes por essas três décadas de elevação da
cultura do privilégio à força em torno da qual tudo o mais gravita no
país oficial desde a Constituição de 88. Mas se havia qualquer duvida
sobre o valor da reserva moral que lhes restou ela acabou com os fatos
que se seguiram ao primeiro embate de 2019 entre Brasília e o Brasil.
Como
acontece sempre na formação de qualquer governo a “área econômica” é a
única que chega ao dia da posse com todas as suas referências fincadas
exclusivamente no pais real. Brasília, de onde, com as regras eleitorais
vigentes, obrigatóriamente sai o nucleo dos grupos que se substituem no
poder, não sente o Brasil. Lá os salários sobem e as carreiras
progridem por decurso de prazo tão certo quanto que o sol nascerá
amanhã. Nunca aconteceu com seus familiares, nunca aconteceu com seus
amigos, nunca aconteceu com seus colegas de trabalho, nunca aconteceu
com eles próprios: a figura do "andar para traz" simplesmente não existe
no modelo cognitivo do típico cortesão de Brasília nem como exercício
abstrato de antecipação de uma possibilidade, simplesmente porque essa
possibilidade não existe.
Não
é de surpreender, portanto, que para todos quantos a cada nova conta a
ser paga corresponde um novo "auxílio" arrancado ao favelão nacional o
“modelo de capitalização” na Previdência – que em português plebeu quer
dizer pagar por aquilo que se vai consumir – pareça uma inominável
maldade. Essa relação, para eles, nunca foi obrigatória.
Mas
agora a realidade está aí nua e crua. Financiar os 30-40 anos de ócio
que o brasiliense aposentado típico vem colhendo sem nunca ter plantado
custou ao Brasil passar da economia que mais crescia para a economia que
mais decresce no mundo hoje, mas Brasília nem percebeu. Brasília
“cresce” sempre, chova ou faça sol, por "pétrea" determinação
constitucional. E, na dúvida, lá vem o cala-a-boca: "a constituição não
se discute, a constituição cumpre-se".
Só que não.
Agora,
à beira do precipício, até Brasília já sente a vertigem. O inchaço do
funcionalismo nos 13 anos de PT transbordando em progressão geométrica
para as aposentadorias na flor da idade que congelam os salários
públicos no tope de cada carreira por quase meio século mergulhou essa
previdência sem poupança num processo de metástese. Com quase 40% do PIB
entrando, já não sobra sequer para pagar os aposentados mais os seus
substitutos com o salário de entrada. E como quando falta dinheiro para
pagar funcionário no Brasil é porque já faltou antes para tudo o mais –
hospitais, escolas, segurança pública, infraestrutura – não ha mais como
não agir.
Velhos
hábitos demoram para morrer mas os embates da primeira semana de
governo deram indicações animadoras da força da humildade de Jair
Bolsonaro. Ele vacilou quando se calou diante do sindicalista
Lewandowski infiltrado no STF. Ele vacilou quando recusou vetar o
aumento dos incentivos para a Sudam e a Sudene. Ele tem vacilado diante
dos “quiéquiéisso companheiro” dos amigos da vida inteira das
corporações militar e política de que faz parte. Ele vacilou, até,
diante do “fogo amigo” contra Paulo Guedes. Mas Paulo Guedes é um homem
de contas. A transição e os primeiros dias de governo têm sido uma
avalanche de números. E com números não se discute. Assim que Guedes se
decidiu a dar o limite dos "bailes" que estava disposto a levar de
Brasília parece ter caído a ficha e o presidente teve a nobreza de rever
sua posição. Realinhou o governo inteiro à Prioridade Zero de deter a
hemorragia previdenciária e o Brasil entrou em festa para deixar bem
claro a fundamental importância que essa atitude teve.
Brasília
pode reagir a Onix Lorenzoni mas o Brasil reage a Paulo Guedes. E se
confundir essas prioridades o governo comete suicídio e nos leva junto.
Não haverá segunda chance. Não há tempo. Privatizações e descomplicações
liberalizantes da vida produtiva poderão acelerar o processo. Mas o que
dirá se haverá ou não processo a ser acelerado é o desenho da reforma
da previdência. E o lucro ou o prejuízo serão colhidos inteiros a partir
do momento que esse desenho for conhecido.
Tudo
isso parece se ter tornado subitamente claro para o governo. Tocados
nos brios os militares, que estão longe de desfrutar os maiores entre os
privilégios do Brasil com privilégios, embora vivam no que para o país
real não entra nem em sonho, declaram-se dispostos a puxar a fila dos
sacrifícios para dar o exemplo. É um gesto inédito na História do Brasil
e absolutamente decisivo. Se confirmado, cala para todo o sempre a boca
dos detratores da instituição. Já o campo do Legislativo reflete, para
bem e para mal, a diversidade do país. Mas quando chamado ao sacrifício
com o devido empenho, no governo Temer, prontificou-se a responder
majoritariamente a favor do Brasil. Foi detido pelo golpe Janot-Joésley
que abortou a votação decisiva na véspera de acontecer. Desde então,
sentindo espaço, suas piores figuras voltaram a dominar a cena. Mas um
novo Congresso vem aí e, no extremo, poder eleito que é, ele sempre faz o
que o Brasil diz que quer que ele faça.
Falta,
agora, o movimento da inefável Versailles da privilegiatura que tem
sido o Poder Judiciário. Não haverá avanço na segurança publica se não
houver avanço na economia. E não haverá avanço na economia se não houver
avanço na Previdência. Sem ambos, não haverá pacote de leis nem
articulação de forças de repressão capaz de deter a quase guerra civil
contra o crime organizado que vivemos. Mas se o ministro Sérgio Moro e
seus fiéis escudeiros do Ministério Publico, seguindo o exemplo dos
militares, liderassem o movimento de devolução de privilégios que suas
corporações ha muito devem ao Brasil, a pátria com toda a certeza
estaria salva.
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