O Globo – Líder de oposição venezuelana: Brasil terá papel central para saída de Maduro / Entrevista / Juan Guaidó
Por Janaína Figueiredo
Em nota, Itamaraty acusa regime chavista de terrorismo, narcotráfico e corrupção.
O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, principal nome da oposição ao presidente Nicolás Maduro, disse, em entrevista a JANAÍNA FIGUEIREDO, que tem recebido “apoio muito sólido” do governo Bolsonaro. Para ele, o Brasil tem “papel central” na articulação da transição no país. O presidente Jair Bolsonaro recebeu ontem no Planalto o presidente do Tribunal Supremo de Justiça no exílio, Miguel Ángel Martín. O chanceler Ernesto Araújo se reuniu também com líderes da oposição e com representantes do Grupo de Lima e do governo dos EUA. O Itamaraty divulgou nota afirmando que o governo de Maduro “está baseado na corrupção, no narcotráfico e no terrorismo”.
Nas últimas semanas, o nome de Juan Guaidó, novo presidente da Assembleia Nacional (AN) da Venezuela não reconhecida pelo governo de Nicolás Maduro, tornou–se onipresente na política nacional e em discussões regionais sobre a crise que assola o país. Guaidó, de apenas 35 anos, é visto hoje como a grande esperança da oposição em momentos de relançamento de sua luta para tirar Maduro do poder. Em tempo recorde, o jovem dirigente conseguiu respaldos decisivos, dentro e fora da Venezuela, a favor de sua cruzada para instalar um governo de transição que convoque novas eleições presidenciais. No último fim de semana, confirmou o presidente da AN em entrevista exclusiva ao GLOBO, o deputado Eduardo Bolsonaro lhe telefonou para expressar “um apoio contundente” e, também, sua solidariedade pela tentativa de detenção por parte de agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin). Desde então, ampliou, “está sendo coordenado um contato direto com o Executivo brasileiro”. O governo Bolsonaro, assegurou Guaidó, “vem nos apoiando desde antes da posse do presidente e hoje ocupa um papel central na região em relação à Venezuela”. Ontem, o presidente da AN acompanhou de perto os encontros do chefe de Estado e do chanceler Ernesto Araújo com dirigentes opositores, como o presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) no exílio, Miguel Ángel Martín, e o enviado especial da OEA, Gustavo Cinosi, em Brasília.
Ontem, o presidente Bolsonaro e o chanceler Araújo receberam lideranças opositoras em Brasília. Qual é a importância destas articulações para a oposição venezuelana?
O respaldo internacional é fundamental para nossa luta democrática e nos ajudou muito nos últimos anos. Em 2015, recuperamos a maioria parlamentar, e isso deu impulso a uma onda de protestos contra o governo. Hoje, a AN tem um reconhecimento mundial e ganhou esse reconhecimento por sua permanente defesa da Constituição. Consideramos muito importante o apoio dos presidentes Bolsonaro, Macri (Argentina), Duque (Colômbia), dos Estados Unidos, do Paraguai, Chile e Peru, entre outros. Isso ajuda a estimular nosso povo, nos dá ânimo e nos mostra que vale a pena a luta que estamos encarando. O mundo está nos ouvindo e, apesar de todas as tentativas, não estão conseguindo nos silenciar.
No caso do Brasil, que contatos o senhor teve desde que assumiu como presidente do Parlamento?
No fim de semana passado recebi um telefonema do deputado Eduardo Bolsonaro, e estamos coordenando uma ligação com o Executivo do Brasil.
Qual foi a mensagem do deputado Bolsonaro?
Foi uma mensagem de respaldo contundente à nossa causa, um respaldo pleno ao que estamos fazendo para recuperar nossa democracia. Também a confirmação de que não será reconhecido o governo de Maduro, o que para nós é muito importante. Foi uma conversa amável, muito cálida.
Qual é o papel do Brasil na articulação regional que está surgindo em relação à Venezuela?
Um papel central. Historicamente, somos países aliados, sempre fomos. Claro que em nossa História recente essa aliança foi desastrosa. A parceria entre (o então presidente Hugo) Chávez e Lula levou a escândalos como o da Odebrecht, obras paralisadas, corrupção, enfim, todos já sabemos de tudo isso. Mas nossa relação precisa evoluir em matéria de cooperação e luta pela democracia. O governo Bolsonaro tem nos dado um apoio muito sólido, mesmo antes da posse. Sua chegada ao poder foi uma boa notícia, num marco de respeito pela democracia e direitos humanos fundamentais.
O senhor fala em governo de transição... como se chegaria a esse cenário?
Estamos discutindo uma lei para construir esse processo, que será inédito na Venezuela e deve envolver vários setores. Temos de caminhar para um governo de união nacional, que surgirá de eleições livres e democráticas.
Quem designará esse eventual governo de transição?
Tudo surgirá dessa lei que estamos discutindo. Repito, é uma construção. Precisamos envolver as Forças Armadas, o TSJ no exílio, a diáspora venezuelana, todos.
O senhor seria o presidente de transição?
Isso dependerá de consultas com todos os setores. Volto a dizer, é algo inédito. Algo que não se decreta, se constrói. Hoje sou presidente de uma AN que tem faculdades claras. Temos uma situação de usurpação do poder, existe um consenso mundial em relação a isso. E a NA é a única instituição legítima da Venezuela, que vive uma ditadura.
Como o senhor pretende conseguir respaldo dentro das Forças Armadas?
Estamos trabalhando nisso. Aprovamos uma anistia para militares e estamos falando com muita clareza. Sinto que ressurgiu um ambiente de otimismo entre todos os venezuelanos, inclusive os militares.
O senhor dialoga com militares?
(Silêncio) Sou neto de dois militares, minha família vem do mundo militar.
Isso é um “sim”?
(O presidente da AN apenas sorriu).
Um eventual governo de transição estaria em Caracas ou no exílio?
Nossa luta é aqui. Estamos exercendo nossas faculdades aqui. Mas claro que contamos com o apoio de todos os que estão no exílio forçado.
Quais são os prazos que o senhor vê hoje para este processo?
Dependerá de nossas capacidades, mas acho que tudo pode ser muito rápido.
O senhor vem dizendo que o dia 23 de janeiro (quando os venezuelanos lembram a derrubada da ditadura de Marcos Pérez Jiménez em 1958) será um dia D para a Venezuela…
E será. Vamos voltar a unir os venezuelanos e vamos pra rua.
Não teme uma nova onda de repressão, como ocorreu em 2017?
Veja bem, tenho cicatrizes de disparos de balas de borracha no pescoço e nas costas. Fui ferido em 2017, como muitos outros venezuelanos. Nosso temor não é voltar a sermos reprimidos. Nosso temor é continuar vivendo esta tragédia.
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